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Início - Grupo Parlamentar - XIII Legislatura 2015/2019 - Intervenções na Ar (Escritas)
 
 
Intervenções na Ar (Escritas)
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14/06/2019
Debate sobre a cobrança de taxa moderadora - DAR-I-96/4ª
Intervenção do Deputado José Luís Ferreira - Assembleia da República, 14 de junho de 2019

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Serviço Nacional de Saúde emanou de Abril num momento em que o País saía de uma vida difícil de sujeição e de escuridão, cuja maioria da população não conhecia, nem sequer sabia, o que eram cuidados médicos regulares.

A Constituição da República Portuguesa de 1976, em sintonia, aliás, com o espírito daquela madrugada de Abril, não só consagrou o direito à saúde para todos os portugueses, como incluiu este direito no elenco dos direitos fundamentais, determinando o seu acesso universal e gratuito, permitindo, assim, um avanço sem precedentes no País em matéria de cuidados de saúde. No entanto, com a revisão constitucional de 1989, a natureza gratuita do Serviço Nacional de Saúde deu lugar à expressão «tendencialmente gratuito».

Ora, esta viragem, que representou, além disso, um retrocesso social, viria abrir as portas à imposição de taxas no acesso aos cuidados de saúde, com recurso, aliás, a argumentos que, na verdade, são absolutamente desprovidos de qualquer suporte real, como seja a ideia de que a sua aplicação iria moderar a procura dos serviços de saúde. Sucede, como todos já percebemos, que as taxas moderadoras na saúde nada moderam.
O que fazem é contribuir para impedir o acesso dos portugueses aos cuidados de saúde, o acesso dos portugueses a um direito com relevância constitucional.

Não estranha, por isso, que Os Verdes desde sempre se tenham oposto à imposição deste expediente, e a razão é simples: consideramos que um cidadão doente, em situação de aflição ou de profundo mal-estar, em risco de vida ou temendo pela sua própria vida, quando toma a decisão de recorrer ao Serviço Nacional de Saúde, deve fazê-lo de forma livre, pois está confrontado com o anseio de se tratar ou de se cuidar. Portanto, o que se verifica é que as taxas moderadoras, simplesmente, nada moderam. Em rigor, nada moderam.

Acresce, ainda, que, ao longo dos anos, as políticas dos sucessivos Governos para a área da saúde foram marcadas por um forte e contínuo desinvestimento orçamental, que levou ao encerramento de serviços e de especialidades hospitalares, de extensões e de unidades de cuidados primários de saúde, com particular incidência nos territórios do interior do País, aumentando as desigualdades sociais no acesso e na utilização de cuidados de saúde.

Por outro lado, como todos sabemos, são vários os estudos, nacionais e internacionais, que revelam a necessidade de remover os obstáculos financeiros no acesso aos cuidados de saúde no nosso País, de que é exemplo o Relatório de Primavera 2017, elaborado pelo Observatório Português dos Sistemas de Saúde, que, nas conclusões do capítulo 4, relativo à equidade nos cuidados de saúde, refere de forma muito clara e expressamente que as barreiras no acesso aos cuidados de saúde permanecem em Portugal, sobretudo marcadas do ponto de vista socioeconómico.

Aliás, Os Verdes já o referiram e tornam a recordar que as taxas moderadoras passaram a ser uma verdadeira taxa de utilização. Ou seja, o utente, que já financia com os seus impostos o Serviço Nacional de Saúde, quando necessita de recorrer aos serviços de saúde que o Estado deveria assegurar, volta a pagar esse serviço, o que é claramente lesivo para os frágeis orçamentos familiares, que têm de suportar ainda as despesas com os medicamentos e com os restantes tratamentos.

Se é verdade que no novo quadro parlamentar foram já tomadas algumas medidas, como a reposição de várias isenções e as reduções dos valores das taxas moderadoras, também é verdade que estas melhorias são ainda insuficientes e, na perspetiva de Os Verdes, é absolutamente indispensável proceder a uma aproximação aos preceitos constitucionais que elevaram o direito à proteção da saúde como um direito fundamental.

Para além de tudo isto, o que nos parece é que o País não pode continuar indiferente ao apelo da própria Organização Mundial da Saúde, que aponta para a necessidade de remover obstáculos económico-financeiros no acesso aos cuidados de saúde, ou seja, a necessidade de reduzir os condicionalismos que possam impedir os cidadãos de aceder ao direito à saúde, nomeadamente através da revogação das taxas moderadoras, que é um imperativo de uma verdadeira política de proteção e de salvaguarda da saúde dos portugueses. Foram, aliás, estes os motivos que levaram Os Verdes a apresentar, há mais de um ano, um projeto de lei no sentido de proceder à revogação das taxas moderadoras.

Portanto, pelos mesmos motivos, acompanhamos esta iniciativa legislativa do Bloco de Esquerda, ainda que a mesma limite a sua abrangência, já que apenas prevê a dispensa da taxa moderadora nos cuidados de saúde primários e nas demais prestações de saúde quando a origem de referenciação para essas mesmas prestações for o Serviço Nacional de Saúde. Ainda assim, esta proposta representa, a nosso ver, um contributo importante na remoção de obstáculos relativamente ao acesso dos portugueses aos cuidados de saúde.
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