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23/03/2012 |
Declaração política da Deputada Heloísa Apolónia sobre greve geral e dia mundial da água |
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Declaração política da Deputada Heloísa Apolónia sobre greve geral e dia mundial da água
22 de março de 2012
Sra Presidente
Sras e Srs Deputados
Assinala-se hoje o dia mundial da água. No mesmo dia em que os trabalhadores portugueses respondem, através de uma greve geral, a uma brutalidade de políticas que esmagam a sua condição de força produtiva do país e que ferem a sua dignidade como pessoas.
O que o Governo gostaria é que nenhuma greve fosse convocada, que nenhuma voz se levantasse contra a sua opção política que está a rumar este país para uma recessão e para níveis de desemprego sem precedentes. Mas a pergunta que os Verdes fazem é “como é que isso seria possível”? Como seria possível que este país assistisse impávido, sereno, apático e conformado à delapidação das condições de vida dos portugueses e da nossa capacidade de gerar riqueza, através de uma economia que se vê de pernas cortadas pela fragilização sucessiva da nossa atividade produtiva? São empresas a fechar todos os dias, são pessoas a cair no desemprego a toda a hora, são famílias a abdicar, em cada momento, do essencial... do essencial, como o acesso à saúde, ou à educação, ou à alimentação!
Já ouvi alguém perguntar: “mas qual é o efeito útil desta greve?” O efeito útil de uma greve é integrá-la num processo de luta contra esta política maquiavélica que nos impingem a cada momento. O efeito útil é demonstrar ao Governo que o país está chateado, mas mesmo muito chateado com a sua atuação. O efeito útil é demonstrar que os trabalhadores são essenciais para que o país funcione, porque quando eles faltam o país sente a sua falta. O efeito útil é fazer o Governo perceber que este não é o caminho a seguir e inibi-lo de ter mais força. Alguém duvida que se estes processos de luta não acontecessem o Governo e a sua amiga Troika teriam muito mais margem de manobra para, sem qualquer pudor, avançar com mais medidas desastrosas, no meio de tantas que têm prosseguido e muitas das quais precisam urgentemente de ser travadas?
A greve geral que está a acontecer hoje em Portugal é uma greve com uma adesão imensamente significativa, especialmente se tivermos em conta o que significa perder um dia de salário no meio de todos os cortes que o Governo fez ao nível salarial, se tivermos em conta o medo de tantos e tantos trabalhadores perderem o seu emprego pelo simples facto de poderem aderir a uma greve, efeito direto de uma precariedade que impede os trabalhadores de se expressarem livremente. O PEV hoje saúda, aqui da Assembleia da República, todos os milhares de trabalhadores que aderiram e que estão a construir esta greve e a deixar um enorme grito de alerta para quem nos governa de forma desgovernada.
E tudo isto se torna mais revoltante quanto sabemos que milhares de milhões de euros, do erário público, são disponibilizados para um sistema financeiro que não tem outro objetivo que não o de construir mais e mais dinheiro, para si próprio, e que há empresas, como a GALP ou a EDP que acumulam lucros sobre lucros à custa do esmagamento financeiro dos consumidores portugueses e que não têm outro objetivo que não o de construir mais e mais dinheiro, para si próprias!
É este um dos grandes problemas da privatização de setores fundamentais num Estado – o de esses setores passarem a ser geridos em função dos objetivos de formação de lucros dos seus acionistas e não em função do serviço democrático às populações.
E o alerta que o PEV deixa hoje aqui, no dia mundial da água, é que a maior ameaça que, neste momento, o setor da água enfrenta em Portugal é o da sua privatização. Para este Governo tudo é privatizável, tudo deixa, por ele, de ser património coletivo: das albufeiras, passando por troços de rios, por zonas balneares, até ao abastecimento da água para consumo. O Governo prepara-se para privatizar a Águas de Portugal ainda no ano de 2012, numa clara conceção de que a água é uma mercadoria. O Governo prepara-se para largar tudo, para entregar tudo, independentemente das consequências que daí advêm para este povo, e isto é absolutamente intolerável.
Os Verdes reafirmam o que qualquer bom senso conclui: a água é um direito, não é uma mercadoria. Todos têm direito de acesso à água. A água não pode ser gerida em função de obtenção de lucros, mas sim em função de um objetivo social (das necessidades das populações, independentemente da sua condição económica) e de objetivos ambientais (como o princípio da poupança do recurso; princípio, de resto, incompatível com a sua privatização). A Sra Ministra do Ambiente já admitiu o que todos sabemos: que a privatização da água empolará o seu preço, as pessoas vão pagar muito mais pela água, porque pagarão a água e os lucros das empresas privadas! A luta contra a privatização da água é uma luta que tem que ser empreendida de uma forma muito generalizada e um dos objetivos dos Verdes é alertar para os perigos dessa privatização. Não é por acaso que, no mundo, a água é maioritariamente pública, não é por acaso que as Nações Unidas têm uma resolução explítita sobre o direito humano à água, não é por acaso que países que cometeram o erro de privatizar esse setor tiveram que renacionalizá-lo mais tarde! Que Portugal não cometa erro tamanho, é um objetivo prioritário do PEV!
Outros problemas, Sras e Srs Deputados, podem ser facilmente elencados no setor da água, e dos recursos hídricos em geral, que manifestamente existem por falta de dedicação do poder político: desde a ineficácia de aplicação do Plano Nacional para o Uso Eficiente da Água, que muito nos teria sido já útil, designadamente para enfrentar anos, como o atual, em que a água escasseia; passando pelas continuadas descargas poluidoras, em cursos de água, decorrentes por exemplo de agro-pecuárias, demonstrando que não basta haver Estratégias nacionais contidas em papel; até à ausência de Planos de Gestão das Regiões Hidrográficas que deviam estar prontos há mais de 5 anos e que valerão de muito pouco se a existência de um Plano em papel não for acompanhada de recursos técnicos e humanos que possam aplicar de uma forma eficiente uma gestão traçada.
São estas, Sras e Srs Deputados, algumas das questões que os Verdes não poderiam deixar de levantar hoje, no dia mundial da água, e no dia em que os trabalhadores portugueses se fazem sentir e ouvir através de uma justíssima greve geral.