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30/03/2006
sobre questões da paridade
Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia sobre questões da paridade

Assembleia da República, 30 de Março de 2006 

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que neste debate talvez fosse importante falarmos das nossas experiências concretas, por forma a podermos analisar a total dimensão da questão da paridade.

Estou no Partido Ecologista «Os Verdes», que não aplica quotas e que é um partido com uma forte participação de mulheres nas suas bases, nos seus órgãos de direcção — 45% —, o que se reflecte automaticamente na representação deste partido nos órgãos representativos dos cidadãos.

Os Srs. Deputados não se lembram de ter visto aqui, na Assembleia da República, o Grupo Parlamentar de Os Verdes constituído exclusivamente por homens, foi sempre por um homem e por uma mulher ou, e disto já se lembram de ter visto, por duas mulheres. Mas esta situação não acontece apenas na Assembleia da República, também, nos órgãos autárquicos, se vê a vasta participação de mulheres, no que diz respeito ao Partido Ecologista «Os Verdes», onde é, de facto, significativa.

Dirão os Srs. Deputados que num grupo parlamentar com esta dimensão, com dois Deputados, será muito fácil atingir esta paridade, pois eu direi que, eventualmente, não é assim, porque, se os Srs. Deputados se lembrarem de outros grupos parlamentares, mais recentes ou mais antigos, com esta dimensão, ou de dimensão aproximada, verificarão que eles eram constituídos por homens. Daí que talvez tenha a dizer aos Srs. Deputados que este partido respeita a participação de todos os seus membros, nas suas formas de funcionamento interno, nos horários das suas reuniões e no seu funcionamento e organização de actividades, e, provavelmente, por isso tem uma forte participação de mulheres a todos estes níveis.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!

A Oradora: — Mas tenho uma outra experiência, a do Partido Verde Europeu, onde representei já o Partido Ecologista «Os Verdes» por diversas vezes, o qual aplica o objectivo da paridade não a trinta e poucos porcento mas, sim, a 50%, no seu maior rigor, nos seus órgão executivos, nos delegados de cada um dos partidos, e por aí fora. Pois eu já assisti, numa reunião do Conselho do Partido Verde Europeu, onde há delegados de todos os partidos, a esta situação caricata: um partido nacional, que tinha direito a dois delegados, entendeu, pelas matérias que iriam ser tratadas, indicar duas mulheres delegadas para participar nessa discussão e essa representação foi recusada, por ser composta exclusivamente por mulheres, o que fez com que uma das mulheres fosse passear, por não poder participar na reunião, e a outra ficasse sobrecarregada com trabalho, uma vez que teve de dar conta do trabalho destinado aos dois delegados.
Portanto, devo confessar, Srs. Deputados, que a minha experiência pessoal com esta questão de imposição de quotas não tem sido das mais positivas.
Falando agora sobre os projectos de lei em concreto, eles impõem aos partidos 33,3% de mulheres nas listas eleitorais para as autarquias locais, para a Assembleia da República e para o Parlamento Europeu.
Mas, entretanto, porque o Partido Socialista deu um passo importante nesta matéria nas últimas eleições, talvez fosse bom olhar para esta Câmara. Assim, olhamos para as primeiras filas e o que é que vemos? Homens! Normalmente, no nosso dia-a-dia, vemos homens sentados na primeira fila. Se olhamos para a Mesa da Assembleia da República, o que é que vemos? Secretárias da Mesa e o Sr. Presidente da Assembleia da República.
Ou seja: de facto, nos lugares de destaque de maior participação no Parlamento não são as mulheres que lá estão, qualquer que seja a composição do grupo parlamentar, à nossa excepção, eventualmente, mas, sim, os homens.
Talvez até fosse importante pensarmos em objectivos e medidas de ingerência aqui, no Parlamento, relativamente a todos os grupos parlamentares e à própria Mesa da Assembleia da República. Talvez fosse bom reflectirmos conjuntamente se não seria extremamente importante para a valorização da nossa democracia que tivéssemos uma co-Presidência da Assembleia da República constituída por um homem e uma mulher e co-presidências dos grupos parlamentares constituídas por um homem e uma mulher.
Mas estas propostas também não trazem ingerência ao nível do Governo. Porquê?! Estas propostas não tocam nos lugares de nomeação nem nos do Governo! E o Partido Socialista sabe que a primeira medida que José Sócrates tomou como Primeiro-Ministro, que foi, justamente, a formação do Governo, deixou lugar para duas mulheres em 16 ministros e apenas alguns para as secretárias de Estado, que conhecemos, no âmbito de tantos secretários de Estado.
Portanto, se o verdadeiro objectivo do Partido Socialista e do Bloco de Esquerda, quando apresentam estes projectos de lei, fosse de facto o de realizar a maior participação efectiva das mulheres nos centros de decisão política, não se percebe como é que deixam de parte um dos maiores centros de decisão, que é, justamente, o Governo.

O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Muito bem!

A Oradora: — Mas importa, eventualmente, também associar estes projectos de lei que aqui são apresentados, designadamente pelo Partido Socialista, a outras medidas que têm vindo a ser anunciadas por este Governo respeitantes, por exemplo, à carência de uma rede pública de apoio às crianças e à terceira idade. Mas, no que toca às crianças em concreto, quantas mulheres neste país prescindem de trabalhar por considerarem que aquilo que pagam na rede privada não é compensado por aquilo que ganham?! E o que é que acontece? Remetem-se ao trabalho doméstico, para cuidar das suas crianças, e deste modo são, naturalmente, desmotivadas para a participação política.
Ainda há pouco tempo, no Dia da Mulher, todos os grupos parlamentares tiveram a oportunidade de voltar a lembrar estes números: o maior número de desempregados são as mulheres; quem tem trabalho mais precário são as mulheres; e quem tem menores salários são as mulheres. Isto é desmotivante para participação na vida política, cívica, associativa, e por aí fora.

Vozes do BE: — Muito bem!

A Oradora: — Os círculos uninominais, de que tanto temos ouvido falar como uma ameaça ao nosso sistema eleitoral, são dos maiores contributos para a não eleição das mulheres e para afastar as mulheres da vida política, porque está mais do que provado que o sistema proporcional resulta numa maior participação das mulheres, ao contrário dos sistemas maioritários e dos sistemas mistos. Infelizmente, muitas mulheres que se sentam agora aqui, na Assembleia da República, têm aplaudido estas medidas. Deixem-me que exteriorize aqui a minha tristeza relativamente a esta matéria, porque é preciso associar cada uma das medidas aos objectivos a que nos propomos. E se o objectivo que se propõe é o da maior participação das mulheres, então todas as medidas transversais que são tomadas devem olhar para sua repercussão neste objectivo.
É neste sentido que consideramos que estes projectos de lei que aqui são apresentados são muito coxos relativamente…

O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Oradora: — Vou concluir, Sr. Presidente.
Com eu estava a dizer, consideramos que estes projectos de lei que aqui são apresentados são muito coxos relativamente ao objectivo que se pretende atingir, designadamente, entre outros, por aquele que já referi, o de não englobarem o Governo.
Para terminar, Sr. Presidente, quero relembrar que Os Verdes, paulatinamente, têm contribuído muito para uma maior participação das mulheres aqui, no Parlamento. Os Srs. Deputados lembram-se que, em 1998, as Sr.as Deputadas não tinham direito à licença por maternidade. Podem pensar que era uma coisa mínima, mas não era! Na altura, tive oportunidade de questionar algumas Sr.as Deputadas sobre o que tinham feito quando estiveram grávidas e tiveram os filhos e uma grande parte delas disse-me que pediu a suspensão do mandato, eram substituídas por homens e não voltavam mais.
Portanto, na prática, tratava-se de uma disposição discriminatória relativamente às mulheres.
Quero lembrar, ainda, que o primeiro projecto de deliberação para a criação de uma creche na Assembleia da República foi da iniciativa deste grupo parlamentar.
O nosso é um grupo parlamentar pequeno, com uma forte participação de mulheres, mas que tem dado um grande contributo para uma maior e mais sólida participação das mulheres na vida política.

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