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21/02/2018 |
Declaração política contra a decisão do Governo espanhol pelo licenciamento de exploração da mina de urânio em Retortillo- DAR-I-50/3ª |
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Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia - Assembleia da República, 21 de fevereiro de 2018
Declaração política
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje, na Comissão de Ambiente, o Sr. Ministro do Ambiente foi questionado sobre diversas matérias, designadamente sobre a exploração mineira de urânio em Retortillo, Salamanca, e sobre os seus impactos em Portugal.
Sr.as e Srs. Deputados, é de radioatividade que estamos a falar, de um projeto que se encontra a cerca de 30 km da fronteira portuguesa, com impacto direto no nosso território, designadamente sobre o rio Douro.
Ora, Sr.as e Srs. Deputados, subo hoje, em nome de Os Verdes, a esta tribuna, depois desta reunião da Comissão, e depois de ouvir as respostas do Sr. Ministro do Ambiente, para fazer um apelo a todos os grupos parlamentares. O apelo é no sentido de aprovem o projeto de resolução de Os Verdes, agendado para o próximo dia 16 de março, que exorta o Governo a tomar diligências para, junto do Governo espanhol, travar o processo para exploração de urânio em Retortillo, junto à nossa fronteira, com efeitos ambientais significativos para o nosso País, tendo em conta que não houve avaliação de impactos transfronteiriços.
Sr.as e Srs. Deputados, permitam-me salientar alguns aspetos do historial relativamente a esta matéria.
O processo iniciou-se em 2011, a empresa Berkeley apresentou um projeto para instalação da exploração de mina de urânio a céu aberto, com uma unidade de reprocessamento de urânio, com cemitério de resíduos radioativos.
Tendo tomado conhecimento do processo, Os Verdes puseram-se no terreno relativamente a esta matéria e, em 2013, trouxeram-na expressamente à Assembleia da República, colocando uma pergunta ao Governo sobre a matéria, à qual o Governo respondeu que não existia informação nem na Agência Portuguesa do Ambiente (APA), nem na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC) referente ao projeto a instalar em Retortillo.
Sr.as e Srs. Deputados, nesta altura já a avaliação de impacto ambiental estava a decorrer e com a declaração de impacte ambiental praticamente a ser emitida, como o foi, favoravelmente, em final de 2013.
Em 2014, Os Verdes fizeram uma deslocação ao local onde estava prevista a instalação do referido projeto e, juntamente com o partido congénere espanhol, EQUO, apresentámos uma queixa à União Europeia, alegando, nomeadamente, não ter havido avaliação de impactos transfronteiriços e também relativamente ao impacto desse projeto na Rede Natura 2000, em Espanha.
Em 2017, a União Europeia acabou por abrir uma investigação relativamente a esta componente de impacto sobre a Rede Natura 2000, mas não se pronunciou quanto à ausência de avaliação de impactos transfronteiriços.
Em 2015, Os Verdes voltam a questionar o Governo. Na resposta foi percetível que existia ainda um desconhecimento profundo do projeto, pese embora os alertas que Os Verdes já tinham dado e também a emissão de declaração de impacte ambiental, ia já para dois anos. Sempre a mesma conversa: «Estamos a aguardar informação».
Em 2016, em resposta a outra pergunta de Os Verdes, o Governo, concretamente o Ministério do Ambiente, respondeu, reconhecendo haver impactos sobre Portugal relativamente ao projeto em causa, reiterando a deficiente informação que obteve sobre o projeto e dizendo que tinha intenção de abrir uma consulta pública em Portugal, assim que chegasse a informação.
Em 2017, Os Verdes continuaram a pedir informações e respostas ao Governo aqui, na Assembleia da República, através de perguntas escritas e, inclusive, num debate quinzenal com o Sr. Primeiro-Ministro.
Em 2018, particularmente hoje, é percetível que o Governo português continua, serenamente, a aguardar informação de Espanha para aferir dos impactos do projeto sobre Portugal.
A verdade, Sr.as e Srs. Deputados, é que aqui está a colocar-se a mesma questão que já tivemos, várias vezes, oportunidade de debater relativamente à questão de Almaraz, àquela central nuclear absolutamente obsoleta e que já devia ter encerrado em 2010.
O Governo considera que tem o direito de ser informado, coloca-se numa atitude passiva — não apenas este Governo, também o Governo anterior —, mas Os Verdes consideram que esta não é a atitude correta por parte do Governo. O Governo tem de ter uma atitude proativa e tem de exigir o seu direito a participar na avaliação de impacto ambiental, tendo em conta a componente dos impactos transfronteiriços.
É por isso, Sr.as e Srs. Deputados, que Os Verdes apelam à aprovação do projeto de resolução que agendámos para o próximo dia 16 de março, porque a não existência de uma avaliação de impacto ambiental transfronteiriço tornou o processo completamente desconforme para avançar seja por que via for e porque, Sr.as e Srs. Deputados, há uma violação clara do protocolo de atuação entre o Governo português e o Governo de Espanha na aplicação das avaliações ambientais de planos, programas e projetos com efeitos transfronteiriços.
Resposta a pedidos de esclarecimento
Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Emília Cerqueira, do PSD, não quero dizer que a Sr.ª Deputada não tem legitimidade para dizer o que quer que seja, como é evidente. Quem sou eu para lhe retirar essa legitimidade!? Mas devia ter algum embaraço quando fala da questão da passividade do Governo, porque, então, o qualificativo que utiliza em relação ao atual Governo, com o que concordo, tem de ser alargado ao anterior Governo, com o que também concordo.
Não é verdade, diz a Sr.ª Deputada.
Na minha declaração política, fiz um historial sobre a forma como Os Verdes questionaram, no Parlamento, os diversos Governos e o que nos disse o seu Governo foi, serenamente: «Não temos nenhuma informação sobre a matéria». Mas a Sr.ª Deputada, na altura, não se alertou. Sabe porquê? Porque a sua mobilização é feita em função dos autores e não das causas concretas. É isso que lhe retira legitimidade e credibilidade, Sr.ª Deputada.
O Sr. Deputado Pedro Soares, do BE, pergunta-me que medida é que a Assembleia da República pode tomar de forma consensual para exigir do Governo ação relativamente a esta matéria. Digo-lhe, como referi há pouco da tribuna, que uma das medidas que acho que a Assembleia da República deve tomar a curto prazo é justamente a aprovação do projeto de resolução de Os Verdes que está agendado para o dia 16 de março, para que, de uma forma unânime, esta Assembleia apele a uma mobilização do Governo junto do Governo espanhol no sentido de que aquele projeto da exploração mineira de urânio em Retortillo não avance, tendo em conta, designadamente, que não houve avaliação de impactos transfronteiriços.
A Sr.ª Deputada do CDS-PP Patrícia Fonseca pergunta-me também o que é que vamos fazer perante o Governo.
Já agora, aproveito para fazer uma retificação: não faço parte da solução governativa. Faço parte da Assembleia da República, tal como a Sr.ª Deputada.
Os Verdes trazem uma proposta à Assembleia da República para uma ação concreta, para exortar o Governo à ação, e espero que a Sr.ª Deputada vote a favor desse projeto de resolução. Espero que tenha ouvido o historial que referi na declaração política que proferi na tribuna.
Sr. Deputado do PCP Miguel Tiago, também concordamos que o Governo deve envidar todos os esforços junto do Governo espanhol para intervir relativamente a esta matéria. Quero dizer-lhe, Sr. Deputado, claramente, que o protocolo de 2008 relativamente à avaliação dos impactos transfronteiriços foi violado! Não podemos deixar de ter isso em conta.
Se me disserem «mas Espanha é soberana nas suas decisões relativamente à exploração dos seus recursos, à sua política energética», tenho de responder que também somos soberanos, e justamente por isso é que não podemos levar, de forma silenciosa, impávidos e serenos, com os impactos das decisões de ordem ambiental que o Governo espanhol toma. Se têm impacto transfronteiriço, devemos ter uma palavra a dizer, designadamente quanto à avaliação desses impactos.
Por outro lado, Sr. Deputado Santinho Pacheco, do PS, dou-lhe razão numa questão que levanta e que me parece muito importante. Disse na minha declaração política como é que Os Verdes se mobilizaram desde a tomada de conhecimento do projeto quer na Assembleia da República, quer fora dela.
É verdade que o Município de Almeida também alertou para essa matéria muitas vezes, de forma muito veemente, o Governo anterior. É verdade, Sr. Deputado, que àquela gente retiraram tudo, retiraram serviços públicos fundamentais, dinâmica regional; não lhe retirem agora nem a natureza, nem a saúde.