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27/02/2019 |
Interpelação ao Governo n.º 24/XIII/4.ª (PCP) — Sobre política geral, centrada na política de saúde e nas medidas necessárias para valorizar o SNS - DAR-I-57/4ª |
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Intervenção do Deputado José Luís Ferreira - Assembleia da República, 27 de fevereiro de 2019
1ª Intervenção
Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, em primeiro lugar, quero saudar o Partido Comunista Português por ter agendado esta interpelação sobre saúde, um tema sempre atual e sempre oportuno, sobretudo quando assistimos às manobras, às chantagens, às pressões que estão a ser feitas por parte dos privados com interesses na área da saúde a propósito da ADSE.
Começando exatamente por aqui, queria dizer-lhe, Sr.ª Ministra, que nós consideramos que estas ameaças são verdadeiramente inaceitáveis, inadmissíveis, e que é preciso, com toda a firmeza, não ceder. Mas, por outro lado, estas ameaças também vêm confirmar a necessidade imperiosa de colocar definitivamente um fim na promiscuidade instalada entre o setor público e o setor privado na saúde, exatamente para que não fiquemos dependentes dos privados numa área tão sensível e delicada como é a da saúde.
Não deixa, aliás, de ser curioso perceber que estas manobras ocorrem exatamente no momento em que discutimos a Lei de Bases da saúde, onde se coloca em cima da mesa precisamente a necessidade de se proceder à separação clara entre o setor público e o setor privado na área da saúde. Esta separação tem mesmo de ser concretizada, Sr.ª Ministra, não só porque a saúde é um direito e não um negócio, mas também porque é necessário que nos libertemos desta perigosa dependência dos privados. Portanto, sobre esta matéria, o que interessava que a Sr.ª Ministra nos dissesse é a forma como o Governo olha para este propósito, de separar, de forma muito clara, o setor público do privado na área da saúde, através da futura lei de bases da saúde, também para evitar que no futuro estas manobras voltem a repetir-se.
Sr.ª Ministra, falo agora da parceria público-privada do Hospital de Braga. Esta parceria termina no final de agosto deste ano e sabemos que o Governo já notificou o Grupo Mello Saúde para a prolongar ou renovar por mais dois anos e também sabemos que o Grupo Mello terá exigido mais 20 milhões de euros para, alegadamente, cobrir alguns tratamentos.
Ora, consideramos que esta seria uma boa oportunidade, um bom momento para trazer definitivamente esta unidade hospitalar para a esfera pública. Gostaria que a Sr.ª Ministra nos dissesse o que pretende o Governo fazer quanto ao futuro desta unidade de saúde: volta para a esfera pública definitivamente, ou fica na esfera pública até aparecer um privado com interesses na sua gestão?
Por fim, segundo a entidade reguladora da saúde há hospitais que estão a criar entraves, constrangimentos no acesso à interrupção voluntária da gravidez por parte das utentes. Em causa estarão três hospitais do Serviço Nacional de Saúde: o hospital de Cascais, o Hospital de Santa Maria do Centro Hospitalar de Lisboa Norte e o Hospital de São Francisco Xavier, do Centro Hospitalar Lisboa Ocidental.
Nos casos dos hospitais de Santa Maria e de Cascais, segundo a própria entidade reguladora, as utentes dirigem-se a estes hospitais, mas acabam por ser encaminhadas para os centros de saúde, o que nos parece absolutamente inadmissível, porque andam entre o centro de saúde e o hospital.
Quanto ao caso do Hospital de São Francisco Xavier, uma utente acabou por não conseguir interromper a gravidez dentro do prazo legalmente estabelecido por um erro de comunicação entre os vários serviços. Ora, face a este erro ou falha de comunicação entre serviços, a utente viu-se obrigada a voltar ao centro de saúde para ultrapassar uma questão meramente administrativa e sobre a qual a utente não tinha qualquer responsabilidade.
Sr.ª Ministra, quando um hospital não marca consultas para interrupção voluntária da gravidez apenas porque falta o código postal da utente é porque alguma coisa está mal. Isto não pode acontecer, porque é criar problemas onde não existem e, ainda por cima, tratando-se de consultas sobre a interrupção voluntária da gravidez, um processo que está limitado no tempo por imposição legal, como sabemos, ganha, naturalmente, outras dimensões, como foi o caso.
Gostaria que a Sr.ª Ministra se pronunciasse sobre estes entraves, estes constrangimentos que, aparentemente, estão a ser criados no acesso às consultas de interrupção voluntária da gravidez.
2ª Intervenção
Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Galriça Neto, pelo menos da parte de Os Verdes nunca ouviu dizer que as coisas estão piores. Aliás, acho que até devia ser difícil que as coisas estivessem piores do que os senhores as deixaram. Deve ser muito difícil!
Na verdade, Sr.ª Ministra, as coisas não estão piores mas não estão bem.
É diferente do que dizer-se isso!
Mas também sabemos que o problema não é de hoje e que a situação que agora se está a viver é o resultado das insuficiências estruturais de opções políticas de vários governos que, ao longo de décadas, insistiram no subfinanciamento do SNS.
Aliás, neste contexto, nunca é demais recordar o encerramento de serviços de saúde por todo o País, a redução de camas e de profissionais de saúde, a acentuada degradação dos direitos e das condições de trabalho dos profissionais de saúde, que, vindo de trás, atingiu todos os limites com o Governo anterior, como sabemos.
Quanto aos profissionais de saúde, é preciso ter presente que, pela mão do Governo PSD/CDS, a saúde perdeu mais de 7000 profissionais, o que veio, naturalmente, agravar a capacidade de resposta tanto nos centros de saúde como nos hospitais do SNS.
Sr.ª Ministra, Os Verdes não pretendem desvalorizar os passos que foram dados nesta Legislatura no sentido de contrariar estas políticas que deixaram a saúde mais fragilizada do que nunca. Hoje, contamos com mais médicos, com mais enfermeiros, com mais técnicos de diagnóstico e, de uma forma geral, com mais profissionais de saúde em várias áreas. Mas a verdade é que não chega. Temos mais profissionais, é certo, mas também é certo que continuam a ser insuficientes.
Para além disso, é também necessário resolver o problema das carreiras destes profissionais, e não nos referimos apenas aos enfermeiros, referimo-nos também aos técnicos de diagnóstico e terapêutica e, de uma forma geral, a todos os profissionais de saúde.
Também é absolutamente imperioso dar resposta aos outros problemas com que a saúde se confronta, nomeadamente às situações de rutura que se vivem em muitos serviços de urgência, aos tempos de espera para consultas, que começam a ser intoleráveis, à falta de equipamentos que é sentida em muitos hospitais e, sobretudo, é preciso remover obstáculos ao acesso aos cuidados de saúde.
Há, portanto, muito a fazer, Sr.ª Ministra, para garantir a natureza universal do Serviço Nacional de Saúde.