Senhor Presidente
Sras. e Srs. Deputados
Passada a Páscoa e após a aprovação de um código de trabalho que em última análise vá breve trégua proporcionada, rapidamente nova investida se concretiza, na adopção de medidas anti sociais.
O ensino superior foi desta vez o alvo visado pelo Governo e as medidas ontem anunciadas pelo Ministro da tutela, Pedro Lynce, pela sua natureza sugerem tempos tumultuosos e justificada contestação, protesto e luta, em especial por parte dos estudantes.
Medidas que se podem reduzir, em síntese, a duas das propostas avançadas:
O aumento generalizado das propinas;
A limitação no acesso aos estabelecimentos de ensino Superior do litoral, através da redução do "numerus clausus", particularmente em Lisboa e no Porto;
Medidas algumas das quais, não obstante, a falta de clareza do Ministro em revelar o seu pensamento aquando do lançamento do debate em torno da reforma de ensino superior, alguns dos mais cépticos admitiam poder vir a ser tomadas e que agora, de modo preocupante, se confirmam em dois domínios essenciais.
O primeiro com a decisão do aumento das propinas. Aumento este que recentemente o próprio Ministro afastava, ao afirmava não constituir, de modo algum o problema do sistema do ensino, nem tão pouco uma necessidade para o fazer funcionar.
A medida, afinal, que vai ser tomada, com a definição de um valor indicativo mensal, um limite a fixar por cada estabelecimento de ensino, atirando para cima destes o ónus de uma decisão e o assumir de uma responsabilidade, a de fixar o preço da propina, que duplicará o actual e é passível de gerar desigualdades e injustiças, não tanto em nome de uma qualidade, que agora se promete, mas implicitamente em nome de um défice público que se quer reduzir.
Medida anti social e injusta que irá penalizar muitos estudantes, em especial os das famílias com menores recursos financeiros, e se distancia cada vez mais da garantia de acesso ao ensino tendencialmente gratuito consagrada no texto constitucional.
O aumento, importa não esquecer, que representa um, mais um, inquietante factor a equacionar por muitas pessoas nas suas tomadas de decisão em relação à manutenção no sistema de ensino dos seus filhos e um motivo adicional a pesar e a reflectir-se negativamente no abandono da frequência do ensino superior.
A probabilidade cada vez mais tangível e grave, num país como o nosso no qual, não obstante os progressos verificados, o número de licenciados na população activa continua a situar-se, abaixo do número dos analfabetos existentes, e bem longe ainda da média europeia o que, particularmente no quadro do alargamento agrava as nossas dificuldades e é preocupante em termos do nosso desenvolvimento futuro.
Propinas pois que irão, importa sublinhar, penalizar não tanto os estudantes cujo aproveitamento escolar é negativo e se arrastam no sistema, sem respostas adequadas, mas todos os alunos, recorrendo a uma fórmula susceptível de gerar mais distorções, maior desigualdade e injustiça pelos diferentes encargos inerentes aos diferentes cursos, cuja escolha acabará por reproduzir novas elites, numa situação de mais do que duvidosa constitucionalidade.
Medida esta, a que se alia a intenção de limitar, através do recurso ao mecanismo de "numerus clausus" o acesso a estabelecimentos de ensino no litoral, em especial em Lisboa e no Porto de novos alunos, em nome da necessidade de equilíbrio demográfico na distribuição territorial dos estudantes pelos diverso estabelecimentos de ensino.
O equilíbrio cuja necessidade se compreende, mas não passa por esta pseudo solução, antes por outras medidas que favoreçam a fixação no interior, a atribuição de novas responsabilidades e diferente valorização dos estabelecimentos fora do litoral, por uma política de ordenamento do território inexistente.
A medida na opinião dos Verdes mistificadora que corre o risco, mais do que provável, de incentivar uma nova procura aos estabelecimentos de ensino privado ou o recurso a mecanismos de transferência ou mobilidade forçada que, naturalmente, também só os alunos de maiores recursos se podem dar ao luxo de utilizar.
Tempos difíceis há que reconhecê-lo pois, os que se avizinham, no ensino, com esta investida do governo e dos partidos da coligação de direita que o apoiam, PSD e PP.
A ofensiva anti social do governo, anunciada e de consequências críticas, a prazo, que acabou por ficar ofuscada e subalternizada no entanto, por outra questão bem mais explosiva que envolve a Universidade também, mas neste caso a Moderna.
O processo cujas revelações ontem feitas por um dos principais arguido no processo em julgamento em Monsanto, acabaram por marcar decisivamente a agenda política nacional e ter impactes que a maioria não pode continuar a ignorar.
Revelações que indiciam factos graves que, independentemente de virem ou não a ser provados, são um elemento perturbador, de erosão, mas acima de tudo um facto manifestamente inconciliável no plano ético e político, com a manutenção em funções do titular da pasta da Defesa, o Ministro de Estado, Paulo Portas.
O caso que, qualquer que seja o desfecho que vier a ter, representa pelos seus contornos um elemento directo e de constante descridibilização para o governo e para os partidos da maioria de direita que o apoiam, mas acaba de modo indirecto por ter repercussões negativas que são inaceitáveis para todos os que se movem no espaço político.
O processo de degradação política que desde há muito os partidos da direita PSD e PP, mas acima de tudo o 1º Ministro Durão Barroso, tinham a responsabilidade e o dever de fazer travar, impondo ao visado já que o mesmo o não pretende fazer a retirada, a saída, a demissão do governo que, em todo o caso, a prazo se afigura incontornável.
A exigência que é imperioso não continuar a adiar seja pela apetência de poder, do Ministro de Estado e de Defesa Nacional ou quaisquer outras razões, perante o avolumar de factos, de testemunhos, que adensam perante os cidadãos portugueses, como é compreensível as suas legitimas dúvidas, as crescentes reservas e suas enormes interrogações em relação ao visado claramente, mas também em relação às instituições, aos partidos políticos, ao próprio sistema político, de um modo geral.
Dúvidas generalizadas e crescentes da opinião pública, dos cidadãos, que radicam em múltiplas e fundadas razões, aliás bem identificadas, na constante divulgação pública de factos, de comportamentos, de atitudes, de recurso a esquemas processuais, que denotam não raro, uma opacidade, uma falta de rigor, uma ausência de distância e uma promiscuidade que, qualquer que seja a sua veracidade, devem como exigência de todos, desde logo os visados ser, em nome da verdade, até ao limite investigados ou publicamente clarificados.
A exigência em nome da ética na política e da devolução do prestigio que tanto falta aos que se envolvem na participação política ou no exercício público, que impõe, o afastamento ainda que temporário, do exercício de cargos públicos daqueles que são objecto.
A exigência que não se substituindo à justiça, nem constituindo julgamento prévio fizemos há escassas semanas, precisamente desta tribuna, a propósito do caso que envolve o ex Ministro Isaltino Morais.
A exigência a mesma que mantemos em relação a Paulo Portas, reclamando o seu imediato abandono do governo. A exigência que se impõe no novo escândalo que vem, uma vez mais, afectar negativamente e de modo plenamente justificado o Parlamento.
O descrédito desta feita em resultado da ausência do elementar bom senso, que deveria ter ditado aos partidos da direita parlamentar, sempre tão puritanos e zeladores dos valores, mas se deveria dizer seguidores do frei Tomás, a opção de impor pela força do seu voto, mas pela fraqueza da sua razão, a dispensa de comparência em tribunal de um deputado desta Câmara, envolvido num processo criminal anterior à sua entrada em funções, entrincheirando-se num imoral estatuto de imunidade parlamentar.
Uma atitude inconcebível, escandalosa, imoral que não só viola claramente a Constituição da República, mas traduz o uso e o abuso de um estatuto de imunidade concebido e eventualmente justificado por razões que não certamente desta natureza.
O caso, mais um que é decerto, um atentado à abalada imagem do Parlamento, o sinal político de uma maioria cuja percepção os cidadãos não deixarão de registar, aprofundando o fosso e a crise instaladas.
O sinal decerto bem mais forte estou convicta do que qualquer reforma do sistema político, por bem intencionada que eventualmente possa ser, que nada consegue apagar e que impõe, de modo urgente, a adopção de uma prática radicalmente nova, uma cultura de responsabilidade, uma ética de no comportamento que requer transparência, de que alguns, na maioria parecem cada vez mais perigosamente afastados.
Uma prática diferenciada que obriga a definir o ordenamento dos diferentes territórios, o económico, o social e o político, e a tomar como código de conduta comportamentos capazes de romper com a promiscuidade, a opacidade e as perigosas relações de vizinhança reinantes.
Uma situação de todo inaceitável em relação a uma direita política puritana, pretensamente defensora dos valores morais, da transparência e modelo de virtudes, que delas pretendeu fazer o seu cavalo de batalha, mas que gradualmente tem, em muito pouco tempo, protagonizado situações escandalosas.
Situações pouco transparentes, de indeterminada legalidade, de recurso a estatutos de impunidade e de manutenção de privilégios, falhas de sentido ético, de preocupante decadentismo como é visível na realidade instalada à nossa volta.
A mesma degradação e decadência que com bom senso e desvergonha permite que um dirigente partidário no activo se candidate ao Conselho Superior de Magistratura, numa atitude de afrontamento à independência deste órgão de governo da magistratura judicial.
Uma provocação e um desvario que necessariamente não careceria de incompatibilidade expressa na lei para ser prevista e evitada, tão só o sentido da realidade, a noção do conflito de interesses, a dimensão ética e a moral política que para alguns no exercício da sua actividade, concretamente a política, de modo tão absoluto parece faltar.
Em suma,
Senhor Presidente,
Sras. e Srs. Deputados
Razões para que o parlamento não mantenha o seu mutismo, abandone a sua condição subalterna de acrítica caixa de ressonância do governo da maioria e assuma o papel que, constitucionalmente lhe cabe.
Impondo reflexão, reclamando para si próprio e para o governo a adopção de medidas de saudável despoluição política cuja necessidade é um imperativo para a sobrevivência da democracia nos seus alicerces e nos seus valores tão ameaçada.