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26/02/2003
Sobre situação dos aterros
Declaração Política Deputada Heloísa Apolónia Sobre situação dos aterros
Assembleia da República, 26 de Fevereiro de 2003
 

Sr. Presidente, Srs. Deputados,

Não sei se tiveram oportunidade de ler na 2ª feira uma excelente reportagem apresentada no jornal Público, da autoria do jornalista Ricardo Garcia, intitulada “Nos novos aterros sanitários voltaram a surgir os velhos problemas de poluição ambiental”.

É que era muito bom que todos os Srs. Deputados tivessem consciência do que se está a passar de norte a sul do país em matéria de resíduos, porque isto está a passar para o limite do verdadeiramente dramático.

Na altura da programação da erradicação de lixeiras pelo país e da construção de aterros sanitários ouviu-se vezes sem fim que se tratavam de equipamentos absolutamente inóquos, que não traziam qualquer tipo de problemas ao ambiente e às populações – era desta forma que se procurava iludir o país.

De facto o aterro sanitário pode ser uma estrutura segura para deposição de resíduos, mas quando bem localizado, bem construído e apetrechado em termos de eficácia de funcionamento. E essa garantia de segurança era totalmente posta de lado quando nos púnhamos a analisar vários estudos de impacte ambiental que mais não serviram do que para justificar decisões já previamente tomadas nos gabinetes em relação à localização dos aterros. Deixem-me recordar-vos o caso de Valença do Minho onde o EIA, que custou milhares de contos ao Estado, negava a existência de linhas de água no local previsto para a construção do aterro e, afinal, bastava lá ir para “tropeçar” na água, tal não era a sua superficialidade. Houve aterros que serviam vários municípios cuja localização foi seguramente achada com um régua sobre uma planta para achar o epicentro entre os vários municípios – depois realizou-se um EIA para justificar a decisão.

Lembram-se certamente, muitos dos Srs Deputados, que “Os Verdes” trouxeram tantos casos concretos à Assembleia da República, onde denunciámos péssimas localizações de aterros, em cima de lençóis freáticos, ou em declives de fácil escorrência de lixiviados para linhas de água, ou de solos com características de permeabilidade, ou de absurda proximidade com aglomerados populacionais – Abrantes, Valença do Minho, Viana do Castelo, Barlavento algarvio, Cova da Beira, Castelo Branco, só para enumerar alguns que denunciámos nesta Casa. Fomos acusados de querer bloquear processos, de fundamentalismo, até, imagine-se, de defender a permanência de lixeiras no país… afinal hoje infelizmente a realidade que se vive em Portugal em matéria de aterros deu-nos razão, e num espaço de tempo tão curto!

As populações que se manifestaram em defesa da saúde pública e do ambiente da sua região, que tanto contestaram a localização de certos aterros foram até designadas, pelo então Ministro, de uma forma insultuosa e inadmissível, de ignorantes. Foi-se ao ponto de mandar intervir forças de segurança sobre manifestantes. Afinal as populações tinham razão! Estavam a defender-se a si, à sua região e ao ambiente do seu país.

Pois é, Sr Presidente e Deputados, queria-se aterros pelo país de qualquer forma… aí estão eles - mal localizados, porque situados em zonas de fácil risco de contaminação de solos e aquíferos, a funcionar mal, sem tratamento de lixiviados ou com problemas nesse tratamento, com deficiente ou nula monitorização da poluição, contaminando águas e solos, com geomembranas degradadas, a receber resíduos impróprios e muitos já em situação de esgotamento das suas capacidades.

Gastaram-se balúrdios de dinheiro, na construção apressada destes aterros, mas não estando construídos em condições, hão-de ser necessários mais outros milhões para reparar as deficiências e males já produzidos. Podia-se ter gasto o mesmo dinheiro e ter feito as coisas em condições. Onde estava a responsabilidade tão necessária em funções de Governação?

Outra questão lamentável que “Os Verdes” também denunciaram, prende-se com o esgotamento das capacidades dos aterros. Era tão evidente! Viu-se numa solução de fim de linha, a solução única para o problema dos resíduos sólidos urbanos. Não se adoptaram medidas eficazes de prevenção de produção de resíduos, nem de modificação de sistemas de produção com utilização de mais materiais recicláveis, nem de reciclagem de resíduos.

Para tirar esta conclusão basta olhar para o Plano Estratégico de Resíduos Sólidos Urbanos, ver as metas nele estipuladas, que já ficavam àquem do desejável, e simultaneamente olhar para a evolução de resíduos sólidos urbanos em Portugal. Ora, não só não se verificou uma diminuição de resíduos de 2,5% entre o período de 1995 a 2000, objectivo estipulado no PERSU, como, pelo contrário, se verificou um aumento de mais de 25% na produção desses resíduos.

Em relação à reciclagem também os objectivos do PERSU não foram atingidos, e importa ter em conta que para um potencial de resíduos susceptíveis de reciclagem na ordem das 1.200.000 toneladas, só cerca de 90.000 eram retomados no ano de 2000, o que é manifestamente insuficiente.

Ou seja, em matéria fundamental de gestão de resíduos, como a prevenção e a reciclagem pouco ou nada foi feito e pouco ou nada se continua a fazer. Consequentemente como nos poderemos admirar que os aterros esgotem a sua capacidade, recebendo resíduos passíveis de diferentes formas de tratamento e até resíduos que nunca deveriam receber, como certos resíduos perigosos? Aterros programados com um tempo de vida para 15 anos provavelmente não conseguirão até atingir os 8 ou 9 anos de vida. Depois o que é que se faz? Mais aterros?

O que não dá para perceber, Sr Presidente e Srs Deputados, é porque é que não se implementam estratégias adequadas de tratamento de resíduos, neste caso dos sólidos urbanos? Porque é que as soluções de fim de linha são sempre consideradas “as soluções”? Porque é que, para este caso, os aterros e as incineradoras são as propostas avançadas?

E coloco esta questão porque o actual Governo avança como estratégia para resolver o problema dos aterros em Portugal, o reforço da incineração de resíduos sólidos urbanos, através do aumento da queima de resíduos nas duas incineradoras já existentes, da Valorsul e da Lipor, e da possível construção de uma outra incineradora na área da Grande Lisboa ou na região centro.

Se esta for uma componente da estratégia deste Governo, “Os Verdes” desde já afirmam que ela representará mais um mecanismo de ilusão do tratamento dos resíduos, representará uma demissão da resolução efectiva do tratamento de resíduos, a qual passa por outras formas de tratamento e de prevenção, representará inclusivamente uma subversão do PERSU que limita a incineração às duas centrais já existentes e apresenta objectivos e metas que dessa forma nunca serão alcançados.

É no decurso destas intenções do Governo PSD/PP que o Ministério do Ambiente se manifestou tão preocupado com o acórdão do Tribunal de Justiça Europeu que define a incineração não como uma operação de valorização, mas como uma operação de eliminação de resíduos, constituindo uma forte condenação à incineração e constituindo um marco para obrigar países como Portugal a apostar em formas correctas de tratamento de resíduos, como a reciclagem e valorização orgânica. Vai pois este acórdão, ao encontro das reivindicações dos ecologistas, mas a preocupação do Governo é se ele será ou não passível de recurso, para poder ver alterada a decisão tomada e apostar afinal na incineração.

O que importa pois saber, neste momento, é afinal qual vai ser a estratégia deste Governo para resolver o problema dos resíduos sólidos urbanos. E que não se diga que se depararam com uma situação muito mais grave do que esperavam, porque todas as denúncias feitas pelos Verdes na A.R. no que concerne a esta matéria, e sobretudo à situação dos aterros em Portugal, eram imediatamente subscritas, na anterior legislatura, pelo, então, Deputado José Eduardo Martins, actual Secretário de Estado do Ambiente.

Sr. Presidente
Srs Deputados

Permitam-me terminar com um registo que já trouxe a este plenário – prende-se com uma já famosa carta que o Sr Ministro das Cidades, do Ordenamento do Território e do Ambiente dirigiu a todos os Presidentes de Câmara do País para apelar ao aumento de preço referentes a serviços de saneamento prestados às populações, questão que levou já autarquias a considerar e a propor aumentos das taxas de lixo na ordem dos 500%.

O que o Governo está a fazer é a pôr os cidadãos a pagar a incompetência dos sucessivos Governos e a má gestão de tratamento de resíduos em Portugal, nomeadamente a incompetência de estratégias de redução e reciclagem de resíduos que não constituem lixo, mas que o Governo os faz cobrar como se de lixo inaproveitável se tratasse.

Por outro lado esta medida arrisca-se a constituir uma desmotivação de acção dos cidadãos na triagem do lixo, acabando por não se maçarem numa ida aos eco-pontos e acabarem mesmo por usar em exclusivo o contentor à porta de sua casa.

Sr. Presidente
Srs Deputados

De uma vez por todas é preciso ter consciência que o problema dos resíduos é para resolver, não é para esconder, não é para iludir com soluções que não solucionam nada, ou porque constituem elas próprias ameaças à saúde pública como é o caso da incineração ou os aterros mal construídos, ou porque isoladas não conseguem dar respostas como é o caso dos aterros entendidos como única solução, ou como a solução de fundo. É este o apelo que “Os Verdes” entenderam hoje deixar expresso no plenário da Assembleia da República.

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