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03/12/2003
Sobre Referendo à Revisão do Tratado da União Europeia
Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia Projecto de Resolução do BE relativo ao referendo EU
Assembleia da República, 3 de Dezembro de 2003
 

 

 

 

 

 
Sr Presidente, Srs Deputados,

“Os Verdes” defendem a realização de um referendo sobre a revisão do Tratado para a União Europeia. Pensamos até que os portugueses já deviam ter sido chamados a pronunciar-se sobre anteriores revisões de tratados da União Europeia, por forma a poderem ter contribuído para a definição do caminho a seguir na Europa.

Desde logo, pensamos que o referendo é um mecanismo, não só essencial para conhecer a posição dos eleitores portugueses, mas também útil para promover um amplo debate, um amplo esclarecimento sobre aquilo que está em causa na revisão do tratado. Este debate é tanto mais necessário quanto sabemos que existe uma preocupante falta de informação sobre questões que são determinantes para o nosso futuro, como aquilo que está a ser definido pela conferência intergovernamental.

É que estão aspectos muito graves em questão no projecto de Tratado que institui uma Constituição para a Europa e os portugueses precisam de ter consciência e conhecimento disso.

O Conselho Europeu de Laeken, entre outras questões, definiu como objectivos da Convenção sobre o Futuro da Europa a simplificação dos tratados e a eventual ponderação de uma Constituição a prazo. Porém, a Convenção sobre o Futuro da Europa decidiu criar um projecto de Constituição já, sendo, pois, de considerar profundamente abusivo o resultado dos trabalhos dessa Convenção, em relação ao mandato que lhe foi atribuído pela declaração de Laeken. O que deveria estar em causa era a revisão do Tratado e não a criação de uma Constituição europeia.

Para além disso, há quem considere a Convenção sobre o Futuro da Europa como algo extremamente democrático para proceder a revisões de tratados, ou mesmo para a criação de uma constituição. Mas, Sr Presidente e Srs Deputados, caberá na cabeça de alguém que se possa promover um processo de criação de uma Constituição sem um processo constituinte? E mais, olhando para os membros da Convenção concluímos que esta teve uma sub-representação muito significativa dos cidadãos dos diferentes Estados Membro – basta atender à representação de Portugal que foi feita exclusivamente pelo PSD e pelo PS. Portanto muitos cidadãos portugueses não estiveram representado nessa Convenção.

Sr Presidente

Srs Deputados

“Os Verdes” afirmam com clareza: não queremos uma Constituição para a Europa porque não queremos um Estado europeu.

E não consideramos nada inevitável a criação de um Estado europeu, como alguns querem fazer crer.

Ser europeísta, federalista, não é nenhum atestado de modernidade. Porque o que é fundamental é perceber que tipo de Europa queremos. E nós Verdes queremos uma Europa de Estados soberanos, com tratamento igual. Consideramos que é profundamente normal e desejável que países com a afinidades culturais, históricas, geográficas criem objectivos comuns de intervenção, mecanismos, órgãos, acções de cooperação, tendo como princípio a solidariedade. Por isso, a igualdade entre Estados e o respeito pela diversidade e pela especificidade de cada um é um princípio vital.

Ora, o que se está a propor e a discutir na Conferência intergovernamental é justamente o inverso – é uma Europa de grandes Estados que levam a reboque pequenos Estados como o português. Isso é perceptível pela proposta de criação de um Presidente do Conselho Europeu, o fim das presidências rotativas, a reformulação do processo decisório que fragiliza o peso de países como Portugal, a possibilidade de adopção de línguas de trabalho onde o português seria claramente preterido – tudo isto põe em causa o princípio da igualdade entre Estados.

Mas, o projecto de revisão do tratado propõe mais, propõe a subjugação total à NATO, a criação de uma sociedade claramente belicista, a instituição de uma lógica totalmente neo-liberal.

O que é preciso, de facto, é questionarmo-nos sobre o tipo de União Europeia que queremos.

Sr Presidente

Srs Deputados

Ao defender um referendo, ao desejar profundamente que nesse referendo os portugueses indiquem a sua vontade de não caminhar neste sentido, “Os Verdes” não consideram que esteja em causa a saída de Portugal da União Europeia. Um “não” no referendo a esta União Europeia, a esta Constituição europeia, não significa a saída de qualquer Estado Membro do processo europeu. O tratado só pode entrar em vigor com a ratificação de todos os Estados Membro, pelo que um “não” só significaria que este processo de revisão não entraria em vigor, que se mantém o anterior tratado e abre-se a possibilidade de reponderação de todo este caminho. E há nos diferentes Estados Membro muitos que não querem e que rejeitam este caminho para a Europa.

Nós Verdes dizemos: referendo sim, mas não nos moldes em que o Governo o propõe (pensamos até que indicando a realização do referendo no mesmo dia das eleições para o Parlamento europeu, o que é inconstitucional, e não admitindo outra data, na verdade o que o Governo pretende é que não haja mesmo referendo), nem nos moldes em que o Bloco de Esquerda propõe.

Nós Verdes defendemos o referendo depois da conclusão dos trabalhos da Conferência intergovernamental, e antes da ratificação do Tratado pela Assembleia da República – este é que é o acto que levará ao facto consumado, e não a assinatura do tratado pelo Governo, como tem afirmado o BE. Só a ratificação pela Assembleia da República vincula o Estado português ao tratado.

O certo é que, querendo o BE realizar o referendo antes da conclusão dos trabalhos da Conferência Intergovernamental, e considerando que esse é o tempo útil para a realização do referendo, está a pedir o referendo antes de tempo, podendo por isso tirar-lhe eficácia – porque nós sabemos lá as voltas que as negociações podem dar na conferência intergovernamental! Correríamos o risco de, fazendo o referendo antes, chegar ao final das negociações com propostas tremendas que depois já não poderíamos pôr como objecto de consulta popular.

Pretendo com isto dizer que o tempo útil do BE para a realização do referendo pode tornar o referendo inútil.

Para além disso, não podemos aceitar que se façam perguntas no referendo que são claramente inconstitucionais, como a 1ª pergunta que o BE propõe, isto é, saber se os portugueses concordam que a Constituição europeia tenha supremacia sobre a Constituição portuguesa. Colocando essa pergunta, o BE está a pôr a hipótese que a dita Constituição europeia prevaleça sobre a nossa Constituição. Com efeito é isso que quer o projecto de constituição europeia, expressamente referido no artigo 10º, mas a nossa Constituição não permite isso, e colocar a questão é pôr a hipótese de que possa ser assim.

Sr Presidente

Srs Deputados

Abster-nos-emos na votação deste Projecto de Resolução do BE, porque queremos que seja feito o referendo em Portugal, mas não queremos que ele seja feito antes de tempo porque isso o tornará eficaz de forma ineficaz. Queremos um referendo para ter utilidade!

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