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21/01/2004
Sobre segurança alimentar
Declaração política da Deputada Heloísa Apolónia sobre segurança alimentar
Assembleia da República, 21 de Janeiro de 2004
 

 
 
 

 

 

Sr. Presidente, Srs. Deputados

Foi publicado este mês um Eurobarómetro que dá conta da opinião dos cidadãos dos vários Estados da União Europeia sobre diferentes tipos de fraude.

A corrupção foi sem dúvida salientada, por 55% dos inquiridos, como o tipo de fraude mais preocupante. Em segundo lugar, aparece a falta de qualidade dos alimentos e dos produtos agrícolas, com 46% de expressão, como o tipo de fraude mais preocupante, sendo que os portugueses inquiridos a destacaram em 33% dos casos.

Significa isto que a falta de segurança alimentar constitui uma verdadeira preocupação das populações e que a importância atribuída àquilo que se come é muito significativa, devendo os diferentes Governos tomar consciência da necessidade de implementação de políticas que assegurem um controlo da qualidade dos produtos alimentares acessíveis aos cidadãos nos respectivos mercados.

70% dos cidadãos dos vários Estados da União Europeia recusam OGM, mas a moratória europeia está em vias de terminar, não por força das certezas científicas sobre por exemplo a coexistência de OGM com culturas tradicionais ou biológicas, mas pela pressão da multinacional Syngenta em relação à introdução no mercado da União Europeia do milho doce geneticamente modificado, e pela pressão dos EUA na OMC.

Em Portugal, os escândalos alimentares sucedem-se – das vacas loucas, aos frangos com dioxinas, às aves com nitrofuranos, ao peixe com dioxinas, ao peixe com altos valores de mercúrio, às ovelhas com “scrapie”, ao uso exagerado de pesticidas, à acumulação de nitratos em certos vegetais.

Ficam a certeza de que são usadas muitas substâncias proibidas na produção animal e vegetal, prática que se mantém inalterada porque o lucro e a sobrevivência naquele altar que tantos veneram, que é o mercado dito livre, que de livre não tem nada porque é totalmente dominado por quem tem poder nesse mercado, impõe que se produza muito e depressa, ao menor custo possível para a produção.

É, pois, o próprio modelo de produção e de comércio injusto que causa a falta de qualidade dos alimentos. Mas, porque aqueles que veneram este modelo imposto nada farão para o alterar, importa ao menos ditar-lhes algumas regras que funcionarão como minimizadoras dos impactes do modelo de produção a que aderem sempre tão prontamente!

Essas medidas minimizadoras passam fundamentalmente pela eficiência na análise de riscos e por uma fiscalização adequada, quer sobre a produção quer sobre os produtos que são colocados no mercado.

É por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que não se compreende como é que em Portugal continuamos sem uma Agência para a Segurança Alimentar a funcionar. Quando nem uma Agência desta natureza se consegue pôr de pé, como é que se pode classificar a atitude do Governo perante um problema a que os cidadãos dão tamanha relevância?

A Agência para a Segurança Alimentar foi criada em 2000. Tinha como prazo de instalação 2 anos, com mais um prorrogável a título excepcional. Passaram os dois anos e a Agência continuou a não funcionar. No final de 2002 procedeu-se a uma alteração da própria concepção da Agência, separando a análise de risco das competências fiscalizadoras. Mas a Agência continuou sem funcionar. Passou a prorrogação por mais um ano, sem que alguém tivesse percebido a razão do título excepcional, e agora, no final de 2003, o Governo voltou a prorrogar a instalação da Agência por mais um ano!

Num país onde os escândalos alimentares se sucedem, a isto já não se pode chamar de falta de vontade política, mas de verdadeira irresponsabilidade de um Governo que se recusa a agir sobre questões que afectam a saúde dos portugueses. Provavelmente o Governo está a poupar mais algum dinheiro, porque a instalação e o funcionamento da Agência custa dinheiro, porque emprega gente para levar por diante as suas funções. Mas o Governo continua a dar prioridade aos números para entregar em Bruxelas e continua a negligenciar as necessidades das pessoas que esperam que o Governo resolva problemas, que não podem esperar por qualquer equilíbrio de contas públicas ou regularização do défice, porque são por demais urgentes.

A inércia do Estado é revoltante, quando os portugueses não conseguem acreditar nos sistemas de controlo e de fiscalização alimentar deste país.

Tem sido até curioso ver o comportamento dos sucessivos responsáveis governamentais perante algumas das crises alimentares que nos têm assolado. Perante o problema da BSE, vimos um Ministro determinado a comer mioleira de vaca. Os portugueses, esses, quando se aperceberam do problema que lhes bateu à porta desejaram boa saúde ao então Ministro e desistiram em grande escala de comer carne de vaca. Perante o problema das aves com nitrofuranos tivemos um Ministro a garantir-nos que comia carne de aves em casa. Os portugueses, esses, decidiram fazer um intervalo no consumo de carne de aves até ter mais alguma segurança em relação ao problema que lhes bateu à porta. Agora com a “scrapie” nas ovelhas, os primeiros testes deram resultado positivo em Outubro passado, mas só agora se veio a saber.

Os Governantes têm como primeira reacção esconder os problemas, e todos nos lembramos da forma tardia como a questão das aves com nitrofuranos foi conhecida pela opinião pública, a forma como o Governo se recusava a informar os portugueses da origem dessas carnes, prejudicando a generalidade dos produtores em Portugal. Depois, asseguram sempre que os produtos são de qualidade.

Ao contrário, os portugueses, assim que sabem dos problemas, aplicam automaticamente, por iniciativa e desejo próprios, no sentido de garantir a sua segurança e a sua saúde, o princípio da precaução. E são enganados quando não são informados.

Sr. Presidente

Srs. Deputados

Os peritos europeus continuarão a vir a Portugal e a detectar um conjunto de situações verdadeiramente preocupantes. Os portugueses continuarão a duvidar daquilo que põem à sua mesa e continuarão a não ter confiança sobre os produtos alimentares que compram. E não estamos a aqui a falar de produtos supérfluo, que tanto faz comer como não. Estamos a falar de produtos essenciais. Os escândalos alimentares continuarão a bater à nossa porta. Isto tudo tenderá a manter-se e a agravar-se enquanto o Governo não determinar como uma prioridade neste país a implementação de mecanismos que consigam com eficácia fazer o controlo dos alimentos produzidos e comercializados, as devidas análises de risco e uma fiscalização séria.

Informo, desde já, os Srs. Deputados, que nós, Verdes, empenhados em contribuir para a resolução dos problemas que resultam da insegurança alimentar, e porque consideramos que esta deve ser assumida como uma prioridade de intervenção da Assembleia da República, promoveremos neste trimestre uma audição pública parlamentar sobre a qualidade alimentar.

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