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02/03/2017 |
Debate de urgência, requerido pelo Grupo Parlamentar de Os Verdes, sobre áreas protegidas classificadas. (DAR-I-58/2ª) |
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1ª IntervençãoSr. Presidente, Sr. Ministro do Ambiente, Sr.ª Secretária de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: O Ministério do Ambiente anunciou que até ao final de março vai avançar com um projeto-piloto para um novo modelo de gestão das áreas protegidas, ensaiado no Parque Natural do Tejo Internacional, e que, até ao final do ano, a ideia é avaliar a experiência de modo a alargá-la às demais áreas protegidas.
De acordo com o Governo, esse novo modelo de gestão resultaria numa direção colegial composta por três elementos: um presidente de câmara, que lideraria essa direção; um membro do ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas); e um representante de uma associação de ambiente ou de uma instituição de ensino superior.
Os motivos alegados pelo Governo para esse novo modelo de gestão são, fundamentalmente, dois: primeiro, o atual modelo de gestão, da autoria de um governo do PS, que resultou da fusão da gestão de áreas protegidas em apenas cinco departamentos ao nível nacional, não funciona bem; em segundo, as áreas protegidas dispõem de um conjunto de ativos que são desaproveitados.
Este é o quadro que já motivou Os Verdes a, insistentemente, colocar questões aqui, no Parlamento, quer ao Primeiro-Ministro quer ao Ministro do Ambiente, sem que as respostas, porém, nos parecessem esclarecedoras e satisfatórias, o que nos levou, portanto, a convocar o presente debate de urgência.
Em primeiro lugar, é preciso dizer que nos parece que há um ponto de consenso do qual podemos partir para a discussão: ao nível das áreas protegidas, as coisas, como estão, não funcionam bem.
Os Verdes também consideram que o atual modelo de gestão das áreas protegidas, imposto por José Sócrates em 2008, não foi positivo, tendo esvaziado cada área protegida da sua própria comissão diretiva e criado a figura de um só diretor para várias áreas protegidas.
Era evidente, como Os Verdes denunciaram na altura, que este distanciamento das direções em relação a cada área protegida concreta dificultava as decisões da gestão de proximidade, anunciava mais burocracias e, sobretudo, visava disfarçar a falta de meios a pretexto de uma diferente gestão interna de recursos.
O Governo e a maioria PSD/CDS, que, de uma forma ou de outra, nunca esconderam o seu desejo de aproveitar as áreas protegidas para a proliferação de negócios, o que poderia chegar à meta da gestão privada das áreas classificadas, também contribuíram para a fragilização dos planos de ordenamento das áreas protegidas, considerados planos especiais de ordenamento do território, ordenando a sua transposição para os PDM (planos diretores municipais) até meados deste ano, através da lei de bases dos solos, do ordenamento do território e do urbanismo. Isto para já não falar do claro subfinanciamento a que também votaram o ICNF, juntando-lhe a componente das florestas, o que não se traduziu, ao contrário do que anunciaram, em nenhum acréscimo e eficácia na fiscalização e no reforço de meios para a conservação da natureza, antes pelo contrário.
Os Verdes defendem que cada área protegida deve estar dotada da sua própria direção e que a gestão das áreas protegidas deve promover o envolvimento das comunidades locais, através de participações colaborativas efetivas, porque essa é a forma de garantir que a gestão das áreas classificadas não se faz contra os recursos naturais, que importa preservar, nem contra as pessoas e as suas atividades sustentáveis.
Até aqui parece que não estaremos longe de poder obter um consenso com o Governo sobre esta questão. O problema é que o Governo quer adotar um modelo de municipalização das áreas protegidas e Os Verdes consideram que essa municipalização não vai ao encontro dos objetivos necessários à rede de áreas protegidas no País.
É preciso deixar claro que Os Verdes têm um profundo respeito pelos autarcas deste País e pelo papel que o poder local democrático tem tido no nosso desenvolvimento, mas a questão é que há níveis de responsabilidades diferentes que cabem a agentes diferentes.
As autarquias já têm um papel fulcral ao nível da conservação da natureza, quer pela responsabilidade que têm na criação de corredores verdes no âmbito dos territórios que administram, com vista a estender a biodiversidade, designadamente no espaço urbano, quer pela responsabilidade que têm, por exemplo, no que respeita à criação de áreas protegidas de âmbito local, com vista à preservação de valores naturais que não podem perigar.
Porém, não são os autarcas que devem gerir os parques naturais ou as reservas naturais, porque esta rede de áreas protegidas tem uma dimensão que não pode deixar de ser vista como de âmbito nacional, respeitando as especificidades regionais que caracterizam cada área em si.
O Governo bem pode não gostar que lhe chamem «municipalização», mas a verdade é que quer pôr os presidentes de câmara a liderar a direção das áreas protegidas e a dotá-los de poder para decidir tudo o que tenha a ver com questões económicas nessas áreas classificadas, ficando o ICNF com o encargo de promover a defesa dos valores naturais.
Os interesses económicos são o que o Governo chama «ativos», que devem ser aproveitados. Com esta visão, o Governo só está a cavar mais o fosso entre as tensões que resultam de interesses económicos e de interesses ambientais em causa. O resultado prático desse fosso tem sido amplamente visível em áreas de Reserva Ecológica Nacional, de Rede Natura 2000, mas também em parques e em reservas naturais.
Que fique claro que Os Verdes não defendem nenhum modelo autoritário de gestão de áreas protegidas. Defendemos uma gestão desburocratizada, como temos dito inúmeras vezes, defendemos uma gestão participada que envolva as comunidades locais, as autarquias, os agentes locais, mas não podemos, em circunstância alguma, defender que o Estado se desresponsabilize da sua obrigação de gestão das áreas protegidas.
Essa responsabilidade implica dotar o ICNF de meios para gerir bem essas áreas protegidas? Sim, implica aplicar mais meios para a conservação da natureza e não subfinanciá-la, como tem acontecido ao longo de muitos anos.
Por isso, Os Verdes bateram o pé no Orçamento do Estado para 2017 para que fossem contratados mais 50 vigilantes da natureza, que são uma peça fundamental para salvaguardar os valores naturais em causa, para agir com as populações, para promover esclarecimentos, em suma, para garantir uma boa gestão prática das áreas protegidas. Na verdade, o problema fundamental com que as áreas classificadas se têm debatido é com a falta de meios com que os sucessivos governos têm brindado a conservação da natureza e da biodiversidade.
Vamos debater, Sr.as e Srs. Deputados, um novo modelo de gestão das áreas protegidas. Os Verdes querem esse debate e uma mudança no modelo atual, mas não gostaríamos de ver, como vimos no passado, decisões autoritárias e impostas por parte do Governo, sem o diálogo devido.
Por isso, Sr. Ministro, o desafio que Os Verdes deixam hoje ao Governo é o seguinte: seja justo e corajoso e traga o processo legislativo sobre o novo modelo de gestão das áreas protegidas à Assembleia da República.
O Parlamento, especialmente com a sua atual formação, é o espaço para encontrar os consensos, as melhorias das propostas iniciais e para se trabalhar um quadro legislativo que promova um sentido prático e eficaz para a defesa e a valorização das nossas áreas protegidas.
2ª Intervenção
Sr. Presidente, Srs. Deputado: Todos os Governos que alteraram o modelo de gestão das áreas protegidas, e não foram poucos, Sr. Ministro, alegaram sempre a necessidade de o fazer para melhorar a conservação da natureza. Avaliavam que a coisa estava mal e, portanto, para que melhorasse, era fundamental alterar o modelo de gestão. Acho que esse argumento já é um bocadinho repetido, pelo que talvez tenhamos de ir por outra via, avaliando concretamente aquilo que está em causa. E, na verdade, Sr. Ministro, aquilo que tem falhado nos sucessivos Governos tem sido, justamente, o modelo de financiamento das áreas protegidas e a atribuição de meios às áreas protegidas para que, de facto, possam prosseguir, na sua gestão, objetivos claros e eficazes no âmbito da conservação da natureza e da biodiversidade. Ora, quando os meios escasseiam, é evidente que há determinados objetivos que não conseguem ser prosseguidos.
Para além disso, e fruto também, justamente, da escassez de meios, o Sr. Ministro sabe que não há uma monitorização…
Como eu estava a dizer, o Sr. Ministro sabe que não há uma monitorização continuada da biodiversidade em todos os locais onde devia haver e que não há uma avaliação do estado dos ecossistemas em todos os lados onde deveria haver.
Por outro lado, Sr. Ministro, vamos focar-nos, mais uma vez, no método pelo qual o Governo está a optar. E o método é este: criação de um projeto-piloto num parque concreto, neste caso, no Tejo Internacional, o qual o Governo visa alargar, depois, às outras áreas protegidas. O grande receio de Os Verdes é o de que isto seja uma forma de, aos poucos, ir impondo o modelo que o Governo pretende.
Os Verdes não gostavam de chegar ao fim deste processo e de ter de acusar o Governo de ter imposto um determinado modelo. É por isso que reitero a pergunta que fiz na tribuna: o Governo está ou não disposto a focar-se num novo modelo de gestão das áreas protegidas no Parlamento? O Governo está ou não disposto a trazer o processo legislativo ao Parlamento para, no Parlamento, estabelecermos o diálogo e os consensos necessários e, em conjunto, criarmos, de facto, o melhor modelo de gestão das áreas protegidas?!
3ª Intervenção
Sr. Presidente, Sr. Ministro, podemos aqui cuidar muito das palavras, mas as coisas querem dizer aquilo que querem dizer.
Quando o Sr. Ministro vem dizer que «evidentemente, depois, teremos todo o gosto em discutir com o Parlamento», isso não me deixa descansada relativamente à pretensão e ao desafio que Os Verdes hoje aqui vieram fazer ao Governo em relação a esta matéria. O desafio foi: legislar na Assembleia da República, com os eleitos, Sr. Ministro.
Fundamentalmente, como disse há pouco da tribuna, tendo em conta a composição parlamentar de hoje da Assembleia da República, a redistribuição das suas forças políticas, consideramos que há condições para podermos debater de uma forma muito séria, para gerar consensos e não para irmos pela lógica que tem sido a de todos os outros Governos, que é a de impor um determinado modelo para o testar no terreno sempre sob a lógica do subfinanciamento.
Como já percebemos, não há modelo que se sustente sob a lógica do subfinanciamento.
Gostava também de saber se o Governo se compromete ou não em vir legislar sobre o novo modelo para as áreas protegidas no Parlamento. Gostava que desse uma resposta muito concreta!
O Sr. Ministro, sobre o modelo que está a propor, diz: «O ICNF não tem condições para ter um diretor em cada parque». Porquê? Por que é que não tem condições para ter um diretor em cada parque? Por que é que o ICNF não tem condições para ter essa responsabilidade em cada parque, mas tem condições para ter um membro da comissão executiva, um técnico, em cada parque?
Temos de ter meios para o efeito em cada parque — é isso mesmo, Sr. Ministro! Todos os parques, todas as áreas protegidas têm especificidades muito próprias, inserem-se numa lógica de estratégia de conservação da natureza e da biodiversidade ao nível nacional, e é evidente que temos de dotar de meios humanos e técnicos essas áreas protegidas para poderem prosseguir os seus objetivos.
Depois, o Sr. Ministro, para nos descansar, diz o seguinte: «Mas esse elemento da direção do ICNF vai decidir sobre isto, ele é que vai decidir sobre aquilo, ele é que vai decidir sobre aqueloutro…». E eu pergunto: e o autarca decide sobre o quê? É que nós ainda não conseguimos visualizar de facto, compreender de facto como é que o Governo pensa este modelo e como é que ele se concretizará na prática. Quer dizer, afinal, o autarca vai servir só para convocar as reuniões? É para isso que serve a presidência da direção? «Não» — diz o Sr. Ministro. Muito bem. Então, serve para quê? Que poder de decisão tem o autarca nesta direção, dado que é o presidente, é o líder desta decisão? E o Sr. Ministro, assim como vem dizer que o membro do ICNF é que vai decidir sobre isto, aquilo e aqueloutro, diga-nos também sobre o que é que os outros elementos da direção vão decidir e, designadamente, já agora, também as associações de ambiente ou elementos de uma instituição de ensino superior. Como é que, afinal, é composta a restante direção colegial, de acordo com o modelo que o Governo está a procurar propor?
São estas questões concretas que ainda não conseguimos compreender, e era bom que conseguíssemos compreendê-las.
4ª IntervençãoSr. Presidente, lamento que o Sr. Ministro do Ambiente não tenha respondido diretamente à questão que Os Verdes colocaram sobre a possibilidade de o processo legislativo decorrer na Assembleia da República. Essa é, evidentemente, uma leitura política que temos de fazer. Não pense, contudo, o Sr. Ministro que Os Verdes não vão continuar a insistir junto do Governo para que esse processo legislativo decorra na Assembleia da República. Julgamos que isso é importante, até para contrariar, quebrar esta rotina de os sucessivos governos imporem determinados modelos de gestão por si, de uma forma impositiva, testando tudo e mais alguma coisa, e para que possamos, de facto, alargar o debate — dirijo-me ao Sr. Ministro outra vez, para vincar a palavra — com os eleitos.
Entretanto, devo talvez lembrar que foi o Sr. Ministro a publicamente referir que — isso foi difundido por vários órgãos de comunicação social — nas áreas protegidas, passaria para os autarcas a gestão de tudo o que tem a ver com atividades económicas, culturais e sociais e que para o ICNF ficava a componente da conservação da natureza, daí as questões que Os Verdes colocaram ao Sr. Ministro sobre a matéria.
Queria dizer também que a nossa grande preocupação é esta: um autarca tem fundamentalmente como interesse ou visão, digamos assim, os interesses locais, da sua circunscrição administrativa — é normal que assim seja, é para isso que ele é eleito. O Estado, por outro lado, tem de ter uma visão diferente, mais alargada das questões e, designadamente, tendo em conta o interesse nacional.
Como também referi, os autarcas já têm vastos poderes ao nível da conservação da natureza e da biodiversidade, designadamente com todas as competências que têm e que devem, de facto, exercer, no âmbito do alargamento da biodiversidade urbana e também das áreas protegidas locais. De facto, Os Verdes não podem concordar, à partida, com tudo aquilo que se possa transformar ou aproximar de uma municipalização das áreas protegidas, ou seja, com este modelo de atribuição aos autarcas de poder na gestão das áreas protegidas, que deve ter — repito — uma visão e um interesse nacional.
Por outro lado, Sr. Ministro, como também referimos, o grande problema com que se confrontam as áreas protegidas tem a ver com a escassez de meios humanos e técnicos.
O nome do Instituto já foi ICN (Instituto da Conservação da Natureza), já foi ICNB — acrescentando-lhe «e da Biodiversidade» —, agora é ICNF — acrescentaram-lhe «e das Florestas». Mudaram-lhe o nome não sei quantas vezes, mas a verdade é que sempre se manteve o subfinanciamento relativamente a esta estrutura e aos diversos tentáculos através dos quais, depois, se manda esta estrutura para o terreno, sobretudo nas áreas protegidas. Esse tem sido, de facto, um problema, designadamente ao nível da escassez de meios humanos.
O Sr. Ministro acaba de dizer aqui que o ICNF não tem pessoas para irem para as áreas protegidas. Sr. Ministro, nós temos de dotar o ICNF de pessoas e do pessoal necessário para ir para as áreas protegidas. Relembro-lhe o bater de pé que Os Verdes fizeram ao nível do Orçamento do Estado para a contratação de mais 50 vigilantes da natureza! É que, de facto, o número de vigilantes da natureza — são os próprios a dizê-lo — é uma absoluta vergonha, no sentido em que gera ineficácia no terreno, não, evidentemente, por incompetência daqueles que lá estão, mas pela escassez, pela não existência daqueles que lá não estão. Se tivermos em conta que, nos últimos 15 anos, o número de vigilantes da natureza caiu 50%, temos bem uma noção do que andámos a fazer ao nosso território dito protegido, classificado, mas que, na verdade, conheceu um estatuto real de desproteção, através deste desinvestimento sucessivo.
Sr. Ministro, há outra coisa que aqui não foi referida: a Estratégia Nacional da Conservação da Natureza e da Biodiversidade. Como é que é? Em que estado é que isso está? Ora, um país que não está dotado de uma Estratégia Nacional da Conservação da Natureza e da Biodiversidade tem que se lhe diga! É que, de facto, isto está tudo a ser secundarizado e não pode ser, porque, quando falamos de biodiversidade, falamos, designadamente, de serviços prestados às sociedades humanas, e muitas pessoas nem pensam no valor que eles têm. Quando falamos, por exemplo, de regulação de clima, de regulação de cheias e por aí fora, muitas pessoas não têm sequer a perceção da importância, do valor daquilo que está em causa ao nível da biodiversidade e também, designadamente, ao nível da conservação da natureza e das áreas protegidas.
É por isso, Sr. Ministro, que devemos dar, nesta Legislatura, uma grande prioridade a esta matéria. Mais uma vez, o apelo que Os Verdes aqui fazem é para que esta matéria seja legislada na Assembleia da República.
Sr. Ministro — e vou terminar, Sr. Presidente —, já ouviu Os Verdes dizerem isto inúmeras vezes: a conceção puramente conservacionista da biodiversidade, da conservação da natureza, está totalmente errada desde os anos oitenta do século passado! De facto, o envolvimento das populações nas áreas protegidas é fundamental para a própria valorização da biodiversidade. O Sr. Ministro acha que defendemos algum modelo autoritário para as áreas protegidas que ponha de parte as populações, as comunidades locais, os agentes locais, os autarcas?! Não, claro que não! Uma coisa é envolver, é participar, é chamar à participação colaborativa e outra coisa é municipalizar.