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21/04/2005
sobre transgénicos
Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia sobre transgénicos
Assembleia da República, 21 de Abril de 2005

 

 

 

 
 
 
 
 
 
Sr. Presidente, Srs. Deputados,

O Governo previu discutir e aprovar hoje, em Conselho de Ministros, um projecto de Decreto-Lei que visa estabelecer regras para a coexistência de culturas transgénicas com as culturas convencionais e biológicas.

Como é sabido a Comissão Europeia levantou, em Maio de 2004, a moratória relativa aos OGM, sem, contudo, regulamentar esta matéria da coexistência, remetendo essa regulamentação para cada um dos Estados-Membro.

Na perspectiva de “Os Verdes”, esta atitude da Comissão Europeia demonstrou uma clara cedência às multinacionais do sector agro-alimentar e também às pressões dos Estados Unidos da América, designadamente no âmbito da Organização Mundial de Comércio. E demonstrou mais, demonstrou que a Comissão Europeia sabe que não há possibilidade de criação de regras adequadas e seguras que permitam garantir os enormes riscos de contaminação entre culturas – a opção, foi, pois deixar ao critério de cada país a definição das suas próprias regras.

Neste momento a nossa preocupação decorre do facto de o Conselho de Ministros se preparar para aprovar o diploma da coexistência sem que em Portugal seja conhecido qualquer estudo que fundamente as propostas contidas nesse diploma e sem que se tenha conhecido no nosso país um amplo debate público com todos os interessados, designadamente agricultores, consumidores e ambientalistas. Estamos, mais uma vez, perante um diploma feito em gabinete e que não é suportado por qualquer estudo que sustente as opções nele contidas e que afira das suas consequências para a agricultura portuguesa.

Por exemplo, como é que o Governo pode acenar com a bandeira da segurança no que respeita às distâncias mínimas entre culturas, de 200 metros, quando, logo a seguir vem criar a opção dessa distância mínima poder ser substituída por 24 linhas de milho convencional para criar uma barreira entre campos agrícolas? Ora sabendo que cada linha tem uma dimensão de 50 a 75 cm, é fácil fazer as contas – os 200 metros rapidamente se transformariam em cerca de 20 metros. Mas no que se sustenta o Governo para considerar que mesmo os 200 metros seriam seguros para evitar contaminações de poléns que se transportam com vento ou através de insectos em campo livre?

E assumirá o Governo que qualquer prejuízo para um agricultor convencional, decorrente da contaminação das suas culturas por campos transgénicos, será integralmente coberto pelo agricultor produtor de OGM? E quais são as seguradoras que estão disponíveis para cobrir esses riscos?

Sr. Presidente
Srs. Deputados

O que “Os Verdes” consideram que é fundamental neste momento em Portugal, e face à evolução dos acontecimentos, é que o Governo suspenda de imediato a possibilidade de culturas transgénicas no nosso país. Esta é a única forma de termos tempo para perceber exactamente onde nos estamos a meter, porque uma coisa é certa – os passos que forem dados poderão ser incontroláveis quando os transgénicos proliferarem pelos nossos campos agrícolas.

Esta moratória que se impõe neste momento é perfeitamente possível, face à própria legislação europeia, na medida até em que o pressuposto fundamental, encontrado pela Comissão Europeia, não está garantido, i.e., a viabilidade económica das culturas OGM.

Informo, assim, desde já esta Câmara, que “Os Verdes” entregam hoje na Assembleia da República um Projecto de Lei que visa, justamente, instituir essa moratória. “Os Verdes” consideram que têm a responsabilidade de alertar todos os Srs. Deputados para esta questão e a responsabilidade de propor aquilo que se propõe instituir, antes que seja tarde de mais, ou seja a suspensão de culturas transgénicas.

Impõe-se a aplicação do princípio da precaução, com o qual todos enchem a boca, mas que importa levar à prática. Impõe-se conhecer concretamente a nossa estrutura fundiária e a sua compatibilização com as regras de coexistência, impõe-se a realização de estudos sobre os impactes económicos da libertação de OGM no ambiente (por exemplo perceber que custos acrescidos terá um agricultor convencional ou biológico para se defender e precaver contaminações de culturas OGM?), impõe-se cruzar estudos e fomentar um específico sobre o caso português sobre os impactes ambientais e para a saúde dos OGM (será bom lembrar que um estudo britânico recente concluiu que os OGM têm impactos reais na redução da biodiversidade, ao nível da fauna e da flora); impõe-se compreender competências e meios humanos, técnicos e financeiros de fiscalização e monitorização nesta matéria.

Esta questão da monitorização, ligada às precárias regras de rastreabilidade definidas no âmbito da União Europeia, que deixam poucas garantias sobre os produtos livres de OGM, é uma questão de extrema importância.

Vejam bem Srs Deputados – a Syngenta, uma multinacional do sector agro-alimentar, com sede na Suiça, vendeu durante cerca de 4 anos milho BT10 aos EUA. O milho BT10 não está autorizado para consumo humano em nenhuma parte do mundo – é ilegal. Foi então plantado nos EUA e vendido, em parte, à EU, como se de milho BT11 se tratasse. Passados esses 4 anos, um produtor de semente deu conta do erro e comunicou à Syngenta, o que nos dá perfeitamente a noção que as próprias empresas do sector não conseguem controlar o que vendem e que os Estados também não têm mecanismos de controlo eficazes para detectar os diferentes tipos de transgénicos. Aliás, um qualquer Estado, só consegue aferir do tipo de transgénicos, desde que detenha o seu código de alteração genética, e esse só está disponibilizado, a partir do momento em que é autorizado, o que põe em causa todo o mecanismo de fiscalização e monitorização e a insegurança que está estabelecida neste negócio. Por exemplo em relação ao milho BT10 não há qualquer avaliação sobre os seus efeitos para o ambiente e a saúde humana.

Sr. Presidente
Srs. Deputados

A questão dos OGM tem sido posta ao contrário. O argumento é sempre o de que não se conhecem provas que confirmem que os transgénicos tenham efeitos negativos. Mas a questão é saber se há provas que confirmem que os transgénicos não têm efeitos negativos. E não as há. E a controvérsia científica é de tal ordem que se impõe a aplicação do princípio da precaução.

É esse o dever do Estado português, designadamente, para com os agricultores e consumidores portugueses.

“Os Verdes” apresentaram uma proposta para que o Sr. Ministro da Agricultura se possa rapidamente deslocar à Comissão de Assuntos Económicos para nos esclarecer sobre as suas intenções e apresentam hoje, como referi, um Projecto de lei que institui uma moratória em Portugal para garantir segurança e precaução numa questão que, relembro, será muito difícil controlar, nos passos que forem dados, a partir do momento em que se fizerem culturas transgénicas com fins comerciais.

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