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28/03/2018 |
Debate sobre o relatório da Comissão Técnica Independente para a análise dos incêndios que ocorreram entre 14 e 16 de outubro de 2017 - DAR-I-65/3ª |
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Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia - Assembleia da República, 28 de março de 2018
1ª Intervenção
Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro da Administração Interna, se me permite, vou começar por saudar, em nome do Grupo Parlamentar de Os Verdes, todos os membros da Comissão Técnica Independente pelo árduo trabalho que realizaram num tão curto espaço de tempo, produzindo um documento que julgo que tem uma importância relevantíssima para o País e, especificamente, também para a Assembleia da República.
Este Relatório junta-se a um conjunto de relatórios de que a Assembleia da República já dispõe e que têm necessariamente de nos fazer refletir, debater, propor e agir, certamente.
Srs. Membros do Governo e Srs. Ministros em particular, Os Verdes consideram que todos temos de trabalhar para que as tragédias que ocorreram no ano de 2017 não voltem a acontecer.
Não estivemos parados até agora. Neste sentido — e não vou referir outras componentes, das quais, depois, terei oportunidade de falar na minha intervenção final —, a partir de três propostas concretas que Os Verdes apresentaram na Assembleia da República, foi publicada a Resolução da Assembleia da República n.º 9/2018, de 15 de janeiro, que recomenda ao Governo o lançamento de um programa de autoproteção que promova campanhas de informação e sensibilização sobre como agir em caso de incêndio florestal. Esta é uma questão que está bem plasmada no Relatório sobre os incêndios de Pedrógão e para a qual volta a ser chamada à atenção neste Relatório.
Nessa Resolução também se exortava o Governo a lançar, ao nível local, regional e nacional, um programa com medidas adequadas para garantir a autoproteção das populações e a promover uma campanha de formação e sensibilização dos cidadãos sobre como agir em caso de incêndio, sendo que está referida expressamente a necessidade de testar o programa através de simulacros.
Por outro lado, nessa Resolução também é recomendado ao Governo que lance campanhas de sensibilização, estratégicas e de proximidade, destinadas à prevenção de ignições resultantes de ações negligentes — questão que foi salientada no Relatório em discussão, onde se pode ler que as queimadas têm uma responsabilidade bastante significativa ao nível das ignições — e que determine a promoção de uma ampla divulgação dos conteúdos essenciais destes programas e destas campanhas, em cooperação com os órgãos de comunicação social.
Srs. Membros do Governo, estamos no final de março. Impõe-se perguntar: o que está o Governo a fazer em concreto para cumprir a Resolução aprovada na Assembleia da República? É que não tarda estamos no verão.
A questão do lançamento deste programa e desta campanha relativamente às matérias de autoproteção é, na perspetiva de Os Verdes, fundamental.
Na página 198 do Relatório, há uma questão muito interessante — e para a qual Os Verdes têm chamado recorrentemente à atenção — que se prende com um histórico do desmantelamento da estrutura da gestão das políticas para a floresta, designadamente desde meados e finais dos anos 90. É salientado o desmantelamento do Instituto Florestal, a transferência do corpo da Guarda Florestal e da gestão da Rede Nacional de Postos de Vigia para a GNR, a instabilidade organizativa com sucessivas reestruturações, muito planeamento sem correspondentes meios disponíveis e capacidade de implementação, redução substancial de funcionários do quadro da entidade florestal. Enfim, trata-se de um conjunto de medidas permanentemente tomadas que falharam na estabilidade orgânica e nas condições de funcionamento dessa orgânica.
É por isso que, dando passos em frente, Os Verdes, tendo em conta esta realidade, querem perguntar o seguinte: como é que vamos dotar, doravante, o ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas) de investimento e de pessoal adequado para agir no terreno? Este é um Instituto que, de facto, tem estado votado a uma suborçamentação constante por parte de sucessivos governos. Já se percebeu que assim não vamos lá e já se percebeu que precisamos de pessoal treinado, formado, em número suficiente para agir efetivamente.
Srs. Ministros, como temos recebido queixas no terreno, pergunto também: que apoio psicológico está a ser prestado aos bombeiros, que são as pessoas a quem vamos pedir serviço no próximo verão? Que apoio efetivo está a ser dado a estes bombeiros, a estes heróis nacionais que andamos permanentemente a saudar, e bem, mas aos quais temos de dar condições de ação?
Tinha mais perguntas para colocar mas ficarão, certamente, para a minha intervenção final.
2ª Intervenção
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Ministros: Solicito que, na intervenção final, possam responder a uma pergunta que Os Verdes colocaram, e que acabou por não ser respondida, que tem a ver com a questão do apoio psicológico aos bombeiros.
Os Verdes já fizeram esta pergunta por escrito, mas o Governo não respondeu.
Voltamos a fazer esta pergunta e garanto, Srs. Ministros, que, se não responderem hoje, nalguma circunstância terão de responder, porque estamos a receber queixas concretas, no terreno, e queremos dar respostas às pessoas. Precisamos de resposta e, fundamentalmente, de soluções por parte do Governo.
Por outro lado, e baseando-me também num relatório e naquilo que já temos dito aqui tantas vezes, há causas estruturais que contribuem para a dimensão imensa dos fogos florestais. O abandono do mundo rural é uma delas.
Diz o Relatório que estamos perante um território massacrado, nas últimas décadas, pelo despovoamento, pelo envelhecimento da população residente, pelo esvaziamento de atividades económicas e acrescentamos que, com grande responsabilidade de anteriores governos, pelo encerramento de serviços públicos, que muito contribuíram para este despovoamento e para este abandono político do mundo rural.
Para esse abandono também contribuiu o programa de desenvolvimento rural no período de 2007 a 2013. Comparando com o período de 2014 a 2020, verificou-se uma descida de 270 milhões de euros, uma quebra de cerca de 25% do financiamento destinado às medidas para a floresta. Esta repartição de fundos para medidas florestais do PDR (Programa de Desenvolvimento Rural) veio acentuar também desequilíbrios regionais e veio prejudicar as áreas de pequena propriedade.
Mais: a política florestal foi de tal ordem que, ao longo dos anos, as celuloses tomaram conta da floresta e os pequenos proprietários ficaram dependentes, em termos de rentabilidade, dessas celuloses. Depois, foi aquilo que se viu.
Passo, então, para o segundo problema estrutural, que tem a ver, justamente, com os povoamentos e as espécies florestais.
Há aqui quem insista, permanentemente, em dizer que estas espécies florestais em nada — nada! — têm a ver com a dimensão dos fogos florestais. Ainda há pouco, achei graça — sem ter graça nenhuma, evidentemente — à intervenção da Sr.ª Deputada Patrícia Fonseca, que só leu a primeira linha e não quis ler mais nada da página 72 do Relatório! É que a Sr.ª Deputada estava a aludir a uma referência que o Relatório faz a um estudo de 2006, e se tivesse lido mais algumas linhas tinha lido no Relatório que a propagação dos incêndios pode ser limitada por alterações do tipo de vegetação. Está a ver, Sr.ª Deputada, não bastava já o Relatório de Pedrógão dizer o que diz que este acrescenta mais qualquer coisa, mas a Sr.ª Deputada insiste em dizer que não tem rigorosamente nada a ver com isso!
Tem! Se 90% do que ardeu era pinheiro bravo e eucalipto, então temos de perceber alguma coisa. Veja bem, nunca ouviu, nesta Casa, Os Verdes dizerem que só o eucalipto é que arde. Mas o facto para o qual chamamos a atenção é que as imensas monoculturas de eucalipto têm responsabilidade, evidentemente, na dimensão que atingem os fogos florestais. É também disso que estamos a falar.
Portanto, Sr.as e Srs. Deputados, já aqui se falou da questão das alterações climáticas. Podemos vir aqui, todos os anos, dizer que estamos perante fenómenos de extremos climáticos, com furacões com os nomes que lhes quisermos dar, com verões secos, com carência de humidade, enfim, podemos vir falar, sempre, recorrentemente, desta matéria, mas já sabemos que vai ser assim. Temos de nos preparar para o pior, porque as alterações climáticas estão aí! Temos uma responsabilidade de mitigação das alterações climáticas, mas também de adaptação às alterações climáticas, e as espécies florestais, os povoamentos florestais não ficam de fora nesta matéria. Para criar resistência às florestas não podemos continuar a expandir o eucalipto e as monoculturas de eucalipto, como tem sido feito. E é por isso que Os Verdes tanto batalharam, nesta Casa, para revogar aquilo que o PSD e o CDS tinham insistido em aprovar e impor, que era, justamente, a liberalização do eucalipto através do regime de arborização e rearborização. Era um passo que tinha, necessariamente, de ser dado.
Mesmo para terminar, Sr. Presidente, atenção à comunicação do Governo. O modelo não pode ser o de apoiar o mínimo possível aqueles que foram vitimizados pelos incêndios florestais e, agora, abater o máximo de árvores possível. O que tem de ser feito tem de o ser com conta, peso e medida das necessidades. O Governo tem de pensar em reabrir períodos de candidatura e agir nesse sentido.
Por outro lado, Sr.as e Srs. Deputados — e mesmo para terminar —, é preciso prevenir adequadamente e apoiar adequadamente.
Sr. Presidente, muito obrigada pela sua tolerância no uso do tempo.