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16/10/2003
Sobre Projecto de Deliberação N.º 15/IX (PEV) Medidas para a não Descriminação de Cidadãos com Deficiência ou Incapacidade
Intervenção da Deputada Isabel Castro Sobre Projecto de Deliberação N.º 15/IX (PEV)
Medidas para a não Descriminação de Cidadãos com Deficiência ou Incapacidade
Assembleia da República, 16 de Outubro de 2003

 

 

 

 

 

 

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, 

Por iniciativa de os Verdes e oito meses passados desde o primeiro pedido para agendamento deste debate e vencidas as dificuldades do Governo que conduziram a sucessivos adiamentos, eis que, finalmente o Sr. Ministro Bagão Félix encontrou na sua agenda tempo para discutir com o Parlamento os problemas da deficiência que afectam a vida de milhares de cidadãos e suas famílias.

Cerca de um milhão de pessoas estima-se que pelas diversas razões esperaram que este Ano Europeu das Pessoas com Deficiência fosse no seu país e de acordo com a responsabilidade assumida pelo seu Governo face à Comissão Europeia o momento impulsionador para o combate ás graves discriminações de que são alvo;

O momento para dar visibilidade aos problemas daqueles que alguém um dia chamou os cidadãos invisíveis;

A oportunidade para dar corpo aos direitos humanos de que se encontram em Portugal, de facto, privados,

Uma oportunidade que neste momento prestes a terminar o Ano Europeu das pessoas com deficiência não temos quaisquer dúvidas em afirmar, nesta altura sem conceder benefício de dúvida que se salda em Portugal por um rotundo fracasso.

Um ano em que se exigiria que se ultrapasse o velho patamar das proclamações e reclamava um novo comprometimento político da sociedade, do Estado e das instituições, traduzido em decisões e práticas diárias que lhe dessem corpo e sentido aos direitos humanos dos cidadãos com deficiência.

Um ano em que se exigiria medidas tal como a Comissão Europeia preconizava capazes de ter em conta a existência de um elevado número de cidadãos portugueses, cerca de um milhão, com deficiência ou incapacidade, ou seja, mais de 10% da população com problemas específicos.

Medidas necessárias tendo em conta o óbvio ou seja a persistência de múltiplas barreiras físicas, sociais, culturais e económicas com as quais estes cidadãos têm, no seu dia-a-dia de se confrontar, na mobilidade, no sistema de transportes, no acesso ao emprego, na formação e no sistema de ensino, na concepção e organização do ambiente que, em geral, os rodeia, tratando-se quer de equipamentos públicos, quer de espaços culturais ou de lazer, quer mesmo de locais de participação cívica, numa situação de manifesta violação e desprezo pelos direitos humanos.

Razões, em suma, que justificavam plenamente a apresentação pelo Governo de um programa de acção concreto entendido como a oportunidade necessária mas, igualmente, como a sua resposta e a responsabilidade que importa não desperdiçar para que se assumam e operem, através de medidas políticas e culturais concretas, as mudanças transformadoras que vão ao encontro daquilo que tem faltado ao longo dos anos, ou seja, a não discriminação e a estigmatização de pessoas que têm direito a uma vivência como seres autónomos, não excluídos de uma participação plena e em condições de serem «actores do seu próprio destino».

Uma oportunidade que se pretende que permita sensibilizar a opinião pública para o problema da deficiência e da incapacidade, na sua diversidade, mas que não deixe de favorecer uma tomada de consciência para as múltiplas discriminações de que, directa ou indirectamente, estes cidadãos são alvo. De forma pedagógica, é preciso contribuir para eliminar barreiras comportamentais e práticas estigmatizantes que persistem na sociedade.

Pretende-se que este ano dê visibilidade ao problema de direitos humanos que persiste em relação àqueles que alguém um dia chamou «os cidadãos invisíveis». É, pois, tempo de dar efectividade a todo um vasto conjunto de direitos civis, políticos, sociais, culturais e económicos, desde há muito definidos para estes cidadãos mas que continuam a tardar na sua vida quotidiana.

Refiro-me, nomeadamente, a medidas preconizadas há 10 anos, pela Organização das Nações Unidas, nas Regras para a Igualdade de Oportunidades para as Pessoas com Deficiência, mas igualmente noutros documentos fundamentais, como são a recomendação do Conselho da Europa de Maio de 1993; a decisão do Conselho que estabelece um Programa de Acção Comunitário de Luta contra a Discriminação; a decisão do Conselho a designar o ano de 2003 como Ano Europeu das Pessoas com Deficiência; o plano de acção definido pelo Parlamento Europeu para pessoas com deficiência no ano de 2001; o parecer do Comité Económico e Social sobre a proposta de decisão do Conselho «2003 — Ano Europeu das Pessoas com Deficiência»; para além de várias resoluções legislativas e relatórios do Parlamento Europeu que chamam a atenção para a necessidade de uma Europa sem entraves para as pessoas com deficiência e a favor de uma integração efectiva na sociedade.

Este contexto de mudança implica o envolvimento e a participação activa da sociedade e das associações de deficientes para os programas que importa empreender, mas não dispensa, antes impõe, um compromisso sério de cada Estado, de cada país, de cada governo na tomada de decisões e medidas políticas integradas. Faço esta chamada de atenção num ano designado como Ano Europeu das Pessoas com Deficiência, mas que continua — estranhamente — envolvido no maior silêncio e que, quase findo o mês de Janeiro, ainda não arrancou; e Portugal, por razões acrescidas, país onde 10% da população tem problemas de incapacidade ou de discriminação, tem o dever de adoptar um plano de acção.

Sras. e Srs. Deputados, porque recusamos a tentação facilitadora das medidas avulsas, porque não aceitamos que se ceda, como é prática comum, à vontade de anular e de desperdiçar tudo o que para trás foi feito, entendemos que o ano será vencido se, desde logo, o Governo for capaz de lançar uma discussão não sobre questões novas mas de avaliação crítica, séria e frontal, das capacidades ou das incapacidades que ao longo de todos estes anos fomos capazes de vencer. Esta avaliação crítica pressupõe, naturalmente, conhecer qual o sentido e a exacta dimensão que se pretende dar ao ensino — questão-chave e estruturante para a autonomia dos cidadãos com deficiência —, mas, neste momento, o Governo não sabe o que fazer aos meninos com deficiência dentro das escolas!

É necessário adoptar medidas em relação ao emprego, quando se sabe que, não obstante a quota definida para a função pública, ela se encontra congelada, e em relação às barreiras arquitectónicas, que, no saldo agora feito, lamentavelmente continuam a existir e são um factor de exclusão dos cidadãos. Medidas estas a que, do nosso ponto de vista, o Parlamento, no papel pedagógico que lhe compete, não deve furtar-se e que no ano em que celebra a sua existência, a existência deste espaço, deve, de forma culturalmente inovadora, saber transformar na mobilidade, nos direitos e nos acessos tudo aquilo que a Casa-mãe da democracia tem estado alheada.


Ver tambêm:

Projecto de Deliberação Nº. 15/IX Projecto de Deliberação- Adopta medidas para a não Discriminação de Cidadãos com Deficiência ou Incapacidade

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