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14/03/2003
Sobre trabalhos da Convenção sobre o Futuro da Europa
Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia sobre trabalhos da Convenção sobre o Futuro da Europa
Assembleia da República, 14 de Março de 2003
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Sr Presidente, Srs Deputados,

Já se referiu neste debate que o que está em causa no âmbito da Convenção sobre o Futuro da Europa é o destino da União Europeia. Mas permito-me colocar a questão noutra perspectiva: o que está em causa é o destino de Portugal e de todos os outros Estados- Membro e Estados-Candidatos.

Justamente por isso, penso que a primeira questão a colocar é a seguinte: quantos portugueses terão consciência disso e terão conhecimento daquilo que está a acontecer na Convenção e que se prevê concluir em Junho deste ano? Muito poucos certamente!

Não restam dúvidas que na sua definição e no seu funcionamento esta União Europeia constitui algo muito afastado dos cidadãos. Nem o tão propagandeado debate público em torno dos trabalhos da Convenção tem sido uma realidade.

Mas, é fundamental que os portugueses tenham noção daquilo que se está a propor:

Federalismo – retirando soberania e capacidade de decisão aos Estados-Membro. É evidente que uns querem esse objectivo expresso, outros querem-no presente de uma forma mais implícita, porém é esse o fim que se procura atingir.

Elaboração de uma Constituição Europeia – para prevalecer sobre as Constituições nacionais de cada Estado-Membro. Em relação à Constituição da República Portuguesa, a Constituição Europeia promete ser um documento muito mais reduzido na atribuição de direitos às pessoas, chegando ao cúmulo de na sua primeira redacção de artigos apresentada nem sequer tomar a igualdade como princípio fundamental.

É este o caminho que se está a seguir. E quando há uns anos atrás alguns, nesta Casa e fora dela, afirmavam “a pés juntos” que com este modelo de construção europeia a soberania dos Estados-Membro nunca estaria posta em causa, hoje podem pedir desculpa pelo tremendo equívoco que instalaram no país e podem desmentir totalmente as suas palavras.

Não restam dúvidas sobre o que está em causa quando se pretende que a União coordene e defina as orientações das políticas económicas de cada Estado-Membro; ou quando se obriga os Estados- Membro a promover a privatização de serviços públicos, como é o caso do sector da água, não querendo sequer saber se essa constitui uma boa forma de servir os cidadãos e sem permitir que os diferentes países definam e decidam sobre a melhor forma de servir as suas populações, garantindo-lhes serviços essenciais (é claro que para o Governo português esta é uma grande “mãozinha” nas suas políticas de privatizações).

Não é por acaso, também, que se discute o papel dos parlamentos nacionais, neste quadro de redefinição do modelo institucional dos órgãos da União. A intenção é que boa parte do poder legislativo seja retirado aos parlamentos nacionais. Que papel ficará então reservado ao órgão de soberania nacional directamente eleito pelos cidadãos e representativo dos mesmos na sua pluralidade? Isso não está nada claro, mas a lógica será de restringir bastante os seus poderes.

Sr Presidente
Srs Deputados

Coloca-se em todo este processo um sério problema de legitimidade. Há uma Convenção a discutir e a elaborar uma proposta de Constituição europeia, onde participam cerca de 200 pessoas, com critérios de representação dos diferentes países muito duvidosos.

Por outro lado, a Convenção sobre o Futuro da Europa tem demonstrado bem os interesses diversos dos pequenos e dos grandes países da União. A Europa nunca conseguiu, nem nunca conseguirá, neste modelo de construção, ser uma Europa dos iguais. Foi e será sempre uma Europa dos grandes sobrepostos aos pequenos países. Isso fica patente também, pela proposta franco-alemã, relativa à existência de um Presidente do Conselho e até de o Presidente da Comissão passar a ser eleito pelo Parlamento Europeu, onde o peso dos diferentes países é muito diverso.

Em Dezembro de 2001, em LaeKen, assumiu-se o compromisso de uma Europa mais democrática. Mas pode-se falar de mais democracia com a definição de órgãos de decisão política cada vez mais afastados dos cidadãos? Pode-se falar de mais democracia com a definição de uma Constituição sobreposta à Constituição Nacional de cada país e elaborada de um modo totalmente arredado dos cidadãos?

Uma Europa mais democrática, não passa por uma Europa de submissão política dos pequenos países em relação aos grandes. Mais democracia implica a concretização do princípio da solidariedade. Esta não é uma Europa de solidariedade, não é por aí que se está a caminhar!

Sr Presidente
Srs Deputados

Só uma última palavra para referir que esta Convenção ocorre em simultâneo à eminência de uma guerra – uma guerra onde alguns países da união Europeia (como Portugal) demonstraram o seu total apoio aos EUA e à declaração de guerra, à revelia de quaisquer mecanismos internacionais, demonstrando uma submissão confrangedora em relação aos EUA. Incrível…uma Convenção que define o destino da Europa, não perdeu um momento que fosse a discutir o destino do mundo!!

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