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14/06/2006
sobre tratamento de resíduos industriais perigosos
Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia Apresentação do PJL nº228/X e PJR nº 133/X ambos sobre tratamento de resíduos industriais perigosos
Agendamento potestativo dos Verdes
Lisboa, 14 de Junho de 2006
 
 
 
 
  
 

Sr. Presidente, Srs. Deputados,

“Os Verdes” ao longo dos anos têm sido uma voz insistente na denúncia dos perigos associados à falta de estruturas para o tratamento de resíduos perigosos e na exigência de se dotar o país de mecanismos apropriados ao tratamento desses resíduos. O passivo ambiental que se acumulou, os efeitos decorrentes da sua deposição inadequada foram sempre alvo de alerta por parte deste Grupo Parlamentar e da denúncia da incúria de Governos sucessivos que não atribuíam qualquer importância à questão.

Eis senão quando o Governo liderado pelo Professor Cavaco Silva se propôs enquadrar o ambiente em inovadoras oportunidades de negócio, e avançou com a intenção de construir uma incineradora dedicada no país. “Os Verdes” deitaram as mãos à cabeça – a solução não tinha que passar pela introdução de uma estrutura que poria em causa todas as outras formas adequadas de tratamento de resíduos e por um novo foco de ameaça ao ambiente e à saúde pública.

Fomos acusados de preferir que os resíduos andassem por aí a céu aberto, porque a solução possível, com todas as garantias de especialistas, cientistas e técnicos, era para o PSD aquela e só aquela.

O PS, que depois de eleições legislativas formou Governo, liderado pelo Engenheiro António Guterres, reduzindo a questão à opção entre incineração dedicada e co-incineração apontou ao país a segunda solução. Ou seja, a queima de resíduos continuava a ser a solução do PS, não numa estrutura dedicada, mas em unidades industriais já existentes – para estes o lobbie das cimenteiras era a voz mais avisada – as cimenteiras dedicar-se-iam à queima de resíduos, receberiam um montante por cada tonelada de resíduos e deixavam de ter de comprar combustível porque o tinham assim assegurado. O negócio prometia, e como que por solução mágica os resíduos desapareciam, as dioxinas e furanos eram assegurados como algo inócuo, outras formas de tratamento não eram desvendadas o que deixava larga garantia para o sucesso do negócio e a ilusão da solução perfeita era passada assim.

A contestação pública ao processo, que envolveu o então Ministro do Ambiente, Engenheiro José Sócrates, todos a conhecemos. O envolvimento do Parlamento, designadamente dos Verdes, na altura, todos o conhecemos. Entretanto, o Governo PS caiu.

O Governo PSD/PP, assumiu que não haveria lugar a queima de resíduos industriais perigosos, decisão aplaudida pelos Verdes e por todos os movimentos ambientalistas, e que a estratégia passaria pela implementação dos CIRVER – ia ao encontro do que “Os Verdes” sempre tinham defendido. Estávamos em bom caminho nesta matéria, embora depressa se revelasse que a prioridade atribuída pelo Governo PSD/PP aos CIRVER não era grande e o Governo caiu sem que o processo de instalação dos CIRVER tivesse dado os passos necessários.

E esse atraso veio ajudar este Governo do PS, entretanto formado, a reassumir a co-incineração, de uma forma obsessiva e em jeito de ajuste de contas com o passado, como a base de tratamento para os resíduos industriais perigosos, colocando os CIRVER numa posição claramente secundária e minimalista em relação ao papel estruturante que deveriam ter. Esta opção do Governo tem sido alvo de contestação a diferentes níveis.

Feito este breve percurso histórico, importante para demonstrar como a gestão deste sector ambiental tem estado associada a interesses económicos preterindo a adopção de soluções ambientalmente mais viáveis e sustentáveis, debrucemo-nos sobre o que temos hoje em cima da mesa.

A primeira questão que pomos à consideração é que o Governo e a maioria PS têm procurado arredar o Parlamento da discussão e intervenção em matéria de tratamento de resíduos industriais perigosos, o que é inaceitável.

Isso já foi visível em diversos momentos: o Sr. Primeiro Ministro recusou-se a responder às questões colocadas pelos Verdes, em vários debates mensais, designadamente quanto à localização das cimenteiras a co-incinerar resíduos perigosos; o anúncio formal pelo Sr. Ministro do Ambiente, em Março deste ano, de que a co-incineração iria avançar brevemente em Souselas e na Arrábida, foi feito à margem do Parlamento e no debate de urgência, aqui promovido em Abril por iniciativa dos Verdes, na sequência daquele anúncio, o Sr Ministro do Ambiente foi chamado a prestar esclarecimentos aos Deputados e o que começou por afirmar foi que o “debate tem muito pouco sentido”. Ou seja para o Sr Ministro o debate com os deputados sobre uma matéria de relevante interesse nacional não fazia sentido e até constituía mais uma “manobra dilatória”.

A última demonstração da recusa de envolvimento do Parlamento pelo PS deu-se em conferência de líderes, onde durante várias semanas “Os Verdes” procuraram agendar por consenso estes projectos, hoje em discussão, referindo sempre que era necessário que fossem discutidos antes de o Governo avançar com os testes de co-incineração, e o PS depois de adiar e adiar esse agendamento, acabou por afirmar que não aceitaria colocar estes projectos a discussão porque sobre a co-incineração estava tudo dito e já não havia mais nada a tratar.

Ocorre que “Os Verdes” discordam absolutamente deste entendimento, e porque consideramos que sobre a co-incineração há mais a decidir e em tempo útil, isto é, antes de se iniciarem os testes da co-incineração (que pelos visto se prometem iniciar em Setembro), entendemos utilizar o nosso agendamento potestativo hoje com esta matéria, conscientes que a Assembleia da República pode ter condições para proceder à aprovação dos nossos projectos.

E o que é que “Os Verdes” propõem? Propomos que a componente avaliação dos riscos e impactos sobre a saúde pública decorrentes dos processos de queima de resíduos industriais perigosos, considerando o estado actual dos conhecimentos científicos e as experiências epidemiológicas realizadas noutros países, sejam aferidas por um Grupo de Avaliação Médica. Com efeito, os riscos para a saúde pública foi uma componente ignorada na actualização de estudos que este Governo encomendou aos ex-membros da Comissão Científica, que há seis anos atrás tinha concluído, sem qualquer rigor científico, que o facto de não haver informação dos efeitos sobre a saúde das populações é sinal que não deve haver problemas de maior, mas mais adiante nesse relatório, depois de recomendar a co-incineração como lhe tinha sido pedido, afirmava que “no entanto, dever-se-á acautelar a eventualidade de riscos acrescidos a nível das localidades nas quais o processo de tratamento de resíduos em co-incineração possa vir a ocorrer (…) para prevenir, garantir a detecção precoce de complicações”. Como ignorar então a importância de um conhecimento sério e rigoroso sobre uma matéria de relevantíssimo interesse para as populações? Esse conhecimento está por revelar e é fundamental que se faça.

E ele torna-se mais fundamental quando numa das localidades apontadas para se proceder à co-incineração, em Souselas, um estudo epidemiológico dá conta de uma incidência superior à média nacional de certas patologias. Que causas estarão na origem desta realidade? Urge conhecê-las e intervir sobre elas. Mas o Sr. Ministro do que tem a certeza, como afirmou aqui no debate de urgência, é que a causa não é a co-incineração porque ela ainda não se concretizou. Pois é, mas acrescentar um outro foco de risco como é a queima de resíduos industriais perigosos será a solução adequada para aquela população?

Para além disso, será importante lembrar que Portugal ratificou a Convenção de Estocolmo, em 2004, que aponta a queima de resíduos industriais perigosos em fornos de cimenteiras como uma das origens de poluentes orgânicos persistentes, recomendando justamente a sua eliminação progressiva para efeitos de preservação do ambiente e da saúde pública.

Propomos também que se proceda a um período de consulta pública, com base em todos os elementos adquiridos até à sua concretização, por forma a que se realize aquilo que este processo nunca conheceu – um verdadeiro tempo de esclarecimento, de informação e de auscultação aos interessados, porque o PS não pode entender os mecanismos de participação das populações como processos onde se perde tempo, mas sim como processos onde se ganha com um verdadeiro envolvimento dos cidadãos nos processos de decisão. E é esse peso que entendemos que tem que estar presente em qualquer definição do Governo nesta matéria.

E não se pode pura e simplesmente querer transportar qualquer discussão, havida há quase uma década, para o presente, até sob pretexto que a co-incineração constava do programa do Governo, porque hoje temos uma realidade diferente, porque temos um dado novo que se prende com a resposta que os CIRVER podem vir a dar ao tratamento de resíduos perigosos e, por exemplo, em Setúbal a população estava convicta que não voltaria a ser vítima do processo de co-incineração, porque era isso que dizia o Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida que esteve em discussão pública, o PS nunca disse que ia eliminar a disposição que interditava a co-incineração e que assim que chegou ao Governo eliminou-a, num processo unilateral e profundamente desonesto para com as populações, em geral, e com todos aqueles que tinham participado na discussão pública desse Plano de Ordenamento, em particular. Para além disso, a população de Setúbal acreditou na boa fé de declarações públicas de responsáveis da SECIL que afirmaram que não estavam mais interessados na queima de resíduos industriais perigosos.

Propomos, entretanto, que todo o processo conducente à implementação da co-incineração seja suspenso. Esse é um ponto fundamental para que estes pressupostos sejam garantidos com seriedade. Para além disso, os prazos que estabelecemos para o decurso deste processo será o prazo necessário para pôr em funcionamento os CIRVER, garantindo que a co-incineração não avança antes destes estarem a dar resposta ao tratamento de resíduos perigosos. De resto, é isso mesmo que propomos no Projecto de Resolução que simultaneamente apresentamos – prioridade absoluta aos CIRVER, até à fase em que seja verdadeiramente possível aferir da sua real capacidade de tratamento e assegurando evidentemente que as acessibilidades necessárias para os CIRVER estão garantidas, designadamente o IC3 (ligação Almeirim – Chamusca) e a nova travessia do Tejo em Constância.

O objectivo é tomar os CIRVER como o pilar central do tratamento de resíduos perigosos, necessariamente associado a uma estratégia de redução de resíduos, cuja avaliação é urgente, que é outra das propostas que fazemos no nosso projecto de resolução.

Não podemos aceitar que o Governo minimize estes centros de tratamento, como fez o Sr. Ministro do Ambiente aqui na Assembleia da República: com expressões como “os CIRVER são uma grande fraude política” ou “os CIRVER são, portanto, uma falsa solução”.

“Os Verdes” propõem também que a suspensão da co-incineração seja mantida até que esteja garantido o processo de recolha, encaminhamento e tratamento por regeneração dos óleos e solventes. É que estes são bons exemplos de resíduos passíveis de outras formas de tratamento que o Governo quer enviar para co-incineração, como o Sr. Ministro aqui afirmou quando referiu “quando houver solução para a regeneração de óleos, eles serão regenerados e apenas serão queimados enquanto essa solução não existir” – relacione-se entretanto isto com o que vem expresso no relatório de 2006: que a regeneração de óleos usados tem pouca viabilidade económica. Prova provada que o Governo fará da co-incineração a sua prioridade, até porque os óleos usados são alguns dos resíduos mais apetecíveis em termos energéticos para as cimenteiras. A co-incineração não funciona para este Governo como uma solução de último recurso, mas sim como primeiro recurso, o centro com uma órbita onde depois se encontrarão outros sistemas associados que mais não serão do que aquilo que o Ministro apontou como objectivo para os CIRVER: “vamos tirar partido dos CIRVER como base logística também para a preparação, triagem e selecção da co-incineração”. E o que o Governo nunca explicou é porque é que há seis anos não se propunha queimar mais do que 12% dos resíduos industriais perigosos e hoje se admite queimar até 20%. Mas o relatório anunciado em Março admite ir até aos 30% - queimar 80.000 T/ano de resíduos industriais perigosos, número que o Governo suaviza para as 40.000 T . E mais, a ideia que está inclusivamente contida no relatório de 2006 é a generalização da co-incineração no futuro a outras unidades industriais para além das cimenteiras.– afinal onde pára a verdade? Afinal quantos resíduos poderiam ser tratados nos CIRVER e noutras empresas do sector e vão ser encaminhados para a co-incineração?

Sr. Presidente
Srs. Deputados

Detectadas tantas lacunas no processo de decisão sobre a co-incineração e tantas afirmações de pouca seriedade e credibilidade no processo, percebendo que o Governo está a subverter a lógica de tratamento de resíduos industriais perigosos, quando tínhamos todas as condições para avançar e apostar fortemente em formas sustentáveis de tratamento, consideramos que a Assembleia da República tem o dever de intervir no processo e dar o seu contributo para um sistema credível de tratamento de resíduos industriais perigosos.

Esperamos contar com o apoio de todas as bancadas parlamentares da oposição para aprovação das propostas dos Verdes, sendo que da nossa parte todos os projectos dos outros grupos parlamentares, que vão hoje ser debatidos neste agendamento potestativo dos Verdes, contarão com o nosso voto favorável.

Mas permitam-nos, Srs. Deputados, referir que temos a expectativa de contar também com a coerência das posições assumidas por alguns Srs Deputados do PS que se pronunciaram no passado e em momentos mais recentes contra a solução da co-incineração de resíduos industriais perigosos.

O Sr. Deputado António Vitorino e a Sra. Deputada Marisa Costa votaram em Dezembro de 2005 na Assembleia Municipal de Setúbal, já depois do Sr 1º Ministro ter afirmado que a co-incineração avançaria brevemente em Setúbal e Souselas, uma moção contra a co-incineração de resíduos industriais perigosos na Arrábida. Foi de resto uma moção aprovada por unanimidade. E será também curioso referir que na Assembleia Municipal de Coimbra os eleitos municipais do PS viabilizaram, uns optando por sair da sala outros abstendo-se na votação, em Abril deste ano uma moção contra a co-incineração.

O Sr Deputado Alberto Antunes prometeu fazer ouvir a sua voz no Parlamento pela deslocalização da SECIL na Arrábida para efeitos de preservação daquela área protegida, o que pressupõe pelo menos interrogação ao processo de co-incineração naquele Parque Natural.

A Sra Deputada Teresa Portugal sempre se assumiu contra a co-incineração quando era vereadora do PS na Câmara Municipal de Coimbra.

O Sr Deputado Victor Baptista fez declarações públicas em Julho de 2004 afirmando que a co-incineração “é passado, não é presente nem futuro” e reiterou mais recentemente o que o PS assumiu no seu manifesto eleitoral distrital de Coimbra para as legislativas: “que sempre que estivesse em causa a saúde pública colocar-se-iam ao lado das populações” – então é preciso garantir com seriedade se aquela está ou não em causa.

O Sr Deputado Manuel Alegre, assumindo uma posição que todos conhecemos, e para além de outros argumentos aduzidos sublinhou, num debate parlamentar em 1999, a ausência de diálogo no processo de decisão em torno da co-incineração: “não houve informação nem diálogo político, não houve diálogo com a população de Souselas, não houve diálogo com os autarcas eleitos pelo povo de Coimbra”. Hoje, afirmamos nós, a questão coloca-se nos mesmos termos, em relação a essa mesma Souselas e a Setúbal.

É com esta coerência que contamos e temos expectativa de poder ver aprovados os Projectos que hoje trazemos a discussão, para que o sistema de tratamento de resíduos industriais em Portugal se centre na prioridade à implementação de métodos de tratamento mais sustentáveis, com o objectivo de servir o ambiente, a saúde pública, em suma contribuir para melhorar a nossa qualidade de vida. A Assembleia da República tem o dever de corrigir o caminho enviesado que o Governo quer impor e é isso que “Os Verdes” hoje aqui propõem.


Ver tambêm:
 

Projecto de Resolução Nº. 133/X Projecto de Resolução- Estabelece um conjunto de recomendações ao Governo relativas ao tratamento de resíduos industriais perigosos
Projecto de Lei Nº. 228/X Projecto de Lei- Avaliação dos riscos para a saúde pública da queima de resíduos industriais perigosos

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