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09/06/2017 |
Assuntos laborais e concertação social (DAR-I-96/2ª) |
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Filipe Anacoreta Correia, discutimos hoje, por agendamento do CDS, três projetos de resolução sobre matérias diferentes: um, sobre a implementação da licença sem retribuição extraordinária e a avaliação do Cheque-Formação, outro, sobre o direito ao desligamento dos trabalhadores e à inclusão de novas situações para o exercício do teletrabalho e um terceiro, para melhorar a contratação coletiva, que, na perspetiva do CDS, não pode, de forma alguma, ser desvalorizada.
Apesar da diversidade das matérias, as iniciativas têm um propósito comum, que é o de recomendar ao Governo que, em sede de concertação social, inicie o debate sobre estas matérias, ou seja, aquilo que o CDS nos propõe é que a Assembleia da República recomende ao Governo que promova o debate na concertação social sobre matérias em relação às quais esta Assembleia está em perfeitas condições de decidir.
O que nos parece é que há uma tentativa de inverter as premissas, para não dizer uma tentativa de adulterar as regras do jogo democrático.
Parece até que esta Assembleia, agora, só pode legislar depois do debate na concertação social. Mas, Sr. Deputado, qualquer esforço para substituir esta Assembleia pela concertação social, para além de não ter nenhuma cultura constitucional, é, a todos os títulos, inaceitável.
A concertação social deve ser ouvida, sim, mas a decisão compete à Assembleia da República.
O Sr. Deputado diz que a contratação coletiva não pode, em caso algum, ser desvalorizada, e sublinho a expressão «em caso algum». E sublinho-a porquê? Porque, certamente, não é novidade para ninguém que o anterior Governo tinha um problema com a nossa Constituição também em matéria de contratação coletiva.
De facto, ao contrário do que estabelece a nossa Constituição, o anterior Governo promoveu o aparecimento de vazios contratuais, quando o que devia ter feito, nos termos constitucionais, era assegurar a eficácia das normas da contratação coletiva. Mais: o Governo anterior fez ainda um esforço para alterar, por via legislativa, as regras que foram acordadas livremente pelas partes no âmbito da contratação coletiva.
Hoje, o CDS diz que a contratação coletiva não pode, em caso algum, ser desvalorizada, mas o que é verdade é que, com a ajuda do CDS-PP, as alterações que a legislação do trabalho sofreu nos últimos anos trouxeram elementos muito negativos para quem trabalha e vieram acentuar o desequilíbrio nas relações laborais, com grave prejuízo, naturalmente, para quem trabalha.
De facto, o Código do Trabalho de 2003 veio enfraquecer aspetos fundamentais do direito à contratação coletiva, principalmente com a introdução da caducidade das convenções coletivas, mas também com a faculdade de as convenções coletivas poderem fixar regras menos favoráveis do que aquelas que estão previstas na lei, colocando, assim, em causa o princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador e contrariando até a própria natureza das convenções coletivas de trabalho. Como se isso não bastasse, as revisões ao Código do Trabalho vieram agravar a situação, nomeadamente a de 2014, quando o Governo de que o CDS fazia parte, para além de outros ataques a quem trabalha, decidiu facilitar o despedimento e tornar as indemnizações em caso de despedimento mais baratas.
Sr. Deputado, nós consideramos que é justo — e, portanto, é necessário — repor algum equilíbrio nas relações laborais, e é exatamente sobre esta matéria que recaem as nossas perguntas.
Era importante sabermos qual é a abertura ou a disposição do CDS-PP para restabelecer um mínimo de equilíbrio nas relações laborais e devolver alguma dignidade a quem trabalha. Ora, uma vez que o CDS hoje diz que a contratação coletiva «não pode, em caso algum, ser desvalorizada» — como, aliás, consta do texto do projeto de resolução —, creio que interessava saber se podemos contar com o CDS-PP em matéria de contratação coletiva, nomeadamente no que se refere à caducidade das convenções coletivas de trabalho, à sua renovação automática e, sobretudo, ao princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador.
Acho que era importante sabermos para o que podemos contar com o CDS sobre esta matéria, porque, como diz o povo, «quando a esmola é muita, o pobre desconfia» e, ao vermos o CDS preocupado com a contratação coletiva, sobretudo olhando para o seu passado, temos motivos mais do que suficientes e objetivos para desconfiar desta pretensão do CDS.