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Intervenções na Ar (Escritas)
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17/03/2017
Debate sobre o CETA (Comprehensive Economic and Trade Agreement) (DAR-I-65/2ª)
1ª Intervenção

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por dizer à Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Europeus que temos leituras diferentes sobre as vantagens do CETA para o nosso País. E não é só por se tratar de um acordo escondido, quase secreto e que foi negociado na clandestinidade, longe dos olhares dos cidadãos e nas costas dos europeus. É, sobretudo, por aquilo que este secretismo representa. Isto porque a falta de transparência do processo negocial mostra-nos que este Acordo não é nada bom para os cidadãos, porque se fosse não havia necessidade de o esconder. Esconde-se porque é mau — isto parece-me óbvio.

Portanto, não é difícil perceber que aquilo que se pretende com o CETA é cristalizar modelos económicos pouco compatíveis com o progresso social e com o desenvolvimento sustentável dos povos. O que interessa é não perturbar a expetativa de lucro das multinacionais, custe o que custar. Aliás, não estranhará que, no futuro, o nosso País possa vir a ser levado a tribunal por ter decidido aumentar o salário mínimo nacional, porque uma qualquer multinacional entende que essa medida perturbou a sua expetativa de lucro. E não será nos tribunais do Estado mas em tribunais arbitrais, como as multinacionais muito gostam. Infelizmente, não estamos a falar de ficção, estamos a falar de factos que já ocorreram com acordos de semelhante natureza.

Da mesma forma, não será ficção se o Governo português decidir tomar medidas antitabaco, por exemplo, e se vier uma multinacional do tabaco alegar que essa medida perturbou a sua expetativa de lucro e, portanto, intenta uma ação judicial contra o Estado português exigindo milhões, tal como aconteceu com o Estado do Uruguai ou da Austrália.

Portanto, o CETA apenas procura dar resposta às exigências das multinacionais, seja através da remoção de barreiras regulatórias, seja através da redução dos padrões de exigência e de regulamentação em áreas como a agricultura ou abolindo as restrições aos organismos geneticamente modificados, criando novos mercados como o mercado da água ou o da saúde e entregando os serviços públicos ao voraz apetite das multinacionais.
O que se pretende é mais liberalização e menos proteção social. Aquilo que constatamos é que o poder económico está a preparar-se para, definitivamente, dar ordens ao poder político, porque é disto que se trata.

Sr.ª Secretária de Estado, o Parlamento Europeu aprovou o CETA, sob fortes protestos por toda a Europa. Agora, seguem-se os respetivos processos de ratificação, mas a Comissão Europeia pretende fazer entrar em vigor uma parte significativa do Acordo, mesmo antes de os Parlamentos dos Estados-membros se pronunciarem sobre a respetiva ratificação. Isto é uma coisa inédita, do ponto de vista de tratados internacionais. O tratado entra em vigor antes dos processos de ratificação dos Estados-membros. Ora, isto parece-nos absolutamente inaceitável e inacreditável.

Interessava saber qual foi a posição do Governo português nesta pretensão da Comissão Europeia, mas interessava também saber o que é que acontecerá às matérias que vão entrar em vigor antes dos processos de ratificação, se, depois, o Acordo não chegar a entrar em vigor porque um Estado decidiu recusar a sua ratificação, como acho que o Parlamento português deveria fazer. O que é que vai acontecer a essas matérias que vão entrar agora em vigor provisoriamente, se depois um Estado não ratificar o Acordo, portanto se o mesmo não entrar em vigor?

Já agora, qual é o tribunal competente para os litígios que se venham a verificar antes da entrada em vigor definitiva do tratado? Já que ele vai entrar parcialmente em vigor, interessava saber, antes da entrada em vigor efetiva, qual é o tribunal competente em caso de litígios.

2ª Intervenção

Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Europeus: Continuamos sem perceber as razões que levam a Europa a entregar às grandes multinacionais um alargado conjunto de direitos e privilégios sem quaisquer contrapartidas.

Talvez por isso estes mecanismos de proteção de investimento já tenham sido apelidados, e com toda a propriedade, diga-se, de «arquitetura da impunidade». De facto, é disto que se trata, porque as multinacionais vão poder processar os Estados se estes tomarem decisões que comprometam a expectativa dos seus lucros.

Ora, isto significa que a preocupação dos Estados deixa de ser o interesse das populações, deixa de ser o interesse público, porque, em primeiro lugar, é preciso não perturbar os lucros das multinacionais. Isto é absolutamente inadmissível!

Por isso mesmo, Os Verdes aproveitam para anunciar que pretendem apresentar uma iniciativa legislativa no sentido de que Portugal venha a rejeitar o CETA.

Mas, Sr.ª Secretária de Estado, no quadro do CETA, a Comissão Europeia lançou uma consulta pública sobre o estabelecimento do chamado «Tribunal Multilateral de Investimento». Este tribunal, o MIC (Multilateral Investment Court), é assumido como uma instância permanente para decidir disputas de investimento e, apesar de pretender substituir os controversos mecanismos do ISDS ou do ICS, os aspetos mais gravosos vão manter-se, não resolvendo os problemas relacionados com a proteção desmesurada às multinacionais, em detrimento da democracia, dos direitos dos cidadãos, do desenvolvimento, da sustentabilidade, mas também da sobrevivência das nossas micro, pequenas e médias empresas.

Esta dita «consulta pública» decorreu até esta semana; no entanto, o texto apenas estava disponível em inglês. Ora, consideramos completamente errada e até inaceitável esta forma de proceder a consultas públicas, não só porque são muito restritivas, mas, sobretudo, porque contrariam os princípios que devem nortear um processo desta natureza e que são, aliás, pouco compatíveis com as regras democráticas.

Sr.ª Secretária de Estado, em bom rigor, podemos chamar «consulta pública» àquilo que se passou relativamente ao nível do MIC? Aquilo mais parece uma palhaçada!

Já agora, Sr.ª Secretária de Estado, também pergunto se houve, da parte do Governo, alguma divulgação desta consulta pública junto dos cidadãos e das organizações.

A Sr.ª Secretária de Estado falou na transparência deste processo e até disse que as negociações começaram em 2009. Aquilo que queremos saber é o seguinte: se essa negociação começou em 2009, quando é que os cidadãos europeus tomaram conhecimento? Quando é que a Comissão Europeia tornou pública essa negociação?

Como eu estava a dizer, ao nível dos acordos de livre comércio, temos muitos exemplos de casos onde os Estados foram obrigados a indemnizar as multinacionais em milhões e milhões de euros.

Aquilo que gostaria de saber era se a Sr.ª Secretária de Estado tem conhecimento de alguma decisão judicial que obrigasse alguma multinacional a indemnizar algum dos Estados.
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