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04/01/2019 |
Conjunto de Projetos de Os Verdes sobre a transferência de competências para os órgãos municipais — DAR-I-35/4ª |
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Intervenção do Deputado José Luís Ferreira - Assembleia da República, 4 de janeiro de 2019
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Este vasto e numeroso conjunto de apreciações parlamentares sobre a transferência de competências para os órgãos municipais, que agora discutimos, vem confirmar duas evidências muito claras.
A primeira é a de que o processo de descentralização — se é que assim o poderemos chamar —, negociado e aprovado pelo PS e pelo PSD, nasceu torto. Nasceu muito torto.
A segunda evidência, que, aliás, decorre da primeira, é a de que «o que nasce torto tarde ou nunca se endireita».
Por isto mesmo, Os Verdes saúdam as bancadas que agendaram as apreciações parlamentares sobre os vários diplomas que dizem respeito a matérias muito importantes para os cidadãos, para a sua qualidade de vida e para o acesso aos serviços públicos por parte dos portugueses.
Como referimos durante a discussão da proposta sobre a transferência de competências para as autarquias, Os Verdes consideram que o processo de descentralização deveria ser norteado por três elementos centrais: primeiro, não se deveria perder de vista a criação das regiões administrativas; depois, o processo de descentralização teria de ter como pressuposto base a defesa e a valorização da autonomia do poder local; e, por fim, esse processo teria de ser construído tendo sempre como perspetiva a melhor forma de responder às necessidades das populações e de promover a qualidade dos serviços públicos prestados aos cidadãos.
São estes, a nosso ver, os objetivos centrais que devem nortear qualquer processo para uma verdadeira e efetiva descentralização: a defesa e a valorização da autonomia do poder local e a melhor forma de dar resposta às necessidades das populações e de promover a qualidade dos serviços públicos prestados aos cidadãos. Mas, tal como se previa, estes objetivos não estiveram presentes nas negociações entre PS e PSD, negociações que, de resto, estiveram na base da lei que ambos, e só eles, aprovaram.
Por nós, continuamos a considerar que a descentralização não pode nem deve ser encarada como uma forma de desresponsabilizar o Estado central das suas funções. A descentralização não pode ocorrer só porque o Governo não quer ou não consegue dar resposta ao que pretende descentralizar.
Para além disso, importa ainda referir que algumas destas transferências incidem em áreas que a nossa Constituição inclui nas funções sociais do Estado. Se a nossa Constituição inclui essas áreas no elenco dos direitos fundamentais é porque no plano constitucional se pretende garantir que esses mesmos direitos sejam assegurados de forma universal a todos os cidadãos e em todo o território. Os cidadãos não podem, como se pretende neste processo, ficar sujeitos à disponibilidade financeira dos respetivos municípios para aceder aos serviços públicos e àquelas que são as funções sociais do Estado, nomeadamente a saúde, a educação ou a justiça. E não podem, porque a nossa Constituição elege esses direitos como fundamentais, exatamente para garantir que eles sejam assegurados de forma universal a todos os cidadãos e em todo o território, independentemente do município onde residem.
Acresce, ainda, que este tipo de processo de descentralização vai potenciar uma gestão desligada das estratégias políticas que se querem nacionais, cada um à sua maneira, no seu local. Esta questão é particularmente importante, sobretudo ao nível das áreas setoriais a que se referem as apreciações parlamentares em discussão. Referimo-nos, por exemplo, à área da justiça, da habitação, da gestão das praias marítimas ou fluviais, das vias de comunicação, da promoção turística ou do apoio aos bombeiros voluntários.
Para além disso, há decisões políticas em certos setores que exigem um nível de conhecimento técnico e que devem ser tomadas por quem tem esse conhecimento, que não está nem pode estar disperso. Hoje, a decisão é, muitas vezes, suportada por uma cadeia hierárquica técnica especializada, que é fundamental mas que será cobrada se este processo avançar. Corremos, aliás, o risco de muitas autarquias, não tendo esse saber, se verem forçadas a recorrer ao privado, gastando ainda mais dinheiro.
É por tudo isto, mas também porque consideramos que é pouco recomendável passar a ter decisões tomadas de forma isolada, em função do local, sem qualquer estratégia nacional, em áreas e matérias onde essa estratégia é fundamental para garantir não só os direitos de todos os cidadãos como também para gerir o saber, o conhecimento e a reflexão em termos de desenvolvimento nacional e também em termos de recursos, que Os Verdes não só acompanham as apreciações parlamentares em discussão como ainda apresentam iniciativas legislativas para fazer cessar os efeitos dos 11 diplomas que constituem o objeto destas apreciações parlamentares.