As comemorações populares do 25 de Abril têm evidenciado, desde sempre, pela dimensão e a espontaneidade de que se revestiram, o profundo apego dos portugueses aos valores da liberdade e da democracia consagrados na arquitectura constitucional vigente. Ao longo dos anos esta manifestação essencialmente patriótica confrontou-se ora com horizontes mais desanuviados, ora com tempos mais difíceis, consoante as conjunturas políticas e económicas de âmbito nacional e internacional, que em cada altura se verificavam. Independentemente, porém, das circunstâncias, os milhares de participantes, que integraram as celebrações, afirmaram sempre a certeza de que um país mais próspero e solidário seria possível a partir duma convergência de vontades esclarecidos e dum esforço empenhado de todos. Neste 25 de Abril de 2002 a situação criada pela acumulação de diversos factores de ordem interna e externa suscita algumas inquietações e justifica u m empenhamento acrescido na defesa do sistema democrático e na reafirmarão dos princípios fundamentais que asseguram a sua consistência. Se a democracia pressupõe a prevalência temporária das maiorias, não é menos verdade que o respeito pelas minorias, ocasionalmente constituídas, representa uma condição imprescindível para que o sistema funcione. Esta regra será tanto mais evidente e incontornável quanto a representatividade popular, em que o poder se legitima, e aquela em que a oposição se estriba forem praticamente idênticas. A legitimidade democrática compadece-se com a modificação das normas estabelecidos, de acordo com as novas sensibilidades emergentes, mas nunca com a sua subversão. Há patamares de progresso social e de direitos adquiridos que configuram o ascenso colectivo a um património comum inalienável, os quais não poderão ser derrogados, que mais não seja, tomando por analogia o que a Constituição estabelece para uma alteração dos respectivos preceitos fundamentais. Inserem-se neste contexto, entre outros exemplos, o sistema de segurança social, os direitos dos trabalhadores, a igualdade de oportunidades, o serviço nacional de saúde, o direito a ser informado através de uma comunicação independente do poder político e económico e a existência de um ensino acessível em todos os seus níveis aos cidadãos. É com o pensamento posto neste pecúlio comum, e cientes de que o mesmo representa uma parte indissociável e estruturante da ordem democrática edificada depois do 25 de Abril, que as comemorações da festa da Liberdade irão decorrer. A democracia, no seu todo e nas suas partes integrantes, carece de ser permanentemente defendida e vitalizada. Os cidadãos, que irão participar nas comemorações programadas para este ano, estão disso cientes e dispostos a patenteá-lo. O desfile, que, no próximo dia 25 se realizará na Avenida da Liberdade, a par da evocação dos militares que desencadearam a revolução dos cravos e de todos os democratas que combateram a ditadura, simbolizará, por conseguinte, o firme propósito de não abrandar os esforços para alcançar uma sociedade mais justa e mais fraterna para todos os portugueses.

Neste momento, em que os horizontes se adensam no plano internacional, com o agravamento das diferenças económicas e sociais entre os países pobres e os países ricos, por via de uma mundialização neo-liberal sem estribeiras, numa época em que o desvario provocado pelos vários terrorismos e contra-terrorismos- de seitas fanáticas ou de Estados, em completo desrespeito pelo direito internacional e pelos mais elementares princípios éticos, os democratas - para os quais, o ascenso à independência de Timor e o processo de paz iniciado em Angola constituem, porém, algum refrigério - entendem, neste dia da Liberdade, reiterar a sua esperança no advento de uma nova ordem democrática entre as nações, em que os conflitos sejam resolvidos pela razão e pelo diálogo e não pela imposição da força, como no Médio Oriente. Será também, reclamando a paz e a segurança para todos os povos e reiterando o direito a que cada um seja o único senhor do seu destino, que estas comemorações do 25 de Abril se irão processar. Para elas se espera portanto uma participação empenhada de todos os democratas aos quais este apelo indiscriminadamente se dirige.