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30/06/2017 |
Interpelação n.º 14/XIII (2.ª) — Sobre floresta e desertificação do mundo rural (DAR-I-104/2ª) |
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Intervenção do Deputado José Luís Ferreira - Assembleia da República, 30 de junho de 2017
1ª Intervenção
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro da Agricultura, não sei se esteve atento às notícias dos últimos dias mas ouvimos coisas interessantes sobre a floresta.
Ouvimos o PSD dizer que grande parte do território não tem eucalipto, que a maior parte da floresta portuguesa não é eucalipto e, o mais insólito, ouvimos o PSD dizer que o eucalipto é o que arde menos e onde o fogo se apaga com mais facilidade.
Ora, face ao que ouvimos, parece-nos que está, assim, desvendado o mistério sobre as razões que levaram o Governo PSD/CDS a proceder à completa liberalização do eucalipto no nosso País.
Segundo a leitura do PSD, e também, certamente, do CDS, havia poucos eucaliptos na nossa floresta e como, pelos vistos, para o PSD, o eucalipto é o que arde menos e onde o fogo se apaga com mais facilidade, o Governo anterior avançou com a sua liberalização.
É verdade! Só faltou mesmo dizer que a liberalização do eucalipto representou uma medida para prevenir os incêndios florestais. Só faltou mesmo isso para podermos dizer: se o eucalipto não arde, há pessoas que se queimam de cada vez que falam de incêndios e de florestas.
Mas nós fazemos uma leitura diferente da do PSD e do CDS não só sobre a quantidade de eucaliptos na nossa floresta, que passou a ser, aliás, a espécie que ocupa mais área no nosso País, mas também sobre o papel que esta espécie representa no que diz respeito à progressão e à dimensão que os incêndios têm vindo a assumir.
Foi, aliás, também por esse facto que na posição conjunta que o Partido Ecologista «Os Verdes» estabeleceu com o Partido Socialista ficou expressa a necessidade de travar a expansão da área do eucalipto, bem como o aumento das áreas de montado de sobro e de azinho. Este propósito passa desde logo pela revogação da lei aprovada pelo Governo de PSD/CDS que liberalizou a plantação do eucalipto e por criar um novo regime jurídico de arborização e rearborização.
Da nossa parte, Sr. Ministro, queria reafirmá-lo, continuamos empenhados na procura de soluções para travar a expansão do eucalipto, que é, a nosso ver, um imperativo, sobretudo depois de o Governo PSD/CDS ter procedido à completa liberalização dessa espécie. A este propósito, queria registar os avanços que temos feito no sentido de procurar colocar um travão na expansão da área do eucalipto e também a abertura do Governo para revisitar matérias nas quais não há ainda sintonia, nomeadamente no que diz respeito à autorização para novas plantações de eucaliptos através da permuta.
Portanto, vamos agora esperar que não falte nem determinação nem coragem ao Governo para romper de vez com políticas que assentam numa visão meramente economicista, de curto prazo, e que beneficiam exclusivamente alguns setores económicos restritos, onde, naturalmente, prevalecem as celuloses.
É verdade que neste debate interessa olhar para o futuro, mas olhar para o futuro com o passado presente, porque os problemas da nossa floresta, e até a dimensão que os incêndios acabam por adquirir, não estão, certamente, desligados dos problemas estruturais e opções políticas que ao longo do tempo foram promovidas por vários governos.
E não me refiro apenas à liberalização do eucalipto, refiro-me também ao notório desinvestimento público na prevenção de incêndios e na floresta em geral. Aliás, nesta matéria, recorde-se que o anterior Governo cortou 200 milhões de euros nacionais no PRODER (Programa de Desenvolvimento Rural), o que certamente veio agravar os problemas. Refiro-me também à desresponsabilização do Estado na gestão da floresta, no ordenamento florestal, no combate à desertificação e no abandono do mundo rural, e ainda à extinção do corpo de guardas florestais.
Ora, é exatamente sobre os guardas florestais que incide o meu pedido de esclarecimento, Sr. Ministro, no fundo para saber que avaliação faz o Governo da extinção do corpo de guardas florestais, que não é de agora, sabemos, mas gostaria de saber que avaliação faz o Governo e se equaciona fazer renascer o corpo de guardas florestais.
Mesmo para terminar, Sr. Ministro, também gostaríamos de saber em que fase se encontra a contratação dos 50 vigilantes da natureza, que, como sabe, foi um compromisso que o Governo assumiu com o Partido Ecologista «Os Verdes» no ano passado e na negociação do Orçamento do Estado para este ano.
2ª Intervenção
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Podemos dar as voltas que quisermos, mas há um dado do qual não conseguimos fugir, o de que Portugal é o País da Europa que mais perdeu área de floresta.
Quando vemos o olival intensivo ocupar paulatinamente o lugar do montado de sobro e azinho na paisagem alentejana ou quando vemos os incêndios florestais a tomar conta do País, somos forçados a concluir que algo vai mal na floresta e que é urgente uma mudança na política florestal.
É preciso, em primeiro lugar, garantir que é na própria floresta que reside a prevenção dos incêndios e qualquer mudança que venha a ocorrer terá de assumir esse elemento fundamental. Para isso, é absolutamente imperioso que se passe a sustentar a política para o setor numa visão global e integrada da floresta, assente no reconhecimento e na valorização das suas multifunções, nomeadamente a nível ambiental, climático, social, cultural, paisagístico e económico.
Por outro lado, é preciso que o reconhecimento do importante recurso económico que a floresta representa para o País não pode, nem deve, ser incompatível com a defesa e a valorização das outras funções que a floresta desempenha.
Isso exige romper de vez com políticas que assentam numa visão economicista de curto prazo e que beneficiam exclusivamente alguns setores económicos restritos onde, naturalmente, prevalecem as celuloses.
Foi, aliás, na base destes pressupostos que, no novo quadro parlamentar, Os Verdes se empenharam em colocar na agenda política o imperativo de travar a expansão da área do eucalipto.
Estávamos conscientes de que não seria um trabalho fácil não só porque esse objetivo exigia o confronto com grandes e poderosos interesses, mas também pela situação de fragilidade e dependência económica da grande maioria dos pequenos produtores florestais que, mais do que ameaçados de ficar sem as suas terras, precisam de apoios e incentivos e que agora, Sr. Ministro, se exigem que não sejam canalizados, novamente, para os do costume.
Sabíamos, portanto, que não ia ser um trabalho fácil, ainda assim, Os Verdes, não deixaram de se empenhar e colaborar com o Governo na procura de respostas e soluções legislativas capazes de travar a eucaliptização desenfreada do País e de promover uma floresta resistente aos incêndios e diversificada, sustentada nas espécies autóctones e economicamente rentável. Isto porque o País precisa imperativamente de uma estratégia nacional para a floresta que assuma como ponto de partida que a floresta é fundamental à vida, que cumpra as suas funções e que deve ser gerida de forma sustentável.
Por isso, sabemos que demora, leva o seu tempo, não só por razões naturais, mas também por razões económicas e sociais, e temos de começar já a criar as condições e os incentivos para que isso aconteça.
A terminar apenas uma nota ao Sr. Deputado Nuno Serra e à Sr.ª Deputada Patrícia Fonseca: nós não queremos diabolizar o eucalipto,… mas também não queremos transformar o eucalipto na ideologia reinante. Haja bom senso!
3ª Intervenção – encerramento
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: No final desta interpelação que Os Verdes agendaram, interessa, antes de mais, sublinhar não só a importância da matéria abordada, mas também o reconhecimento unânime da relevância que a floresta e o mundo rural representam para o nosso País.
Durante este debate ficou claro que os grandes problemas da floresta e do abandono do mundo rural decorrem de opções políticas erradas, que, ao longo de décadas, foram cedendo aos interesses da grande indústria das fileiras florestais.
A estas cedências é, ainda, necessário somar a extinção do corpo de guardas florestais, a liberalização do eucalipto, o visível desinvestimento público na floresta, a desresponsabilização do Estado na gestão da floresta, no ordenamento florestal, no combate à desertificação e ao abandono do mundo rural.
Acresce, ainda, os efeitos da aplicação da PAC, a destruição da pequena e média agricultura, o desaparecimento de milhares e milhares de explorações familiares, o enfraquecimento das estruturas descentralizadas do Ministério da Agricultura e o encerramento de serviços públicos que em muito contribuíram para a desertificação e para o abandono do mundo rural.
Mas também ficou claro, neste debate, que é urgente olhar para a floresta como um setor estratégico e que o reconhecimento do importante recurso económico que a floresta representa para o País não pode nem deve ser incompatível com a defesa e a valorização das outras funções que a floresta desempenha.
Ficou claro que se impõe um verdadeiro ordenamento florestal que consiga contrariar as extensas monoculturas, que garanta a limpeza da floresta e a plantação de novas áreas de floresta tradicional, que é necessário valorizar a agricultura e a ocupação do espaço rural, que é urgente fazer renascer o corpo de guardas florestais, integrado numa aposta no reforço das estruturas descentralizadas do Ministério da Agricultura, que é necessário inverter a tendência para a florestação em monocultura contínua de espécies altamente comburentes e de crescimento rápido, que é urgente promover o aumento do preço da madeira na produção, seja na mata seja à entrada das fábricas e que se impõe travar a expansão da área de eucalipto.
Contudo, muita coisa ficou clara durante este debate: ficámos sem perceber o que leva o PSD a afirmar que grande parte do território não tem eucalipto e que a maior parte da floresta portuguesa não é eucalipto, quando os dados do Inventário Florestal Nacional de 2010 nos dizem que a área total de eucalipto conheceu um aumento de 13%, entre 1995 e 2010, sendo a espécie que tem maior ocupação da área florestal no continente — 812 000 ha, sem contar com os efeitos da liberalização do eucalipto promovida pelo anterior Governo do PSD/CDS.
Também ficámos sem perceber por que é que o PSD afirma que o eucalipto é o que arde menos e onde o fogo se apaga com mais facilidade, quando todos sabemos que o eucalipto é mais propício ao incêndio do que qualquer outra espécie, fomenta a propagação dos incêndios para grandes distâncias, satura o meio ambiente, empobrece os solos, seca as linhas de água e cresce sempre incompatibilizado com a restante biodiversidade da floresta.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A floresta e o mundo rural que hoje temos não são tão-só o resultado de opções políticas de vários governos mas também resultado da aplicação da Política Agrícola Comum (PAC).
De facto, a PAC acentuou e agravou substancialmente o abandono da nossa agricultura, a base de ocupação e de vida do mundo rural, e sem agricultura deixa de haver motivos para a permanência das pessoas no mundo rural e daí o abandono e o êxodo rural.
Os poucos que vão resistindo, normalmente pessoas já de idade, acabam por ficar à mercê das celuloses, numa situação de verdadeira dependência, a quem cedem, ou a quem se veem obrigados a ceder as suas propriedades a preços baixíssimos.
Também, por isso, o mundo rural está cada vez mais pobre, porque está dependente das celuloses e estas perdem o interesse nas terras ao fim de três cortes, mais ou menos 25 anos, abandonando o território e deixando os eucaliptos a servir de pasto para as chamas. As pessoas, na sua maioria idosas, sem saúde física nem meios económicos para fazerem a limpeza dos terrenos, ficam à mercê do abandono das celuloses, mas também ficam à mercê dos incêndios.
Foi este o resultado das opções políticas erradas que, durante décadas, foram assumidas pelos governos e que provocaram consequências graves tanto do ponto de vista social como do ponto de vista ambiental.
Ao nível social, as políticas que promoveram a plantação do eucalipto levaram ao aumento do número de incêndios e favoreceram a sua dimensão, sendo cada vez maior o seu impacto sobre as populações que começam até a ter receio de continuar a viver nessas zonas.
Acresce ainda que a monocultura do eucalipto não gera emprego no mundo rural, como outras espécies florestais; é uma espécie que, desde a sua origem, não precisa de meios e que conheceu uma mecanização muito rápida, sendo que, por exemplo, no seu processo de extração uma única pessoa com uma máquina de arranque é suficiente, é o quanto baste!
As consequências ao nível ambiental são devastadoras. De facto, o eucalipto é uma espécie inimiga da biodiversidade, é egoísta, sovina, seca tudo à sua volta e não é resiliente ao fogo, como as outras espécies.
Para terminar, gostaria de dizer que o reconhecimento dos problemas da nossa floresta e do mundo rural não chega! É pouco; é preciso mais!
Por isso mesmo, Os Verdes vão continuar a lutar não só para travar, e até diminuir, a expansão da área de eucalipto no nosso País, como também para procurar formas de potenciar a plantação de espécies autóctones, nomeadamente criando incentivos para a plantação de espécies como o montado de sobro e de azinho.