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25/04/2004
Sobre Sessão Solene dos 30 anos do 25 de Abril
 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Srs. Presidentes do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal de Justiça, Srs. Deputados, Sr. Presidente da República Democrática de Timor, Srs. Presidentes dos Parlamentos dos Países de Língua Portuguesa, Srs. Capitães de Abril, Srs. Convidados,

Se “Sempre que um Homem sonha / O mundo pula e avança”, se “O sonho comanda a vida”, então a conclusão é óbvia: é preciso sonhar, nunca permitir que nos amarrem os sonhos e procurar sempre concretizá-los. Porque sonhar é projectar o futuro que desejamos, é impulsionar no presente a nossa acção para o alcançar, é acreditar que é possível.

Essa foi a grande lição da Revolução de 25 de Abril de 1974: perceber a importância de acreditar, de agir, de nunca cair na resignação, de nunca permitir que nos façam vítimas de ditas inevitabilidades e de perceber a importância de participar no nosso futuro colectivo. É um ensinamento que é fundamental ter sempre presente.

Homens e Mulheres sujeitos à prisão, à tortura, à clandestinidade, à censura, à guerra, à morte não desistiram de combater o regime fascista, não interiorizaram as regras que os ditadores lhes impunham, sonharam com a liberdade, liberdade que o Movimento das Forças Armadas conquistou para o povo ao fim de quase 5 décadas de ditadura.

E o povo saiu à rua, viveu e festejou a Revolução, assumindo o momento e a oportunidade de construir um país novo, onde a liberdade, a democracia, a igualdade fossem verdade neste país.

Abril é Revolução. Há quem queira fazer esquecer e esconder a força da Revolução, nomeadamente para as gerações mais novas que já nasceram ou cresceram depois do 25 de Abril. Mas é preciso que se saiba que Abril não foi uma evolução natural, foi ruptura com a opressão, foi conquista! É por isso que não é com naturalidade que se podem olhar os cartazes espalhados em Portugal onde se lê que “Abril é evolução” – é que o slogan é pensado, é pensado para deixar cair uma letra que faz a plenitude de Abril, é pensado para desincentivar o povo a uma mudança que é precisa.

Que da Revolução de Abril decorreu progresso, modernidade, não há dúvida! Conquistaram-se direitos nunca antes vividos, nomeadamente na oportunidade de educação, no acesso à saúde, na disponibilização de saneamento básico, na defesa dos trabalhadores. Conquistou-se ainda o direito à paz com o fim da inqualificável guerra colonial.

E o que mais indigna é verificar que 30 anos depois do 25 de Abril, 30 anos depois das grandes conquistas de direitos do nosso povo, temos assistido, não a uma evolução, mas a uma regressão demasiado inquietante. E mais preocupante porque ela é camuflada por uma capa democrática que tem por base a desinformação e a ilusão.

Passo a exemplificar:

30 anos depois, sob a capa da produtividade retiraram-se direitos adquiridos dos trabalhadores, aumentou-se a precarização do emprego, fragilizou-se a contratação colectiva, considerou-se que a segurança no emprego era um luxo desnecessário.

Sob a capa do desenvolvimento privatizaram-se áreas determinantes, chegando-se à intenção de privatizar um bem essencial a todos que é a água, fazendo com que esta passe a ser disponibilizada em função dos interesses das empresas detentoras da sua gestão, mercantilizando um bem vital para a vida e para o desenvolvimento.

Sob a capa da modernidade desresponsabilizou-se o Estado da escola pública e procura-se aniquilar a gestão democrática das escolas, assim como se procura fragilizar o Serviço Nacional de Saúde.

Sob a capa do progresso o betão é prioridade, as assimetrias regionais do país acentuam-se e intensificam-se áreas superlotadas, com a consequente degradação do bem estar das populações, e áreas votadas ao abandono e ao esquecimento.

Sob a capa do rigor tomaram-se medidas que tiveram consequências tão sérias como o aumento do risco de pobreza em Portugal, o aumento do desemprego, uma maior concentração de riqueza nas mãos de uma minoria e a generalização das dificuldades de vida para uma maioria.

Sob a capa do pelotão da frente, a subjugação às políticas europeias tem sido total, tenha as consequências que tiver para Portugal, mesmo que isso signifique a continuação da destruição da nossa capacidade de produzir, que signifique a nossa total dependência alimentar do exterior, que signifique a submissão aos interesses dos grandes Estados da União Europeia.

Sob a capa do investimento quer-se impor a ideia que para desenvolver é preciso poluir, quando o desenvolvimento passa justamente pelo contrário, ou seja, por assegurar uma produção mais limpa, menos agressiva para o meio ambiente, por forma a garantir mais saúde pública e mais qualidade de vida, quando afinal desenvolvimento significa necessariamente travar a curva ascendente dos índices de poluição e de degradação de recursos naturais.

Sob a capa da participação, quem tem poder vai fazendo o que quer, quem não tem vai só dizendo o que quiser.

É em tudo isto que se tem negado a essência de Abril. É nisto que se tem regredido nas conquistas de Abril.

A Constituição da República Portuguesa de 1976 foi produto e garantia dessas conquistas de Abril. De revisão em revisão tem-se perdido, na intenção de algumas forças políticas ajustarem contas com os ganhos de Abril que consideram exagerados e desadequados, porque sabem que Abril foi de todos e para todos, não foi só de alguns ou só para alguns.

Mas esta última revisão constitucional, que se finalizou na passada 6ª feira, foi uma machadada demasiado grave. Numa revisão que era só para alguns pontos e que os acordos de cavalheiros PP/PSD/PS levaram mais longe, estabeleceu-se que uma eventual Constituição Europeia tem supremacia sobre a nossa, que a Constituição franco-alemã, desenhada por Giscard d’Estaing, cujo texto final não se conhece, tem supremacia sobre o texto constitucional discutido e votado pela nossa Assembleia Constituinte, eleita pelo povo português. É mais e mais subjugação a interesses tão distantes de nós e tão pouco motivados para as necessidades do nosso povo e do nosso país, a comandos sem rosto definido para nós, longínquos, desconhecedores da nossa realidade e desconhecidos de todos nós, a centros de decisão distantes resultando daqui uma maior dificuldade de participação das populações - um direito que Abril nos deu.

Gostaria ainda de sublinhar que Abril foi também liberdade no sentido da independência dos países africanos e dos seus povos que estavam subjugados à lógica colonialista do regime fascista. E porque o espírito e a força de Abril perduram, Portugal uniu-se todo pela autodeterminação do povo de Timor e Timor venceu. É também por isso que temos uma responsabilidade muito grande de não permitir novas formas de subjugação dos povos. É por isso que temos uma particular responsabilidade de determinação na paz do médio oriente e no desejo de reconhecimento efectivo do Estado palestiniano. É por isso que o povo português também não aceita o terror sobre terror e condenou a guerra do Iraque, e aqueles que sob o argumento da necessidade de desarmar o Iraque, que afinal não tinha as armas de destruição em massa, contribuíram para um mundo ainda mais inseguro.

“Os Verdes” desejam um Portugal promotor da paz. “Os Verdes” desejam um país onde os cidadãos, independentemente dos seus recursos, possam ter igualdade de oportunidades, e desejamos uma mais justa distribuição da riqueza, desejamos a eliminação das permanentes manchas de pobreza. Desejamos a concretização do direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, desejamos um país que produza, onde haja emprego, onde as novas tecnologias se apliquem a produções mais limpas, menos agressivas para o ambiente, desejamos um país harmonioso, com um mundo rural vivo e dinamizado, com cidades sustentáveis. Desejamos uma democracia de participação e não de exclusão. “Os Verdes” querem Abril.

E aquilo que pretendi transmitir, nesta intervenção, é que é preciso que Abril se pratique no dia a dia.

E porque Abril é de todos e para todos, “Pelo sonho é que vamos”. Acreditamos que um dia Portugal será aquela terra da fraternidade, assim o povo o ordene!

Que viva o 25 de Abril!

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