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25/05/2005 |
Sobre Situação Orçamental |
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Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia no Debate mensal com o Primeiro-Ministro, sobre situação orçamental
Lisboa, 25 de Maio de 2005
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para fazer uma pergunta, a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, a ética, na política como na vida, é algo que devemos preservar. Por isso, é justamente sobre comportamentos que gostaria de começar por falar.
Perante o que tenho ouvido nos últimos dias e o que já tive oportunidade de ouvir neste debate, a nítida sensação que tenho é a de que, de repente, estão a oferecer-nos um «cromo» repetido para colarmos numa página diferente da «caderneta». Então, há aqui qualquer coisa que não bate certo, o número do «cromo» não bate certo com a página da «caderneta».
A página da «caderneta», Sr. Primeiro-Ministro, foi virada com as últimas eleições legislativas em que a expectativa de políticas e de soluções diferentes se encontrou com o resultado das eleições legislativas.
De qualquer modo, o «cromo» repetido de que falo conta a seguinte parte da história: temos um primeiro-ministro, sentado na bancada do Governo, a dizer-nos que a situação financeira do País é muito mais difícil do que se esperava e ultrapassa todas as previsões possíveis. Disse que o problema é estrutural mas que a culpa foi, em grande medida, do governo anterior. Depois, disse que é preciso medidas que não estavam previstas para dar resposta a esta situação, é preciso, então, sacrifícios suplementares. Mais adiante, ainda, disse que, por isso, «não vamos cumprir uma parte do nosso compromisso eleitoral».
Este «cromo», Sr. Primeiro-Ministro, é exactamente igual ao que assistimos no ano 2002, com o então primeiro-ministro Durão Barroso, que, entretanto, pediu enormes sacrifícios aos portugueses. Hoje, podemos legitimamente perguntar: para quê?
A resposta do Partido Socialista a esse conjunto de medidas tomadas pelo anterior governo foi a seguinte, num debate na Assembleia da República, em Setembro de 2002, justamente pela voz do Eng.º Sócrates: «este Governo disse aos portugueses que ia descer os impostos, no entanto, em vez de os descer, aumentou-os» — e qualificou isto como «uma fraude eleitoral».
Entretanto, no âmbito da campanha eleitoral, o Eng.º José Sócrates foi confrontado, por diversas vezes, com a possibilidade de se aumentar ou não os impostos numa próxima legislatura. Houve até um jornal que, por escrito, fez perguntas directas aos partidos sobre esta matéria, a primeira das quais era a seguinte: «O seu partido propõe aumentar os impostos?» Reposta do Partido Socialista: «Não!»
Para além disso, num debate em que o Sr. Primeiro-Ministro participou, na televisão, concluía-se — e leio uma notícia de um jornal — que «Sócrates considerou a baixa de impostos uma ameaça, mas a subida também, por criar um ainda maior arrefecimento na economia».
Face a todas estas contradições, aliás já hoje invocadas neste debate, o Sr. Primeiro-Ministro veio dizer «Fui enganado! Estava convencido de que o défice rondava 5%, mas, afinal, prevê-se 6,8% para o ano 2005». Ora, Sr. Primeiro-Ministro, foi exactamente isso, com a mesma mágoa e a mesma surpresa, que ouvimos dizer a Durão Barroso quando afirmou que nunca na vida tinha esperado que, na altura em que tomou posse, o défice estivesse acima de 4% e que, portanto, era fundamental pedir aos portugueses aquele conjunto de sacrifícios. É exactamente à mesma lógica e à mesma história que estamos a assistir. Contudo, Os Verdes, tal como naquela altura, consideram que isso não legitima o conjunto de medidas que está apontado para ser tomado.
Daqui passo a pronunciar-me sobre algumas das medidas apresentadas.
É evidente que concordamos plenamente com algumas, como a da eliminação do subsídio vitalício dos titulares de cargos políticos, a do levantamento do sigilo bancário, a que o Governo chama «limitação» — ainda há que perceber isso.
No entanto, se olharmos para o conjunto de medidas, verificaremos que, fundamentalmente, incidem sobre dois aspectos: aumento dos impostos indirectos e carga sobre a função pública. É sempre a mesma coisa: os trabalhadores da função pública como o «papão» da história do défice. Exactamente na mesma lógica do governo anterior.
O Governo propõe, pois, o aumento dos impostos indirectos, designadamente o IVA, de 19 para 21%. Todos nos recordamos que, há uns tempos atrás, é certo que com o anterior governo, havia uma promessa de que o aumento do IVA era uma medida transitória. De facto, hoje, os portugueses percebem que foi uma medida transitória, não para regressar à taxa de 17% mas dar para dar o salto para a taxa de 21%!
Sobre o aumento do IVA, dizia o Partido Socialista, pela voz do Eng.º Sócrates, na altura em que o anterior governo o propôs, que tinha sido um erro cometido por esse governo: «o aumento do IVA foi uma decisão errada que em muito veio contribuir para o actual clima de estagnação económica». Por seu lado, o Sr. Eng.º Cravinho afirmava, também em nome do Partido Socialista, que «a subida do IVA é uma medida fácil mas claramente injusta. A subida do IVA é uma medida que sobrecarrega sobretudo os portugueses de menores recursos. O IVA é um imposto muito mais pesado para os pobres do que para os ricos. O aumento do IVA fará subir os preços e reduzirá o poder de compra dos salários».
A questão, que já aqui foi colocada e a que o Sr. Primeiro-Ministro não respondeu, é a de saber como é que, de repente, o Partido Socialista tem uma lógica completamente contrária à lógica relativamente ao aumento do IVA.
Há pouco, o Sr. Primeiro-Ministro respondeu a uma outra pergunta sobre esta mesma questão mas não percebi muito bem a lógica. É que, ainda assim, o Sr. Primeiro-Ministro afirmou que tem consciência de que o aumento do IVA conduz à recessão. Então, por que é que o propõe? Não «bate a bota com a perdigota» e, nesse caso, há que ser dada uma explicação clara aos portugueses.
O Governo diz que é com estas medidas que vai exigir sacrifícios a todos. Pois, Sr. Primeiro-Ministro, quero assumir aqui, em nome de Os Verdes, que consideramos que não devem ser todos a pagar a situação em que estamos, têm de ser aqueles que ainda não se sacrificaram e que mais podem sacrificar-se. Por isso, temos pena que o Governo não tenha vindo propor um alargamento da base tributária por via de operações financeiras que, vergonhosamente, não são tributadas ou que não tenha vindo propor um imposto sobre as grandes fortunas, a fim de pôr a população mais rica a contribuir em função da respectiva riqueza e, ainda, que não tenha vindo propor o fim de benefícios fiscais para a banca, designadamente em sede de IRC, banca esta que, em tempo de crise, continua a gerar grandes lucros.
Sr. Primeiro-Ministro, é evidente que consideramos que a questão da injustiça social e fiscal neste país tem sido permanente e é um problema que tem de ser resolvido com grande coragem política e numa muito grande lógica de justiça. Por isso, na nossa perspectiva, o combate à fraude e à evasão fiscais é fundamental.
O Sr. Presidente: — Faça favor de concluir, Sr.ª Deputada.
A Oradora: — Termino, Sr. Presidente, dizendo que outros problemas estruturais que nos levam a ter as contas públicas no estado em que hoje estão prendem-se com políticas dos sucessivos governos que, infelizmente, têm sido muito iguais umas às outras. Refiro-me à degradação do nosso aparelho produtivo e a uma sempre maior dependência do exterior, com o volume das importações a crescer, com o crescimento do desemprego, o que custa muito ao Estado. Aliás, a este propósito, o Sr. Primeiro-Ministro podia ter aproveitado o debate de hoje para vir explicar como e quando vai criar os 150 000 postos de trabalho que anunciou, o que, eventualmente, seria menos um encargo para o Estado.
Há, ainda, a questão do despesismo descontrolado em coisas que não têm qualquer nexo, como a derrapagem das contas de algumas obras públicas e a contratação a empresas externas de serviços que o próprio Estado podia prestar, mas relativamente aos quais, eventualmente, está a fazer favores a alguém.
Ora, Sr. Primeiro-Ministro, esta situação é da co-responsabilidade do PS e do PSD que se têm alternado no Governo.
O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Muito bem!
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, peço-lhe que evite fazer julgamentos éticos porque estes têm a ver fundamentalmente com o nosso sistema de valores, e vou dizer-lhe qual é o meu próprio. A minha ética, em política, é pôr-me ao serviço do interesse nacional. É com base nisso que proponho estas medidas. Faço-o porque julgo, honestamente, em consciência, que são estas medidas que melhor servem o interesse nacional.
Durante este debate, já referi, sem qualquer problema, o significado recessivo do aumento de impostos. Qualquer pessoa percebe que um tal aumento não ajuda à economia. Mas a Sr.ª Deputada diz que há qualquer coisa que lhe escapa e talvez seja o seguinte: do meu ponto de vista, nada fazer ainda seria mais recessivo. É que não estamos a falar de um défice de 4,2% com que as agências de rating ainda podem conviver. Um défice de 4,2% ainda é, digamos, «apresentável», mas um défice de 6,83% não é «apresentável», é uma cifra negra na zona euro! A manutenção de um tal défice conduziria à marginalização de Portugal por todos os que detêm o poder de decisão nos mercados financeiros.
Por isso, estou absolutamente convencido de que se a resposta do Governo não fosse pronta, se não fosse uma resposta contendo medidas para produzirem resultados desde já, tal conduziria ao aumento do rating da República e consequente subida dos juros e a maiores encargos para as famílias e para as empresas, em Portugal. Do meu ponto de vista, isso, sim, poria em causa o crescimento e o emprego. Aliás, não tenho qualquer dúvida sobre a matéria e espero que a Sr.ª Deputada, ao menos, considere que esse é um cenário possível, mesmo que não esteja de acordo com ele.
Sr.ª Deputada, queria relembrar o que também propus: um novo escalão de IRS — 42% —, justamente para as pessoas que têm mais rendimentos. A Sr.ª Deputada não o assinalou. Esqueceu-se de assinalar este ponto como sendo um daqueles com que concorda, a não ser que entenda que deveríamos criar um escalão ainda mais alto. Pessoalmente, considero que uma taxa de 42% de IRS é já bem significativa para que se perceba que este é um plano de justiça que pretende resolver os problemas e distribuir os sacrifícios que são necessários fazer para que da resolução do problema resultem benefícios para todos.
Mais uma vez, Sr.ª Deputada, o essencial da nossa resposta está concentrado na redução da despesa do Estado que é injustificada e, também, no combate à fraude e à evasão fiscais.
Já me debrucei sobre todas as possíveis medidas de combate à fraude e à evasão fiscais e, sinceramente, não há imaginação para mais. Também neste domínio, ignoro se assinalou a medida que propusemos de tornar públicos os rendimentos declarados por todos os cidadãos. É que isso vai conduzir a uma nova plataforma de exigência ética da sociedade para com todos os cidadãos, já que os que têm grandes rendimentos mas sempre se apresentam ao fisco como sendo muito pobres sentirão um grande constrangimento social se continuarem a adoptar o comportamento anterior. Repito que o essencial do nosso programa visa combater a despesa que não é necessária, que é injusta, em nome do Estado social.
Gostaria que a Sr.ª Deputada reconhecesse que há muitas diferenças relativamente à estratégia anterior.
Por exemplo, a Sr.ª Deputada não referiu que este não é um plano para iludir nem para fingir, que este plano não conta com receitas extraordinárias que, na maior parte dos casos, levam o Estado a fazer maus negócios apenas porque pretende não resolver o problema mas fingir e mascarar o problema. A Sr.ª Deputada não se referiu a este ponto.
De igual modo, não se referiu ao tempo. Nós não vamos reduzir o défice este ano, vamos fazê-lo nos próximos três anos. Esta é uma diferença absolutamente assinalável relativamente à estratégia seguida no passado.
Julgo que este é o caminho, o caminho da verdade e o dos que, em consciência, entendem que é preciso fazer alguma coisa pelo nosso Estado social. É em nome desses valores que o Governo apresenta este programa.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para replicar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, dispondo de 3 minutos.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, em primeiro lugar, quero dizer-lhe que não fiz um julgamento ético sobre ninguém. Aliás, limitei-me a afirmar que a ética é algo que todos devemos preservar. Depois, referi o que, na minha perspectiva, é um conjunto de factos que aconteceram, de afirmações que foram feitas, e os portugueses que façam o seu próprio juízo de valor. Quem sou eu para fazer juízos de ética relativamente a cada uma das pessoas aqui presentes?
Sr. Primeiro-Ministro, para perceber este conjunto de medidas, que diz serem totalmente diferentes das do anterior governo porque não há a criação de qualquer tipo de ilusão, pois querem falar com verdade, então, era preciso perceber como é que, quantitativamente, cada uma das medidas se adequa aos objectivos que são propostos, designadamente em termos de redução do défice. Ora, apesar de já ter sido questionado quanto a isso, o Sr. Primeiro-Ministro ainda não respondeu.
No que se refere à criação de um novo escalão de 42% para o IRS, a medida será válida e positiva mas para quem declarar tal tipo de rendimentos. Portanto, é evidente que terá de haver todo um outro conjunto de medidas, que veremos se serão ou não tomadas em simultâneo, no que diz respeito ao combate à fraude e à evasão fiscais, que têm de ser tomadas. No entanto, o imposto sobre as grandes fortunas que referi seria algo diferente e, aí, as manifestações exteriores de riqueza teriam com certeza um peso extremamente significativo.
De igual modo, considero que outra medida fundamental seria o alargamento da base tributária com base num conjunto de operações financeiras que não são tributadas ou o fim dos benefícios ficais para a banca que tem muitos lucros e sobre a qual, de facto, não há uma incidência de IRC equiparada à das outras empresas.
Portanto, há aqui um conjunto de medidas que consideraria muito certeiras em relação àqueles a quem ainda não foram exigidos sacrifícios e que podem fazê-los, mas penso que o Governo não está a ter coragem para tomá-las. Por isso, não nos iluda aqui, Sr. Primeiro-Ministro, com o mote «nós queremos fazer, os senhores não», porque não é disso que se trata.
É evidente que, a nosso ver, há medidas que têm de ser tomadas não só na área financeira mas também noutros sectores determinantes, medidas essas que vão contra aquelas que têm sido as políticas dos sucessivos governos.
Relativamente ao IVA, afinal, concordamos todos: é um imposto cego, que vai atingir de uma forma cega a população e a generalidade dos cidadãos. Afinal, concordamos todos: é uma medida que vai provocar recessão económica.
E, afinal, perguntaremos: o que é que estamos aqui a fazer e a debater?
Por outro lado, Sr. Primeiro-Ministro, quer que lhe dê um exemplo de uma medida que pode trazer, a médio prazo, problemas gravíssimos a uma parte das nossas finanças públicas? A inércia que os sucessivos governos tiveram relativamente a medidas internas que seriam fundamentais para alcançarmos os objectivos a que nos propusemos no domínio do acordo de partilha de responsabilidades para cumprir o Protocolo de Quioto no âmbito da União Europeia.
O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr.ª Deputada.
A Oradora: — Termino de imediato, Sr. Presidente.
Fizemos quase zero, em Portugal. Isso significa que, no ano de 2008, vamos estar sujeitos ou a pesadas multas ou à compra e venda de emissões — de muitas emissões —, para podermos atingir a meta a que nos propusemos. E isto pode significar, alguns dizem-no, que Portugal vai gastar cerca de 300 milhões de euros anuais devido a esta incompetência dos sucessivos governos.
O que é que o Sr. Primeiro-Ministro tem a dizer aos portugueses, relativamente a este caso concreto, a esta inércia do PS e do PSD?
O Sr. Francisco Madeira Lopes (Os Verdes): — Muito bem!
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, já dei as explicações relativas à matéria do aumento dos impostos e julgo que foram claras. A verdade é que há uma alteração de circunstâncias. E quero que fique também absolutamente claro que, enquanto líder do Partido Socialista na oposição, sempre me opus, face à situação das finanças públicas que já se verificava nestes últimos três anos, à descida dos impostos. Sempre considerei isso absolutamente irresponsável, já que, no meu ponto de vista — e a Sr.ª Deputada deverá reconhecer que não há soluções fáceis —, as prestações sociais e o Estado social vivem de uma única coisa: impostos — impostos e contribuições, mas os impostos são decisivos. Não transformo os impostos num odioso, que se deve suportar, e não digo que há um mundo perfeito sem os impostos. Acho que os impostos são uma matéria que contribui para a promoção da igualdade social — este é o meu ponto de vista.
Quanto aos benefícios fiscais, Sr.ª Deputada, já elenquei aqui uma dúzia deles que vamos rever. Nomeadamente, no domínio do IRC e naquilo que se refere à zona franca da Madeira. Mas também disse que temos uma comissão a trabalhar por forma a que, no último trimestre deste ano, possamos apresentar a eliminação dos benefícios fiscais sem justificação económica e que não contribuem para o dinamismo da nossa economia.
Finalmente, Sr.ª Deputada, recordo o seguinte: na próxima terça-feira, o Sr. Ministro das Finanças virá à Comissão de Orçamento e Finanças apresentar as linhas gerais do Programa de Estabilidade e Crescimento, já que esse Programa será debatido neste Plenário alguns dias mais tarde. Mas estas medidas que aqui enunciei são as orientações que o Conselho de Ministros já aprovou, para que agora o Sr. Ministro das Finanças nos apresente, na próxima reunião, um Programa de Estabilidade e Crescimento, que discutirá aqui convosco na próxima terça-feira.