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Declarações Políticas
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23/01/2003
Sobre Segurança Marítima
Declaração política da Deputada Isabel Castro sobre Segurança Marítima
Assembleia da República, 23 de Janeiro de 2003
 
 

 
 
 

 

 

 

Senhor Presidente, Srs. e Sras. Deputadas,

Os oceanos continuam sob ameaça.

E volvidos dois meses sobre o afundamento do "Prestige" e o início da catástrofe ecológica, talvez seja tempo oportuno de o lembrar.

É certo que os holofotes já se desligaram, é certo que a maré negra deixou de ser mediatizada, é certo até que os ventos ainda não mudaram, o que tem permitido ao Governo suspirar de alívio, mas acima de tudo o que é certo, a única verdade, de todo incontornável, é que o problema de fundo subsiste - a insegurança marítima - e como tal, tem de ser, pelo Governo da maioria, tratado.

Uma necessidade inadiável para que nunca mais - como ontem o exigiram milhares e milhares de jovens, mulheres e crianças num dramático cordão humano que se estendeu ao longo de 42 quilómetros por toda a costa da Galiza - uma catástrofe como esta possa voltar a acontecer.

Um protesto impressionante que é um apelo à vida, mas também à responsabilização dos governos pela prevenção da poluição e pela segurança marítima, no momento em que, desde Finisterra até à Cantábria, toda a costa norte de Espanha já está irremediavelmente afectada e se está a menos de 24 horas de ver mais 6.000 toneladas de petróleo chegarem a França e, de novo, vestir de negro o seu litoral.

Uma destruição a que, por mera sorte, temos sido poupados, mas que, como bem relembrou esta manhã Isabel Âmbar, Oceanógrafa Física do Instituto de Oceanografia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (que hoje mesmo realiza um oportuno debate precisamente sobre as marés negras), em breve nos pode atingir com a mudança do regime de ventos e correntes prevista para o mês de Março, o que nos poderá vir a obrigar, sem meios, a herdar a pesada herança de uma ameaça constante que vem dos oceanos, a qual, por inqualificável desleixo ao longo de anos, nem prevenimos, nem pensámos.

Uma ameaça potencial num país costeiro que se sabe ser cruzado por mais de 2/3 de todo o comércio marítimo internacional, que está localizado no centro das principais rotas do petróleo, que é diariamente atravessado por centenas de navios, muitos deles com substâncias perigosas e produtos petrolíferos, navios estes que tangencialmente - pela perigosa proximidade dos nossos corredores de passagem - quase tocam a nossa costa e nos colocam numa situação de enorme vulnerabilidade.

Navios alguns, verdadeiras bombas flutuantes, que sem ética e com desprezo pela segurança e pelo ambiente, circulam neste tempo de globalização nos mares com bandeiras de conveniência, velhos e obsoletos, muitos ainda de casco único, embora com cargas altamente poluentes que ignoram regras de segurança marítima, inspeccionados por entidades permissivas e de duvidosa credibilidade, com tripulações mal preparadas e sujeitas a condições de trabalho desumanas, navios que recorrem sistematicamente a obscuras práticas de fretamento, que favorecem, como se está a ver com o Prestige, a desresponsabilização, numa mistura de ingredientes que se tem revelado nos seus danos fatal.

Danos ruinosos e que só até ao momento, no caso da catástrofe do Prestige, já ultrapassam em muito os mil milhões de euros, um brutal prejuízo a que se soma uma imensidão de outros não passíveis de quantificar ou recuperar e que, hoje muito directa e duramente, estão a atingir a vida de milhares e milhares de pessoas, a destruir bens patrimoniais únicos, prejuízos esses que, como é evidente, nunca as indemnizações, sempre mínimas, ainda que em dia incerto, poderão pagar.

Este é o cenário com o qual o nosso país tem de lidar, o país que discute acalorado a compra de submarinos cuja utilidade até hoje ninguém foi capaz de provar, mas que até um rebocador de alto mar tem de ir buscar à Noruega, a preços fabulosos, neste Portugal, paraíso dos poluidores sem escrúpulos, que até da ausência de um sistema de vigilância costeira se aproveitam para, com a maior das impunidades, nas nossas praias, a sujidade dos seus porões deixarem…

É pois neste quadro preciso em que o "Prestige" continua a pairar sobre as nossas costas como ameaça latente para o País, não obstante as intervenções feitas para tapar as suas fissuras que temporariamente o poderão deixar de fazer respirar petróleo, que se exige do actual Governo que, de uma vez por todas, enfrente o problema da segurança marítima e da defesa dos oceanos.

Uma prioridade política que não se compadece com mais delongas, com a aprovação de votos concretamente abstractos, com exaltações de patriotismo, nem com meros estados de alma, tão pouco passa por atitudes irresponsáveis como aquela que a maioria de direita no Parlamento, há poucas semanas, a propósito de um projecto dos Verdes demonstrou.

Antes exige acção e impõe, sem o estafado discurso do passa culpas, a adopção de medidas políticas que no caso estranhamente constituam a faltar.

Medidas que se impõem sabido que Portugal tem um dos mais extensos territórios marítimos e ZEE de toda a União Europeia, que constituem um recurso ambiental e económico que incumbe ao Estado preservar porque vitais para o País e para as comunidades ribeirinhas.

Medidas que se impõem sabido da imensa riqueza da nossa costa, na qual importantes zonas estuarinas e áreas para a protecção da natureza se concentram, no rio Minho, no Lima, no Douro, na ria de Aveiro, no Tejo, na Costa Vicentina e Sudoeste Alentejano, na ria Formosa no Algarve e que constituem um património natural, ambiental e paisagístico que é indispensável proteger.

Medidas que, como facilmente se compreende, são, ainda, do interesse estratégico do País porque indispensáveis para o nosso equilíbrio ecológico, o desenvolvimento, nas suas vertentes múltiplas, sociais, ambientais e económicas, bastando para tanto imaginar-se, o que poderia, por exemplo, significar, uma maré negra a atingir o Algarve. E a manchar de negro uma região que depende, em absoluto, para a existência de todas as suas actividade vitais, da pesca, do turismo ao comércio, da preservação das suas águas e das costas, por diversos riscos ameaçadas.

Uma preservação que não cairá do céu, e que muito provavelmente, a ter em conta momentos anteriores ainda tardará, mas que em todo o caso e nalguns domínios compete em exclusivo ao Governo, o que obriga o Executivo a passar do velho patamar das palavras à acção determinada.

A acção que, como dizia o Primeiro Ministro Durão Barroso, em 30 de Novembro, quando ainda a imagem brutal e desoladora das imagens da maré negra do Prestige diariamente inundava os ecrãs, terá de ser determinada. Acrescentando: "Portugal não ficará à espera dos outros países e avançará com novas regras de segurança, mesmo que chumbem na União", face ao perigo que acusava existir quando afirmava: " há uma lei da selva nos transportes marítimos".

Palavras a que acrescentava, então, a garantia de que Portugal " iria avançar, nomeadamente para implementar as novas regras que passariam pela possibilidade de serem inspeccionados todos os navios de transporte de produtos perigosos e o seu desvio para zonas mais afastadas da costa".

Palavras sensatas e o compromisso a que para já num dos domínios - o do afastamento dos corredores - que a maioria parlamentar não honrou, e que tardam à espera de concretização.

A responsabilidade a que os Verdes não se furtam e que nos levam a apresentar nesta Câmara:

Projecto para antecipar o calendário de instalação do VTS, previsto desde 1993 e cuja instalação, embora tardia, o actual Governo, por razões mal explicadas, suspendeu.

Projecto para definir as bases de um plano estratégico de prevenção da poluição e de segurança marítima, que implica a aquisição urgente de meios operacionais, hoje inexistentes, um rebocador alto mar e de combate à poluição e de meios operacionais treinados para intervir.

Medidas para a interdição imediata de navios de casco único nos portos portugueses desde que transportem produtos petrolíferos, aí se incluindo aqueles que as petrolíferas nacionais estão, numa inaceitável situação de risco, a utilizar no transporte de combustíveis nos portos nacionais.

Medidas para a limitação de acesso de navios constantes da lista negra, que pela sua própria definição constituem navios de elevado risco.

Medidas para criar zonas especiais de protecção marítima, limitando a passagem de substâncias perigosas.

Por último, medidas tendentes ao reforço das inspecções portuárias, nomeadamente pelo aumento do número de inspectores formados para intervir eficazmente nesta área.

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