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04/06/2008
Sustentabilidade da Expansão Urbana
Intervenção do Deputado José Miguel Gonçalves, proferida na Assembleia da República a 4 de Junho de 2008 – Projecto de Resolução de “Os Verdes” que recomenda ao Governo a elaboração de um estudo sobre a sustentabilidade da expansão urbana face ao crescimento demográfico e ainda a regulamentação do artigo 72.º do Decreto-lei nº 380/99, de 22 de Setembro, que estabelece o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial

 

 

 

Sr. Presidente, Srs. Deputados,

O Projecto de Resolução que “Os Verdes” entregaram e que está hoje aqui em discussão visa, no essencial, lançar para o debate político a questão da sustentabilidade da expansão urbana face ao crescimento demográfico.

Dizer que este é um momento crucial para se fazer esta discussão, uma vez que hoje se encontram em revisão a maioria dos Planos Directores Municipais, instrumentos fundamentais no ordenamento das nossas cidades, que terão mais tarde, de ser ratificados pelo Governo.

Como se sabe, a expansão urbana em Portugal tem sido caracterizada por um forte ritmo de crescimento numa plena ausência de critérios de sustentabilidade.

Segundo o diagnóstico efectuado no estudo “Contributos para o Plano Estratégico de Habitação para o período de 2008/2013” da responsabilidade do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana e de outras entidades ligadas ao meio universitário, e que foi publicado em Abril deste ano, nas três últimas décadas tem existido um ritmo intenso de crescimento do parque habitacional sempre superior a 20%:
27% na década de setenta;
22% na década de oitenta;
e 21% na década de noventa;

Segundo este mesmo estudo o número de alojamentos praticamente duplicou neste período, tendo tido um ritmo de crescimento sempre superior ao crescimento do número de famílias, o que levou a que Portugal seja hoje o segundo país da União Europeia com o maior rácio de habitação por agregado familiar.

E isto é significativo, num país com graves dificuldades financeiras e com graves dificuldades estruturais em inúmeras áreas essenciais, com graves problemas, por exemplo, na requalificação urbana, mas que depois canaliza os seus recursos na expansão urbana, sem que saiba bem para servir o quê e a quem.

Trata-se da política estrutural do betão que baseia no sector da construção parte da criação de riqueza nacional, mais ou menos parecida com a política do asfalto, que nos leva a ser o quinto país da Europa com mais auto estradas por 100 mil habitantes e que, não contente, irá investir mais mil milhões de euros em novas redes viárias nos próximos tempos.

Sr. Presidente, Srs. Deputados,

Mas se é claro, e existem estudos que o comprovam, que temos tido um aumento exponencial do património edificado, muito acima do nosso crescimento demográfico relativamente ao que está planeado edificar, aquilo que temos são dados preocupantes que vão sendo divulgados de forma dispersa, quase sempre por pessoas ligadas ao urbanismo.

Embora estes dados nos mereçam toda a credibilidade, até porque habitualmente não são desmentidos por ninguém, não existem estudos oficiais que façam uma avaliação integrada e global da situação.

Deixar-vos um exemplo muito concreto de uma cidade da região centro:

Esta cidade possui actualmente 3.000 fogos devolutos, recentemente construídos, a somar a outros 7.800 antigos, igualmente devolutos e na sua grande maioria a precisarem de ser reabilitados.

Este concelho tem tido um crescimento demográfico na ordem dos 6% em cada década, o que equivale a uma necessidade de nova habitação de cerca de 300 fogos por ano, ou seja, não se construindo mais nada, nem se reabilitando mais nada, só estes 3.000 fogos devolutos recentemente construídos, dariam para as necessidades deste concelho para a próxima década. E, sublinho, sem contabilizar as tais 7.800 habitações antigas devolutas.

No entanto, este concelho possui mais um amplo conjunto de património a edificar já alvo de licenciamento por parte da autarquia, possui cerca de 8.800 ha em área urbanizável e pretende, na revisão do PDM que está a fazer, aumentá-la em cerca de 10%.

Ora Srs. Deputados, nada disto é sustentável em termos de política de ordenamento e planeamento.

E isto leva-nos ao Decreto-lei nº 380/99, de 22 de Setembro, que veio impor a revisão dos PDM’s decorrido o prazo de 10 anos após a sua entrada em vigor ou após a sua última revisão e que restringe, no seu artigo 72.º, a reclassificação do solo rural em solo urbano aos casos, e cito: “em que for comprovadamente necessário, face à dinâmica demográfica, ao desenvolvimento económico e social e à indispensabilidade de qualificação urbanística”.

Ora aquilo a que se está a assistir, com esta revisão dos PDM’s, é a mais um crescimento das áreas urbanizáveis, sem que haja a devida justificação e fundamentação para que tal aconteça.

As evidências são claras: existem PDM’s que duplicam a área urbanizável, outros que prevêem, na sua vigência de dez anos, a multiplicação por dois ou três da população dos respectivos concelhos, até aos PDM’s de municípios metropolitanos que contêm áreas urbanas e urbanizáveis, onde caberiam por inteiro as populações de alguns distritos do interior do País.

Recorda-se que, já em 2001, o então Ministro do Ambiente, hoje Primeiro-Ministro, Eng.º José Sócrates, afirmava que se somássemos “todas as áreas urbanizáveis dos PDM’s teríamos um país com capacidade para 30 milhões de habitantes”.

E isto estava a falar-se dos PDM’s de primeira geração.

Ora perante esta constatação, esperar-se-ia que esta segunda geração de PDM’s viesse a corrigir os erros dos da primeira geração e não agravá-los com mais uma amputação às áreas de REN e RAN e mais uma reclassificação massiva de Solos Rurais em Solos Urbanos.

A esta evidência, o Governo não dá sinais de querer exigir que tal reclassificação dos usos do solo e a expansão das áreas urbanas seja devidamente justificada.

Aliás, o próprio Governo, ao não dar seguimento ao estipulado no artigo 72.º do Decreto-lei nº 380/99, que previa que as restrições nele constantes fossem alvo de um decreto regulamentar que estabelecesse critérios uniformes aplicáveis a todo o território nacional, está a possibilitar que existam interpretações abusivas aquilo que está na lei.

Sr. Presidente, Srs. Deputados,

É perante esta realidade que se impõe que nos debrucemos sobre as consequências desta contínua expansão da malha urbana das nossas cidades sem que haja justificação sustentada para a mesma.

Em primeiro lugar, coloca-se a questão da impermeabilização dos nossos solos, impossibilitando o seu aproveitamento agro-florestal, em alguns casos dos melhores solos agrícolas nacionais (solos de aluvião), um bem escasso no nosso território.

Tal impermeabilização implica, por outro lado, o sacrifício dos valores naturais contidos nesses solos, para além de implicar o agravamento dos efeitos inerentes à ocorrência de condições climatéricas extremas, como é o caso das cheias.

Um segundo aspecto, por demais evidente nas nossas cidades, tem a ver com a desertificação do miolo urbano e a degradação do património edificado, permitindo-se a contínua desqualificação ambiental nas zonas consolidadas, bastando para isso observar o número de fogos devolutos em Portugal, que deverá rondar o meio milhão.

A título de exemplo, salienta-se o levantamento feito pela Sociedade de Reabilitação Urbana "Porto Vivo" que indica que estejam devolutos um quinto dos 47 mil alojamentos disponíveis na coroa central da cidade do Porto.

Salienta-se ainda que este contínuo impulso para alargamento da malha urbana tem actuado como estímulo à compra de habitação própria, o que tem vindo a implicar, por sua vez, consequências que importam avaliar, quer ao nível do mercado de arrendamento, quer ao nível do endividamento das famílias portuguesas.

Por último, e como terceira consequência, temos o desperdício de recursos estatais, desde logo com um conjunto de investimentos que os promotores imobiliários não pagam, mas que acaba por pagar toda a sociedade, nomeadamente, arruamentos, redes de abastecimento de água, de saneamento e de electricidade, até aos investimentos menos significativos, mas também não desprezáveis, como sejam, espaços verdes, ecopontos, paragens de autocarro, entre outros.

Mas para além destas infra-estruturas com que é necessário dotar estas novas áreas, o desperdício aumenta mais tarde com a necessidade de garantir um conjunto de serviços, nomeadamente, policiamento, transportes públicos, recolha de resíduos, etc.

Acrescem ainda os gastos energéticos inerentes, por exemplo, a um distanciamento dos cidadãos em relação aos seus locais de trabalho, com os chamados movimentos pendulares, que obrigam ao contínuo reforço das condições de acessibilidades às zonas mais periféricas, até à própria iluminação pública que é também necessário assegurar nestas zonas.

Sr. Presidente, Srs. Deputados,

“Os Verdes” não pretendem colocar em discussão este ou aquele PDM, esta ou aquela política de urbanismo deste ou daquele município.

Por outro lado, também não pretendemos discutir aqui, hoje, os lucros privados resultantes da construção, nem o aproveitamento privado das mais-valias resultantes das alterações de uso do solo, se bem que consideremos que esta é uma outra questão que merece o debate nesta casa.

Aquilo que “Os Verdes” pretendem hoje é colocar no debate político a insustentabilidade da expansão urbana e das áreas urbanizáveis, face ao crescimento demográfico, face à perda de solo agro-florestal, face à perda de património natural, face a uma política de arrendamento, face à degradação das zonas urbanas consolidadas, face ao desperdício energético, face ao desperdício de recursos financeiros, ou seja, face ao interesse público.

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