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17/10/2018 |
Declaração política sobre as dragagens no Sado - DAR-I-12/4ª |
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Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia - Assembleia da República, 17 de outubro de 2018
1ª Intervenção
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Para permitir o acesso de navios de maior porte ao Porto de Setúbal, estão previstas dragagens no estuário do Sado.
Não é, evidentemente, a primeira vez que se fazem dragagens no Sado, mas estas implicam, agora, uma maior intensidade e volume — 3,5 milhões de m3 numa primeira fase —, para permitir a entrada de navios com 12 m de calado.
Na área envolvente à área de intervenção do projeto, existem zonas sensíveis como a Reserva Natural do Estuário do Sado, a Zona de Proteção Especial para aves do estuário, o Sítio Ramsar, também importante para um conjunto de aves, o Parque Marinho Prof. Luiz Saldanha e demais áreas do Parque Natural da Arrábida.
Há algumas semanas, o Partido Ecologista «Os Verdes» trouxe esta matéria das dragagens do Sado ao debate com o Primeiro-Ministro. Nessa altura, fomos bem claros na manifestação de uma grande preocupação, designadamente em relação ao impacto dessas dragagens em alguns elementos naturais que têm uma grande relevância, como a comunidade de golfinhos residente no estuário do Sado e, também, as praias da Arrábida.
A verdade é que, por exemplo, em relação aos roazes corvineiros, o estudo de impacte ambiental reconhece que existem impactos negativos significativos sobre o grupo de golfinhos, embora temporários. Porém, para uma comunidade com a sensibilidade destes cetáceos, não é relevante afirmar-se que os impactos são temporários, porque, nesse hiato de tempo, pode afetar-se, de forma muito séria, esta riqueza biológica do Sado.
Esta preocupação agrava-se ainda mais quando é do conhecimento público que foi encomendado pelo Estado um estudo, com a duração de sete anos, a uma equipa de biólogos da Universidade de Aveiro, que propôs a classificação ecológica de quatro zonas para proteger os golfinhos do Sado. De acordo com responsáveis do estudo, dessas quatro zonas, duas ficaram de fora, curiosamente, ou não, são as duas que colidem com o projeto das dragagens do estuário do Sado.
Ao que parece, uma parte desse estudo foi completamente ignorada, de modo a que — conforme desconfiança que legitimamente se pode levantar — não se colocassem obstáculos, decorrentes de uma classificação ecológica, às referidas dragagens.
Na perspetiva de Os Verdes, isto é bastante grave. O que deveria acontecer, de acordo com o recomendado para a preservação dos valores ambientais em causa, seria, primeiro, a classificação das áreas que se consideraram importantes e, depois, então, avaliar-se-ia que tipo de dragagens seria possível fazer.
Para além disso, a Declaração de Impacte Ambiental demonstra uma clara insuficiência em relação ao estudo da dinâmica sedimentar, com impactos diretos sobre os processos erosivos e sobre as praias, nomeadamente as da Arrábida.
O aprofundamento do comportamento da hidrodinâmica da área em causa e da envolvente é, na perspetiva de Os Verdes, fundamental.
Não é de descurar, ainda, o que os pescadores têm referido em relação ao local para onde está prevista a deposição das lamas extraídas do canal e da barra, quando asseguram que terá impacto numa zona onde se captura excelente peixe, moluscos e bivalves e que, portanto, afetará a pesca artesanal da região, numa comunidade de cerca de 300 pescadores.
Nesse sentido, Sr.as e Srs. Deputados, o Partido Ecologista «Os Verdes» considera que não estão dadas garantias seguras sobre a influência real ou também sobre a minimização de impactos em relação aos valores naturais em causa, que são relevantíssimos. E para quem coloca sempre o ambiente em contraponto com a economia, como se a preservação ambiental fosse um obstáculo à dinâmica da economia e nada mais do que isso, é preciso sublinhar que estes valores naturais têm também uma importância fulcral na economia da região; uma região que tem uma das baías mais belas do mundo e que tem recursos únicos que importa valorizar e não fragilizar.
Este processo de dragagens previstas para o Sado deve, pois, na perspetiva de Os Verdes, ser reponderado, nomeadamente à luz das preocupações que aqui levantámos.
2ª Intervenção
Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Ivan Gonçalves, acho que o princípio da sustentabilidade é caro aos discursos de todos os partidos. Aos discursos! Mas, quando se trata da prática e da tomada de decisões, muitas vezes as coisas não são bem assim.
O Sr. Deputado sabe que, muitas vezes, os interesses económicos se sobrepõem de forma clara aos interesses da preservação ambiental, que é também, naturalmente, um interesse nacional e regional, dependendo do ponto de vista de que estejamos a falar.
O Sr. Deputado António Costa Silva, do PSD, colocou-me uma questão a que é muito fácil responder. Mas quase se podia dizer, Sr. Deputado, que a sua intervenção «traz água no bico», no sentido de omitir a posição do PSD, que nós não conhecemos, relativamente a esta matéria. De resto, temos indicações contrárias.
Também é importante que os partidos se posicionem em relação a estas questões, designadamente em relação às preocupações que têm sobre projetos concretos. Do PSD só conheço um projeto de resolução, apresentado neste Parlamento, nesta Legislatura, a recomendar ao Governo, justamente, que acelere o processo das dragagens relativamente ao projeto do Porto de Setúbal.
Evidentemente que achamos importante ouvir o Sr. Ministro do Ambiente a propósito do que quer que seja, porque tudo o que contribua para esclarecimentos que a Assembleia da República precise é importante. Nesse sentido, concordamos com as iniciativas que foram tomadas.
Aproveito também para responder à Sr.ª Deputada Sandra Cunha, do BE, que me colocou uma questão que tem a ver com a dificuldade que, muitas vezes, o Ministério do Ambiente tem em assumir o que é muito relevante nesta pasta: a transversalidade das matérias ambientais. Já em relação à questão da pesquisa de petróleo no Algarve, o Sr. Ministro muitas vezes recusou a avaliação de impacto ambiental, chutando-a para o ministério responsável pela energia. Curiosamente, ou não, agora leva ele também com a matéria da energia! Portanto, ainda teremos também de lhe pedir muitos esclarecimentos relativamente a essa matéria.
Mas é evidente que consideramos importante ouvir, da parte do representante do ministério que tem a área do ambiente, tudo o que se reporte a impactos ambientais de determinados aspetos que estão claramente sob a sua tutela, pelo que consideramos importante que o Sr. Ministro se posicione relativamente a estas matérias.
A Sr.ª Deputada Paula Santos, do PCP, quis sublinhar aqui uma questão que, na nossa perspetiva, é fundamental. Até a ponderação das dinâmicas e das dimensões económicas é importante. Quando estamos a falar de uma comunidade de cerca de 300 pescadores, tendo em conta o que está proposto, designadamente em relação à deposição das lamas, que vai afetar diretamente a sua atividade — e nós sabemos como os pescadores têm sido tão massacrados por determinadas políticas que liquidam e dificultam a sua atividade —, é evidente que esta é também uma questão que deve ser fortemente ponderada, pesada.
Voltando ao princípio, Sr. Deputado Ivan Gonçalves, sabe qual é o problema? É que a APA (Agência Portuguesa do Ambiente) também anda a contribuir para isso. Anda a contribuir para a descredibilização dos processos de avaliação de impacto ambiental. E oiça o que lhe digo: isso afasta cidadãos dos processos de consulta pública da avaliação de impacto ambiental. Quando as pessoas têm a plena consciência de que uma avaliação de impacto ambiental serve apenas para que as entidades conheçam desabafos de cidadãos interessados ou de associações interessadas em relação a decisões que já estão tomadas, entendem que a sua participação não vale a pena. É uma questão sobre a qual devemos ponderar, Sr. Deputado, porque consideramos que estes instrumentos de política de ambiente são fundamentais para a tomada de decisões e não para fingir estudos, digamos assim, sobre decisões que já estão previamente tomadas. E aí é sempre o ritmo do costume: os interesses económicos a sobrevalorizarem-se em relação aos interesses ambientais, e não pode ser esse o caminho da sustentabilidade.