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30/06/2017 |
Interpelação n.º 14/XIII (2.ª) — Sobre floresta e desertificação do mundo rural (DAR-I-104/2ª) |
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Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia - Assembleia da República, 30 de junho de 2017
1ª Intervenção
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O que o Partido Ecologista «Os Verdes» hoje propõe ao Parlamento é que façamos uma reflexão séria sobre os problemas estruturais que afetam a nossa floresta e o nosso mundo rural e que, infelizmente, contribuem para a calamidade dos incêndios florestais, alguns com dimensões sinistras, como os que se verificaram em 2003, onde morreram 18 pessoas, foram destruídas cerca de 100 habitações e a dimensão de área ardida atingiu mais de 425 000 ha, ou como os fogos com consequências tão trágicas que se deram agora na zona de Pedrógão Grande, com 64 vítimas mortais, mais de 200 feridos e prejuízos materiais ainda não cabalmente calculados.
Sem querer retirar as especificidades de cada uma das ocorrências, a verdade é que todos os anos o País é assolado pelo flagelo dos fogos florestais. Ocorre que, no ano de 2003, o que mais se ouviu foi que o drama ocorrido tinha de constituir uma oportunidade para mudar muita coisa; com incêndios devastadores em anos subsequentes, 14 anos depois o que muito se tem ouvido é que a tragédia de Pedrógão Grande tem de constituir uma oportunidade para muita coisa mudar. O que o Partido Ecologista «Os Verdes» considera que importa referir é que o muito que não se mudou não se deveu à falta de identificação de problemas, nem de apontamento de soluções.
Há uma questão que, definitivamente, tem de deixar de estar apenas presente nos discursos para passar a orientar a tomada de decisões políticas, a qual poderemos sintetizar como a matéria das alterações climáticas. A verdade é que vivemos num clima com características mediterrânicas, onde o verão é quente e seco, o que não é novidade. Mas o fenómeno do aquecimento global ameaça tornar os extremos climáticos mais evidenciados e recorrentes, com ondas de calor e escassez de humidade mais severas.
Ora, se deixarmos respostas para estes cenários apenas nos estudos e nos relatórios produzidos e não adaptarmos o País a esta realidade, não admira que soframos as consequências inevitáveis dessa inércia. É para estes cenários climáticos mais duros que temos de estar preparados, apetrechando o território e a gestão desse território de modo a criar maior resiliência. Podemos até continuar a lamentar-nos do azar que temos tido com as temperaturas elevadíssimas, o que não podemos é continuar desprevenidos e, por isso, tornar a nossa área florestal mais resistente é uma obrigação que temos.
Vamos pôr as coisas nestes termos, para quem gosta de sustentar sempre as causas nos fenómenos naturais: um sismo com a mesma magnitude não produzirá os mesmos efeitos num território onde as habitações são antissísmicas ou num território onde as construções não têm resistência sísmica. Com a floresta passa-se o mesmo, perante os fogos florestais: o grau de resistência que as áreas florestais têm é uma das chaves para o maior ou menor impacto do incêndio.
Ora, entre os fatores que concorrem para criar resistência à floresta, a questão das espécies e da forma como estão integradas na floresta não é de menor importância. É, assim, de uma profunda irresponsabilidade ignorar ou desvalorizar o facto de a área florestal em Portugal estar repleta de manchas extensas e contínuas de eucaliptos.
Vamos falar claro, Sr.as e Srs. Deputados: Os Verdes não querem erradicar a espécie do planeta, nem sequer banir a sua existência de Portugal. O problema é a monocultura desta espécie de crescimento rápido, bastante inflamável, que desde os anos 1980 tem vindo crescentemente a invadir a nossa floresta para servir as celuloses, ocupando também áreas agrícolas, cuja atividade se foi liquidando, a tal ponto que o Inventário Florestal Nacional (IFN) não deixa dúvidas sobre o facto de o eucalipto ser já a espécie dominante na ocupação florestal, atingindo uma área de 812 000 ha, tendo a sua área total crescido 13% entre 1995 e 2010.
Esta realidade agravou-se mais com aquela que ficou conhecida como a «lei do eucalipto», o RJAAR, da autoria do Governo PSD/CDS, em 2013, que estabeleceu o regime jurídico aplicável às ações de arborização e rearborização e que liberalizou a plantação de eucaliptos. Da área total de 65 000 ha de arborizações e rearborizações aprovadas e realizadas até 2016, 41 000 ha correspondem a eucaliptal, o que significa 63%. Ou seja, a tendência foi para acentuar a presença da monocultura do eucalipto na área florestal portuguesa, acentuar a expansão desta espécie de crescimento rápido.
Ora, face a esta realidade, Os Verdes, que têm dedicado muita atenção e intervenção, ao longo dos anos, às questões da floresta, quando discutiram e assinaram com o PS a posição conjunta que estabeleceu orientações políticas para levar a cabo na presente Legislatura, não poderiam deixar de nela estabelecer a necessidade de estancar o crescimento da área de eucalipto e de aumentar a área ocupada por espécies autóctones, valorizando a produtividade do montado de sobro e de azinho. O desafio que Os Verdes lançaram ao PS foi que acabasse o tempo da construção da floresta em função dos interesses das celuloses para lhe relançar um valor económico e produtivo mais diversificado e ambientalmente mais seguro.
Mas há quem não consiga deixar de ser o defensor dos grandes interesses económicos, mesmo em detrimento evidente de valores ambientais e de segurança do território, e se preste ao papel de porta-voz de grandes grupos da pasta de papel, como a Afocelca, a Altri, a Navigator, a ex-Portucel ou como lhes queiram chamar. Foi esse o papel que o PSD cumpriu ontem, quando Pedro Passos Coelho desatou a defender o eucalipto dizendo que é o que menos arde e onde o fogo se apaga com mais facilidade — repito, onde o fogo se apaga com mais facilidade! Pergunto-me: o que terão pensado os bombeiros, que ano após ano combatem fogos em infindáveis eucaliptais e que veem aí o fogo a propagar-se como se de um rastilho contínuo se tratasse? E por que razão falam os investigadores em «árvores-bombeiras», referindo-se aos carvalhos ou aos sobreiros e não ao eucalipto, como é evidente, para procurar travar a propagação dos fogos? O que gostava de dizer ao PSD é que me parece que, quando se é cego na defesa de grandes interesses económicos, perde-se o sentido da realidade e perde-se, por isso, a aptidão para servir o interesse público.
Mas criar resiliência na floresta não passa apenas por intervir sobre a dominância de monoculturas de espécies dos povoamentos florestais, passa também por uma gestão responsável que promova, por exemplo, a execução das faixas de gestão de combustíveis, a recolha e o aproveitamento da biomassa e a criação, identificação e manutenção de pontos de água. São matérias em relação às quais o Estado não pode assumir uma desresponsabilização, escudando-se por via da realidade da pequena propriedade florestal.
A desresponsabilização do Estado em relação à floresta já nos custou muito caro. A liquidação do corpo de guardas florestais, que, para além das próprias populações locais, eram os que tinham maior conhecimento do território florestal e que promoviam a sua vigilância, determinante para a deteção de focos de incêndio, foi talvez das maiores barbaridades que se cometeram nos últimos anos. Simultaneamente, as equipas de sapadores florestais são mais do que insuficientes e estão longe, longe, de atingir o número de operacionais prometido.
A esta desresponsabilização do Estado junta-se a responsabilidade de sucessivos governos pelo despovoamento do mundo rural e, por essa via, pela fragilização do espaço onde a floresta e os matos se inserem, tornando-o mais vulnerável aos incêndios.
O papel de tampão que as áreas agrícolas protagonizavam em defesa da floresta foi sendo progressivamente diminuído e eliminado, quando o que resultou da política da União Europeia e de sucessivos governos foi, nomeadamente, a estagnação da produção agrícola nacional, quer em volume quer em valor, a degradação do rendimento agrícola para a grande maioria dos agricultores, a perda de perto de 550 000 trabalhadores da atividade agrícola, a eliminação de cerca de 400 000 explorações agrícolas, a maior dependência alimentar do exterior. O abandono das áreas agrícolas e de pastagem, decorrente de políticas de desvalorização da produção nacional, retirou território de intermitência e de proteção da floresta e esvaziou uma boa dose de capacidade de vigilância da floresta que as próprias populações, naturalmente, realizavam.
Também é importante que aqueles que foram governando este País tenham bem consciência de que, de cada vez que no interior ou em zonas rurais encerraram um serviço público de proximidade, encerraram uma escola, uma unidade de saúde, uma esquadra ou um posto de forças de segurança, um posto dos CTT, foi sempre um contributo que deram para esvaziar mais esse mundo rural e para lhe ditar uma sentença de abandono.
Muito do que se vendeu como uma poupança no País, invocando-se os défices, os tratados orçamentais e os pactos de estabilidade, foi afinal a fragilização do nosso território e do nosso património, que nos custa bem caro quando em situações de emergência, como no caso dos incêndios florestais, gastamos rores de dinheiro a recuperar o que ainda é recuperável. Bruxelas indica-nos que é possível que os gastos com esses apoios de emergência não sejam calculados no défice, mas talvez fosse produtivo que garantisse também que gastos com a prevenção para que novas catástrofes não voltem a assumir as proporções que já assumiram fossem arredados desse défice. Os princípios da prevenção e da precaução não parecem, contudo, fazer parte da estratégia de uma União Europeia arredada das realidades concretas e dos povos.
Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, se queremos uma dinâmica multifuncional para a floresta, é determinante diversificar a produção muito para além dos grandes grupos que monopolizam essa produção, garantindo estratégias fiscais e económicas para melhorar os rendimentos, designadamente os preços na produção da madeira, dos pequenos e médios produtores agroflorestais. Se os fundos europeus e nacionais não se continuarem a esgotar nos grandes proprietários, abre-se espaço para o sucesso de muitas pequenas explorações.
Entretanto, não devemos perder de vista que a função ambiental da floresta é de tal modo relevante, com os serviços de ecossistema que presta às sociedades ao nível da biodiversidade, da retenção de carbono, da regulação climática ou outras, que, como sociedade, estamos todos implicados na sua defesa, independentemente da estrutura da propriedade. E, por isso, não podemos aceitar a desresponsabilização do Estado nesse desígnio de proteger a floresta e de dedicar investimentos em meios humanos e técnicos para enfrentar com a maior resistência os incêndios florestais.
Mesmo para terminar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, há questões para as quais este brutal e trágico incêndio de Pedrógão Grande, que teve as consequências que todos conhecemos, nos alertou de uma forma emergente.
A verdade é que, se não podemos perder de vista a responsabilidade ao nível da coordenação, das comunicações, das medidas estruturais, da vigilância, da gestão, do ordenamento do território, é preciso fazer também aquilo que Os Verdes já propuseram nesta Casa para casos de acidentes nucleares, que é dotar a população portuguesa de informação, de mecanismos para saber aquilo que pode fazer em caso de acidente. Esse projeto, Os Verdes apresentaram-no aqui, na Assembleia da República. Ora, relativamente aos fogos florestais, temos de fazer o mesmo. A população portuguesa tem de estar dotada de uma sensibilidade, de uma informação e de uma educação sobre o que fazer em caso de incêndio florestal e em caso de poder conviver diretamente com essa dramática realidade dos incêndios florestais.
Nesse sentido e com esse objetivo, Os Verdes apresentarão, na próxima semana, um projeto na Assembleia da República.
2ª Intervenção
Sr. Presidente, inevitavelmente, terei de começar pela resposta à Sr.ª Deputada Patrícia Fonseca, do CDS, para lhe dizer que os golpes baixos, às vezes, saem-lhe mal, e vou dizer porquê.
Ontem, na reunião do Grupo de Trabalho, como a Sr.ª Deputada provavelmente terá ouvido, foi justificada a ausência de Os Verdes. Estávamos a preparar este debate.
Mas, azar dos azares, eu tinha a televisão ligada e estava, simultaneamente, a ouvir muito daquilo que se passou nessa reunião do grupo de trabalho, para além de que estava um assessor de Os Verdes na reunião, que a acompanhou do princípio ao fim.
Golpe baixo, Sr.ª Deputada, mas que lhe sai caro!
Sabe porquê? Porque eu ouvi com estes ouvidos o representante da Associação de Vigilantes da Natureza a dizer que, às vezes, nem são precisos grandes estudos científicos pois o senso comum de quem está no terreno percebe exatamente qual é a diferença entre algumas espécies e que se na sua própria lareira enfiasse um tronco de eucalipto ou um tronco de outra espécie percebia, claramente, como a combustão dessa madeira é claramente diferente.
E a Sr.ª Deputada também ouviu…
E a Sr.ª Deputada também ouviu representantes das associações de ambiente dizerem que o objetivo não é eliminar o eucalipto do planeta, como eu referi, mas que a monocultura desta espécie de crescimento rápido é um erro absoluto, pois é um material que promove a dimensão dos incêndios florestais que temos na nossa floresta.
A Sr.ª Deputada é que quer cegar, quer cegar e não quer atuar em relação aquilo que é fundamental. E não me admira, porque a Sr.ª Deputada que está sentada ao seu lado era, então, ministra e foi ela que promoveu aquela que ficou conhecida como a lei do eucalipto, que veio liberalizar a plantação de eucalipto.
Portanto, Sr.ª Deputada, vir aqui dizer que o abandono do mundo rural resultou da falta de meios financeiros…
Ó Sr.ª Deputada, é muita lata, desculpe a expressão que tenho de utilizar.
Esse abandono resultou de políticas completamente erradas da sua ideologia, Sr.ª Deputada.
Sabe porquê? Porque quis andar a servir permanentemente os grandes grupos económicos e não atendeu aos interesses dos pequenos proprietários.
Sr.ª Deputada, vou dizer-lhe uma coisa: quando a lógica da política agroflorestal se virar também para o objetivo de criar rendimento aos pequenos produtores e não servir permanentemente os interesses dos grandes proprietários e as grandes celuloses, vai ver que os resultados são diferentes.
Portanto, Sr.ª Deputada, se quer falar de ideologia, podemos falar de ideologia, que é uma questão que bem nos separa.
Por outro lado, não queria deixar de responder aos outros Srs. Deputados.
Gostei de ouvir o Sr. Deputado do PS a fazer uma crítica ao que era inevitável hoje reconhecer, ou seja, que a União Europeia em muito contribuiu, através dos seus fundos comunitários e das suas orientações políticas, para este abandono do mundo rural e para esta liquidação da atividade agrícola no nosso País. E isso, de facto, hoje custa-nos caro, Sr. Deputado, porque a atividade agrícola, as pastagens, serviam como zonas de tampão, como zonas de intermitência da floresta, para além de que implicavam a presença de pessoas no mundo rural, na sua atividade, e isso em muito beneficiava a vigilância e também a não expansão, como hoje se verifica, dos fogos florestais.
Acho que é justo reconhecer isso, mas é justo reconhecê-lo para que possamos fazer uma inversão de políticas, Sr. Deputado, e isso é que é fundamental. Vivemos numa União Europeia que não olha aos interesses concretos dos territórios e das pessoas e essa é uma questão que, na nossa perspetiva, tem efetivamente de mudar.
Sr. Deputado do PSD, José Carlos Barros, gostava, para já, de fazer uma retificação: cuidado quando diz «esse Governo que também é seu». Não é, Sr. Deputado!
O senhor conhece a nova composição parlamentar resultante das últimas eleições, mas não pense que lá por este Governo não ser meu ou nosso…que Os Verdes deixam de atuar em relação àquilo que é fundamental no País.
Aproveito também para responder também ao Sr. Deputado Pedro Soares, do Bloco de Esquerda. Perguntou a Os Verdes se não consideram importante rever o RJAAR (Regime jurídico aplicável às ações de arborização e rearborização) e a resposta é, obviamente, que sim, claro que sim! Então, se fomos nós, Os Verdes, que insistimos junto do PS e do Governo para que essa revisão do RJAAR se fizesse, é evidente que, para nós, isso é fundamental, como fundamental tem sido também o conjunto de propostas que Os Verdes têm apresentado nesta Casa relativamente à criação de maior dinâmica no mundo rural, como, por exemplo, incentivos fiscais às empresas que se instalam e promovem a sua atividade no interior do País, a promoção, revitalização e redinamização de linhas ferroviárias, como a linha do Leste, que o Governo do PSD e do CDS tinha encerrado.
Tudo isto é fundamental para que essa dinâmica do mundo rural se promova.
E o que eu disse da tribuna é importante que os Srs. Deputados tenham em conta: nós, na posição conjunta, também colocámos lá, tivemos essa preocupação, que não pode haver continuidade no encerramento dos serviços de proximidade, designadamente no interior do País, porque, de cada vez que se encerra um serviço público, é a potencialidade da dinâmica do interior e do mundo rural que se retira, e esse é um erro político, é um erro que se paga caro, muito caro.
Por outro lado, consideramos que é fundamental investir em meios humanos. Fizemos a proposta para o aumento de 50 vigilantes da natureza, temos propostas para a redinamização do corpo de guardas florestais e o aumento das equipas de sapadores florestais. Custa dinheiro? Custa! Mas custa muito mais fazer aquilo que se tem feito nas políticas erráticas que se têm promovido, e sabemos isso no combate que temos feito aos fogos florestais.