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29/04/2016 |
Debate temático sobre o sistema financeiro e controlo público da banca |
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Intervenção do Deputado José Luís Ferreira - Assembleia da República, 29 de abril de 2016
1ª Intervenção
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, de facto, o CDS pode bem falar de compromissos eleitorais e, depois, daquilo que fez para a frente, com o Governo de que fez parte.
Sr. Secretário de Estado, não vivemos apenas tempos difíceis, vivemos também tempos estranhos. Tempos estranhos à moral, tempos estranhos à justiça e tempos estranhos aos próprios princípios do Estado de direito democrático. Vivemos num tempo em que aceitamos, quase com resignação, como se fosse natural, este triste cenário: enquanto os bancos dão lucro, os acionistas dividem em silêncio os respetivos dividendos. Sem ninguém os ouvir, repartem o bolo dos lucros, mas quando a coisa corre mal, quando os bancos dão prejuízo, o Estado obriga os contribuintes a tapar os buracos criados pelos banqueiros. Ora isto é absolutamente inaceitável.
Bem sabemos que os problemas maiores do Novo Banco são consequência da resolução que foi mal feita pelo Governo anterior — só no Novo Banco e só de forma direta temos encaixados 3900 milhões de euros públicos — e bem sabemos que se o Governo do PSD e do CDS não tivesse adiado e empurrado para o futuro o problema do BANIF certamente que este não teria a dimensão que tem e não custaria aquilo que está a custar aos contribuintes.
Mas a verdade é esta: primeiro foi o BPN, depois foi o BES e depois foi o BANIF. E a questão não é saber qual vai ser o próximo, a questão é saber quantos mais casos são necessários, quantos mais milhões de euros terá o Estado português de injetar e quantos mais milhões de euros será necessário exigir aos contribuintes para que se tomem medidas efetivas com vista a evitar desastres desta dimensão e desta natureza.
O que mais será necessário que aconteça para se perceber que é mesmo um imperativo travar esta injustiça e colocar definitivamente este importante fator de desenvolvimento do País ao serviço do interesse público, ao serviço da nossa economia e ao serviço das famílias? O que mais terá ainda de acontecer para se proceder a uma inversão na forma como se olha para a banca?
Sr. Secretário de Estado, na nossa perspetiva, a venda do Novo Banco, se vier a ocorrer, significará um novo BANIF ou um novo BPN, porque vender terá sempre graves prejuízos para os contribuintes. Portanto, a melhor solução, na nossa perspetiva, seria que o Estado detivesse o controlo público do Novo Banco. Aliás, a venda não resolverá o problema, a venda apenas adiará e certamente agravará o problema. Seria mais um empurrão para a concentração bancária nas mãos de grupos estrangeiros e nem sequer resolveria o problema dos despedimentos, já anunciados pela atual administração, e com a respetiva perda de postos de trabalho. Além disso, afastará ainda qualquer possibilidade de este Banco poder vir a representar um contributo para o desenvolvimento económico do País, ficando sob o controlo público do Estado português.
Sabemos que o Governo mantém uma atitude aberta perante todas as soluções que existem e a decisão terá, como critério fundamental, a que melhor proteger os contribuintes. Estas foram as palavras usadas pelo Sr. Primeiro-Ministro no debate quinzenal de dia 30 de março e, de certa forma, também ontem confirmadas, e eu queria que o Sr. Secretário de Estado nos confirmasse esta presunção: estas palavras significam que o Governo não exclui a possibilidade de o Novo Banco ficar nas mãos do Estado? Queria saber se o Sr. Secretário de Estado nos pode confirmar esta presunção.
Quanto à Caixa Geral de Depósitos, ficámos a saber que o Governo está decidido a canalizar esforços para que a Caixa Geral de Depósitos seja 100% pública, mas tenho uma questão sobre offshore para lhe colocar, que, aliás, já foi aqui colocada, mas noutra perspetiva.
Sr. Secretário de Estado, queria que nos dissesse se o Governo tem conhecimento de eventuais aplicações de instituições públicas em offshore. E, se tem conhecimento, de que estamos a falar? Se não tem, importava também saber que diligências é que o Governo já promoveu ou pondera promover, no sentido de obter essa informação, isto é, de virmos a saber se, de facto, há aplicações de instituições públicas em offshore.
2ª Intervenção
Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Se olharmos para o que foi a nossa história recente, percebemos que as decisões de vários Governos em entregar a banca aos privados foram um erro colossal.
De facto, a privatização do sector financeiro destruiu valor e fez desaparecer riqueza, que era de todos. Foi um «fartote» para engordar fortunas de uns poucos, ao mesmo tempo que representou volumosos prejuízos acumulados para o Estado e para as famílias portuguesas.
E hoje, ironia das ironias, são os portugueses, os reformados, os trabalhadores, os desempregados e o Estado social que são chamados a pagar a fatura para acudir a um sector que, literalmente, se demitiu da responsabilidade de potenciar a economia e de ajudar as famílias.
A brincar, a brincar, já lá vão 12 000 milhões de euros. Vou repetir: só nos últimos cinco anos, o Estado colocou na banca mais de 12 000 milhões de euros. Isto quando todos sabemos que não foram, e não são, os custos com as funções sociais do Estado nem com os serviços públicos, muito menos os contribuintes, os responsáveis pelo endividamento dos Estados, mas, sim, o sistema financeiro.
Se dúvidas houvesse, a crise que se abateu sobre nós a partir de 2008 dissiparia quaisquer dúvidas sobre a dimensão do erro em alienar a banca. Mas os resultados estão aí: transferências milionárias de verbas do sector produtivo para a especulação financeira; canalização do dinheiro dos depositantes para a cedência de créditos às empresas dos próprios grupos bancários, tantas vezes sem qualquer garantia de retorno; e, por fim, a distribuição de volumosas somas em dividendos pelos respetivos acionistas. É muito dinheiro, são muitos milhões que faziam falta à nossa economia, ao nosso aparelho produtivo e que até hoje ninguém sabe onde para, ninguém sabe por onde anda.
Talvez algum, talvez muito tenha sido entregue a qualquer escritório do Panamá. Talvez ande por aí, num qualquer paraíso fiscal perto de si. Não sabemos.
O que sabemos é que não está onde fazia falta, onde deveria estar para contribuir para o nosso desenvolvimento, para contribuir para melhorar as condições de vida dos portugueses, ou seja, no sector produtivo português. Mas os erros do passado podem ser úteis se com eles aprendermos a evitar outros erros.
Como o tempo mostrou, a conversa da necessidade de robustez da banca nacional e da sua capitalização, que, em rigor, acaba por ser a capitalização dos megabancos europeus que dela se apropriam depois de devidamente limpa de todos os sintomas tóxicos, não passa de um pretexto para que tudo fique na mesma: a afundar e o contribuinte a pagar.
A tudo isto acresce, ainda, o papel do Banco Central Europeu. De facto, a estratégia do BCE, de criação de uma rede de alguns — poucos, mas grandes — bancos na zona euro é indiscutivelmente contrária aos interesses do nosso País, uma vez que reduzirá ao mínimo os sistemas bancários nacionais.
E não foi por acaso que a crise das dívidas públicas se sentiu sobretudo na zona euro. Os Estados da zona euro ficaram completamente reféns dos mercados, com a cumplicidade do BCE e com a indisponibilidade para os países se financiarem junto dele.
É, portanto, tempo de interromper o domínio da especulação financeira.
É tempo de direcionar recursos para a nossa economia, para investir na nossa produção, para criar riqueza e postos de trabalho.
É tempo de a banca deixar de constituir uma atividade que apenas serve para engordar os lucros de uns poucos e passar a estar ao serviço do País e do seu desenvolvimento, de potenciar o combate às assimetrias regionais e de ser um elemento construtivo para a justiça social.
É tempo de travar a monstruosidade moral que representa obrigar os contribuintes a tapar o buraco provocado pelos banqueiros e a pagar a irresponsabilidade dos mesmos.
E isso só é possível com o reforço e a recuperação do controlo público da banca.