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15/07/2003
Sobre projecto de lei de "Os Verdes" que altera a Lei da Nacionalidade
Intervenção da Deputada Isabel Castro Sobre projecto de lei de "Os Verdes" que altera a Lei da Nacionalidade
Assembleia da República, 15 de Julho de 2003
 
 
 
 
 
 

 

 

Senhor Presidente, Sras. e Srs. Deputados,

O debate em torno do fenómeno migratório, tem particularmente na Europa, nos últimos anos colocado na ordem do dia a questão das leis da nacionalidade e a necessidade de as repensar e ajustar a uma realidade totalmente nova e não conjuntural, a realidade da imigração, que passou nos últimos anos a integrar a paisagem humana, a ser parte integrante do nosso quotidiano e a marcar, de modo politicamente relevante, a realidade presente e futura no mundo.

É neste contexto de mudança global que ter percorrido toda a Europa e também o nosso país, que a questão da lei da nacionalidade tem, sistematicamente, sido trazida para a agenda política, como uma necessidade quer urge repensar.

Em causa e muito concretamente está a nossa dupla condição de país, a um tempo de emigrantes e de migrados.

Assim, por um lado, a partida que prevalece, de alguns portugueses que continuam ainda a procurar noutras lonjuras aquilo que a sua terra lhes negou ou Portugal não lhes garante, de forma satisfatória.

Por outro lado, a crescente condição que assumimos de país de destino de imigrantes, gente que no passado pertenceu, no tempo colonial a um só pais, gente que partilha a língua e uma herança histórica, política e cultural comum, caso dos cabo verdianos, brasileiros e que há anos se tem vindo no nosso país a fixar. País, ainda, que mais recentemente, se tornou o destino de novas comunidades vindas da Europa central e de leste que aqui se tem, igualmente, procurado ainda que transitoriamente fixar.

Razões, em nosso entendimento, sobretudo em relação aos que connosco há mais anos se encontram, as comunidades de imigrantes dos países lusófonos cujos filhos já nasceram, cresceram, aprenderam a viver em Portugal, para que se criem condições que permitam aquilo que para nós, no estrangeiros reivindicamos, um estatuto de cidadania.

Razões em síntese que justificam plenamente a oportunidade política deste debate e desta iniciativa política dos Verdes, cuja necessidade não há muito a propósito de uma presidência aberta do Senhor Presidente da República, precisamente sobre as questões da imigração, nas suas múltiplas vertentes, já tinha com premência feito emergir.

Uma alteração da lei nacionalidade que radica, na necessidade vital, de criar condições que favoreçam a plena integração destes cidadãos imigrantes, ponha fim a uma situação híbrida, politicamente injusta e inaceitável que gera marginalização, discriminação e exclusão social. A alteração que tem como destinatários, sobretudo muitos daqueles que, , impropriamente são considerados, pelo estatuto jurídico que lhes é imposto se estrangeiros, não obstante, os seus olhos nunca terem visto, ao longo da sua vida, outro país que não esta terra.

Uma alteração à lei da nacionalidade, semelhante aquela a que se tem assistido em diversos países europeus, com a introdução de reformas nos respectivos códigos de nacionalidade, uma necessidade decorrente dos processos migratórios verificados, da nova geografia que caracteriza as sociedades contemporâneas, do direito à cidadania de imigrantes e de emigrados que devem, nas suas múltiplas dimensões, pautar as decisões políticas.

Uma mudança que pretende introduzir um conteúdo actualista, à lei em vigor desde 1981 e definir um novo critério para atribuição da nacionalidade, capazes de assegurar princípios e o exercício de direitos fundamentais, quer se trate do direito à nacionalidade, e do direito à não discriminação, quer da prevenção do racismo e da xenofobia.

Uma alteração na lei que pretendemos evite ,o que verifica presentemente,.ao fazer prevalecer o chamado critério do "jus sanguinis" - de acordo com a qual a nacionalidade de uma pessoa é a dos progenitores, independentemente do país em que se nasce - sobre o critério do " jus soli", segundo o qual a nacionalidade de uma pessoa é a do país em que nasce, independentemente da nacionalidade dos seus progenitores, tem criado situações absurdas, de enorme discriminação e injustiça

Um regime jurídico totalmente desajustado que importa modificar, no sentido de evitar que se mantenham, de forma fictícia, como cidadãos portugueses titulares de direitos, pessoas totalmente desligadas de Portugal, que nem dominam a língua portuguesa, mas que, por mera tradição ou interesse, mantêm a nacionalidade portuguesa. O regime legal que, importa modificar ainda ,por outro lado, para que não prevaleça a exclusão desumana desse estatuto de cidadania, que hoje se regista, a pessoas que nasceram em Portugal, pessoas que aqui cresceram e vivem, pessoas que não conhecem outra terra que não esta e são mantidas, pela simples nacionalidade dos seus pais, na condição de estrangeiros. Dentro afinal do seu próprio país.

Um absurdo legal que em Portugal é particularmente chocante, atendendo à nossa dupla condição de país de emigrantes, mas cada vez mais de país de imigrados, e se reflecte dramaticamente no quotidiano dos cidadãos imigrantes e, em particular, os imigrantes da chamada segunda geração, pessoas já nascidas em Portugal, remetidos à condição de quase apátridas, com todas as consequências humanas, sociais e culturais daí decorrentes, cuja gravidade não pode continuar a ser subestimadas.

Razões estas bastantes que justificam, em nossa opinião, a prioridade em mudar o regime jurídico da atribuição da nacionalidade. Razões a que acresce, a nossa tradição humanista, que não deve ser desprezada, o respeito pelos direitos humanos, também a responsabilidade de prevenir fenómenos de exclusão, de marginalização e de injustiça que se manifestam e se tem vindo a avolumar na sociedade portuguesa, os quais atingem, de modo muito especial, as novas gerações de filhos de imigrantes, ao semear injustiça e deixar feridas no nosso tecido social que, a prazo, propiciam o desenvolvimento de tensão e comportamentos violentos, racistas e xenófobos.

Razões que tornam assim desejável modificações no regime jurídico da nacionalidade, tendo em conta a inaceitável situação dos cidadãos, homens e mulheres, que nasceram em Portugal e que prevalecem perante a lei como estrangeiros, tal como os seus pais, não obstante, terem crescido e vivido ao longo da sua vida no nosso país e, Portugal ser a única realidade que conhecem.

As modificações na lei da nacionalidade que se justificam, ainda, atendendo à situação porventura menos expressiva numericamente, ainda assim importante, de todos aqueles cidadãos portugueses residentes no estrangeiro que, por imposição legal ou em consequência de casamento com estrangeiro, não por livre escolha, se viram privados da nacionalidade portuguesa com a aplicação do regime definido em 1981.

Realidades todas elas que reclamam respostas novas e que com a presente alteração à lei da nacionalidade os Verdes pretendem, desta forma serena, tal como outros partidos nesta câmara dar. O projecto de lei dos Verdes, cujo objectivo é o de contribuir para uma nova abordagem da questão da nacionalidade e influenciar a evolução do actual regime jurídico, de forma a moldar uma solução estável que melhor corresponda à corporização de um direito constitucionalmente consagrado, o direito à cidadania portuguesa.

O projecto de lei que tem como destinatários todos aqueles que, por origem ou livre expressão de vontade, pretendem e estão em condições de partilhar o sentido de pertença à comunidade de cidadãos portugueses, que é o Estado democrático. Aqueles cidadãos que se têm por portugueses e aqueles, mulheres e homens, a quem o direito português entende dever reconhecer essa qualidade.

Trata-se assim, nos termos propostos de assegurar, bem mais do que a consagração do direito a adquirir a nacionalidade, de atribuir a qualidade de português, de reconhecer e de assegurar o direito de cidadania portuguesa, não mais condicionado pela herança de sangue, a pessoas cujo nascimento, ligação efectiva ao nosso país e vontade expressa, assim o justifique.

Uma proposta que irá, esta a nossa convicção, contribuir para tornar Portugal um país mais coeso, mais forte, mais identificado com as suas próprias raízes, mais enriquecido pela diversidade, ao permitir integrar e fazer participar da sua construção colectiva, de pleno direito, todos os que legalmente como nós, queiram como cidadãos portugueses animar este processo.

  • É neste quadro que se entende a presente iniciativa política dos Verdes e o Projecto de Lei que altera a Lei da Nacionalidade (Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 25/94, de 19 de Agosto), o qual propõe, no essencial, o seguinte:
  • Atribuição automática da nacionalidade portuguesa a filhos de cidadãos estrangeiros que se encontrem em Portugal, desde que não de modo ocasional, nem ao serviço de Estado estrangeiro ou em missão internacional, salvo declaração expressa em contrário.
  • Simplificação do processo de naturalização para efeitos de aquisição da nacionalidade portuguesa, tornando-o acessível a pessoas que, de modo continuado residam no nosso país, há seis ou dez anos, respectivamente, consoante se trate de cidadãos dos países de língua portuguesa ou de cidadãos procedentes de outros países, para tal servindo de prova a existência de visto de trabalho, autorização de permanência ou residência.
  • (Uma opção que se aproxima do previsto na Convenção Europeia sobre Nacionalidade, que prevê a atribuição dessa faculdade a pessoas legal e habitualmente residentes num determinado território).
  • Eliminação da capacidade de subsistência dos requisitos obrigatórios para aquisição da naturalidade portuguesa, mantendo-se, no entanto, cumulativamente, outros requisitos, designadamente os que se referem à exigência de um vínculo efectivo à comunidade e os que respeitam a idoneidade cívica e a não condenação por crimes com pena de prisão superior a três anos.;
  • Eliminação da obrigatoriedade de um período mínimo de vigência do casamento para efeitos de aquisição de naturalidade;.
  • Equiparação da união de facto ao casamento para efeitos de aquisição de nacionalidade portuguesa, fixando porém, a obrigatoriedade de um período mínimo de dois anos na vigência daquela relação familiar, de forma a prevenir eventuais fraudes;
  • Concessão da possibilidade de reaquisição da nacionalidade portuguesa, a cidadãos que a tenham perdido em determinadas condições e através de um processo desburocratizado, que o efective

Senhor Presidente,
Sras. e Srs. Deputadas,

Estas são em suma, as linhas orientadoras do nosso projecto, cuja matriz humanista respeita a nossa história, mas a interpreta e faz evoluir num sentido que assegure o respeito pelos direitos humanos, os valores da dignidade da pessoa humana e da solidariedade.


Ver tambêm:

Projecto de Lei Nº. 335/IX Projecto de Lei- Altera a Lei da Nacionalidade (Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 25/94, de 19 de Agosto)

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