Pesquisa avançada
Início - Grupo Parlamentar - XIII Legislatura 2015/2019 - Intervenções na Ar (Escritas)
 
 
Intervenções na Ar (Escritas)
Partilhar

|

Imprimir página
10/01/2019
Debate de atualidade, requerido por Os Verdes, ao abrigo do artigo 72.º do Regimento, sobre a decisão do Governo de construção de um aeroporto complementar no Montijo — DAR-I-37/4ª
Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia - Assembleia da República, 10 de janeiro de 2019

1ª Intervenção

Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, Sr. Ministro: Começo por salientar dois factos. O primeiro facto é que, em julho passado, a APA, Agência Portuguesa do Ambiente, rejeitou o estudo de impacte ambiental apresentado para construção do aeroporto do Montijo, e uma das principais razões avançadas para essa rejeição prendia-se com a carência de estudo ainda relativamente à matéria da avifauna da Reserva Natural do Estuário do Tejo, não apenas por razões de biodiversidade, que é uma componente importante, mas também por questões de segurança relacionadas com colisão com aves.

Sr. Ministro, ocorre que, na passada terça-feira, o Governo assinou um acordo com a ANA-Aeroportos de Portugal para construção do aeroporto complementar do Montijo. Ou seja, pese embora este historial que já referi, o Governo veio formalizar a decisão da construção do aeroporto e — pasme-se! — sem estudo de impacte ambiental e sem, obviamente, o consequente processo de avaliação de impacte ambiental.

Daqui decorrem vários problemas, que o Sr. Ministro reconhecerá se houver seriedade nesta questão, e o primeiro deles é que a avaliação de impacte ambiental é um instrumento de política de ambiente que tem em vista suportar a decisão a tomar. Veja bem, Sr. Ministro, que a avaliação de impacte ambiental é que suporta a decisão, não é a decisão que condiciona a avaliação de impacte ambiental. O mesmo é dizer que a decisão tem de ser tomada à medida da avaliação de impacte ambiental e não é a avaliação de impacte ambiental que decorre à medida da decisão já tomada.
Portanto, o Governo inverteu o processo todo. Ou seja, o Governo está descaradamente e grosseiramente a violar os objetivos de uma avaliação de impacte ambiental. O Governo está, obviamente, a fazer de um processo de avaliação de impacte ambiental uma autêntica farsa, e isso é, Sr. Ministro, absolutamente inadmissível!

Outros problemas decorrem daqui. O Sr. Ministro, perante este abuso notório por parte do Governo, veio procurar sossegar as pessoas, dizendo que não se preocupassem porque a obra — a obra, atenção! — não se iniciaria sem estudo de impacte ambiental e que ele apareceria um dia destes, no primeiro trimestre do ano. Olhe, Sr. Ministro, o estudo de impacte ambiental não é condição para o início da obra. O estudo e a avaliação de impacte ambiental é determinante, repito, para a tomada de decisão.

Depois de o Sr. Ministro, como se diz em linguagem popular, «meter o pé na poça», veio o Sr. Primeiro-Ministro — é verdade, Sr. Ministro! — dizer que se o estudo de impacte ambiental não aprovar o projeto, não se faz o aeroporto. Mas acrescentou que isso seria um gravíssimo problema. Ou seja, o Governo está, nitidamente, a procurar condicionar aquele que será o resultado de uma avaliação de impacte ambiental, que culminará, como todos sabemos, com uma declaração de impacte ambiental por parte da autoridade que é a APA, e o Governo está a procurar condicionar esta estrutura, que depende do Ministério do Ambiente, no sentido de ser favorável à decisão que o Governo previamente tomou. E repetimos que isto é inadmissível, Sr. Ministro!

Por outro lado, tal como a associação ambientalista ZERO tem vindo a defender uma matéria relativamente à qual Os Verdes se têm associado — e já aqui, no Plenário da Assembleia da República, tivemos oportunidade de o dizer —, um projeto desta natureza e com esta dimensão deve ser sujeito não apenas a uma avaliação de impacte ambiental, mas a uma avaliação ambiental estratégica e, para isso, basta suportarmo-nos naquilo que a lei diz. E, Sr. Ministro, a lei não é para cumprir apenas quando apetece, é para cumprir, de facto, e rigorosamente, naquilo que ela contempla.
E a verdade é que as decisões sobre localização de grandes empreendimentos com incidência territorial, que me parece claramente ser o caso de um novo aeroporto, é considerado, nos termos da lei, um programa setorial. Ora, os programas e os planos com esta incidência e com o impacte ambiental real que nos parece, obviamente, ser o caso, são sujeitos à avaliação ambiental estratégica nos termos da lei. A pergunta que se impõe fazer é, pois, por que razão o Governo está a bater o pé na recusa em fazer uma avaliação ambiental estratégica.

Sr. Ministro, um projeto com esta dimensão, com esta natureza e com o impacto que necessariamente tem, deve ser estudado de forma integrada, e, por outro lado, têm de ser estudadas várias localizações à mesma dimensão de estudo.

Olhe, Sr. Ministro, com tudo isto que referi e com tudo aquilo que está à vista de todos os portugueses, impõe-se dizer — e com isto concluo — que as questões ambientais e de qualidade de vida têm de ganhar uma outra dimensão nas decisões políticas e este Governo, nesta matéria, está a revelar-se exatamente igual a outros governos que o antecederam. Ou seja, o que o Governo está a fazer é nitidamente a ceder aos interesses económicos da concessionária e a deixar para trás aquele que é o interesse público e que se suporta nas matérias da qualidade ambiental e da qualidade de vida das populações.

Sr. Ministro, deixo-lhe um conjunto de questões que merecem respostas. Julgamos que o Sr. Ministro tem a oportunidade para dar aqui essas respostas e para, designadamente, inverter esta insistência do Governo relativamente à subversão de todo o processo. É justamente esse o objetivo do debate que Os Verdes hoje marcaram.

2ª Intervenção – pedido de esclarecimento ao Ministro do Planeamento e Infraestruturas

Sr. Presidente, Sr. Ministro do Planeamento e das Infraestruturas, chamámos o Sr. Ministro ao Parlamento para podermos fazer um debate com seriedade e o Sr. Ministro passou ao lado de todas as questões essenciais que levantei na minha primeira intervenção.
Passou, sim, e passou propositadamente, porque o Sr. Ministro não tem resposta para aquilo em que o Governo está a falhar.

O Governo está a fazer de um processo de avaliação de impacte ambiental uma autêntica farsa, e isso é inadmissível, Sr. Ministro, mas o Governo nem disfarça, porque o Sr. Ministro vem aqui dizer, com todas as letrinhas, que a decisão está tomada e que estão, a partir de agora, depois do acordo, a dar todos os passos para que isto se faça rapidamente.

O estudo de impacte ambiental será apenas um proforma e o Sr. Ministro, que já sabe, que já adivinha que a conclusão vai ser «favorável/condicionado», aquilo para onde quer olhar é, única e exclusivamente, para as medidas minimizadoras, para depois dizer que tudo foi cumprido. Ocorre que a avaliação de impacte ambiental é o suporte de uma decisão e, portanto, dizer que decidiu sem a avaliação de impacte ambiental estar feita é muitíssimo grave. O Sr. Ministro vem dizer isso, com todas as letrinhas. Ora, Portugal deve levantar-se e dizer «não, não pode ser, Sr. Ministro»! E nós aqui também o dizemos com todas as letrinhas. O Governo tem de se orientar relativamente a esta matéria, não pode subverter a lógica de uma avaliação de impacte ambiental desta forma.

Sr. Ministro, porque é que o Governo toma a decisão sem o estudo de impacte ambiental e uma avaliação de impacte ambiental? Veja se tem coragem de me responder diretamente a esta matéria.

Mais: porque é que o Governo não faz uma avaliação ambiental estratégica? Onde é que estão, afinal, os estudos feitos à mesma dimensão para localizações alternativas para que se possa perceber qual é, de facto, a melhor solução? Não há, Sr. Ministro! Responda diretamente a estas matérias, se faz favor.

3ª Intervenção

Sr. Presidente, a finalizar o debate, a primeira coisa que eu gostava de dizer ao Sr. Ministro é que avaliar os impactes ambientais de um determinado projeto não é perder tempo, é ganhar qualidade na decisão e naquilo que se vai oferecer ao País e às populações. Portanto, não é perder tempo, ao contrário daquilo que o Governo vem dizer sobre esta matéria.

Mais: um projeto para um aeroporto no Montijo ou noutra localização que não está estudada, como não está a do Montijo, deve ser sujeita a uma avaliação ambiental estratégica de diferentes localizações à mesma dimensão para se poder comparar, se não estamos a fazer batota.
E deixe-me dizer mais ainda: as obras anunciadas para o Aeroporto Humberto Delgado devem também ser sujeitas a um estudo de impacte ambiental. Ou aí também é perder tempo? Sr. Ministro, andamos a brincar com coisas sérias!

Andamos sim, porque quando o Sr. Ministro vem aqui, a este debate, onde tinha uma oportunidade para regularizar as coisas — foi uma oportunidade que lhe demos —, o que o Sr. Ministro vem dizer é que a decisão está tomada e – disse mesmo isto – que «estas obras são para fazer».
O Governo descredibilizou-se, Sr. Ministro!

Descredibilizou-se! O que o Governo veio afirmar, perentoriamente, é que está a ceder, de forma clara, aos interesses económicos da concessionária e está a fazer de uma avaliação de impacte ambiental, ou de uma avaliação dos impactes reais de uma determinada obra e de um determinado projeto, um mero proforma. Aquilo, quando vier, virá, mas não vai interferir em nada!

Uma avaliação de impacte ambiental tem três componentes fundamentais: um estudo de impacte ambiental, uma consulta pública e uma declaração de impacte ambiental. E os senhores estão, claramente, a querer condicionar essa declaração de impacte ambiental, que será produzida pela APA, e isso é absolutamente inadmissível.

Termino dizendo que aqueles que, neste País, levam as matérias ambientais e da qualidade de vida a sério, devem erguer-se numa luta forte contra esta decisão do Governo.
Voltar