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22/06/2016 |
Interpelação n.º 4/XIII (1.ª) — Sobre combater o desperdício alimentar — da produção ao consumo (DAR-I-81/1ª) |
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Intervenções dos Deputados José Luís Ferreira e Heloísa Apolónia - Assembleia da República, 22 de junho de 2016
1ª Intervenção
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, desejando que a Seleção Portuguesa não desperdice golos num jogo que se realizará daqui a umas horas, o que Os Verdes propõem mesmo é que agora debatamos um outro tipo de desperdício, mais concretamente o desperdício alimentar.
Colocam-se, atualmente, diversos desafios ambientais globais, como a necessidade de combater as alterações climáticas ou a de inverter a acentuada perda de biodiversidade. A esses diversos desafios ambientais globais há urgência em adicionar o combate ao desperdício alimentar.
Com efeito, quando falamos de desperdício alimentar falamos de alimentos destinados ao consumo que acabaram por ser inutilizados em quantidade ou em qualidade. A produção intensiva desses alimentos implica a vasta utilização de recursos naturais e tem impactos ambientais significativos, como, por exemplo, gastos acentuados de água, saturação de solos, perda de biodiversidade, produção de resíduos, gastos energéticos e emissão de gases com efeito de estufa. Consequentemente, fica claro que a inutilização de alimentos significa o desperdício dos recursos naturais que foram usados em vão para os produzir.
Reduzir o desperdício alimentar é, pois, contribuir para poupar o ambiente, com a consciência de que a natureza tem limites.
Ocorre que se estima, de acordo com a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), que um terço dos alimentos que são produzidos no mundo são perdidos ao longo de toda a cadeia alimentar, desde a colheita, ao processamento, ao embalamento, ao transporte, ao armazenamento e à conservação, à distribuição e à venda, até ao consumo final. São números que coincidem com os de investigadores que concluíram que a margem de desperdício de alimentos no mundo ronda os 30% a 40% do que é produzido e, em bom rigor, a perspetiva é a de que possamos chegar ao ano de 2025, daqui a menos de 10 anos, com perdas alimentares mundiais na ordem dos 50% se o rumo de crescimento do desperdício, que se acentua desde os anos 70 do século XX, se mantiver.
A América do Norte e a Oceânia são campeãs no desperdício alimentar mundial, logo seguidas da Europa, o que gera uma responsabilidade destas zonas do globo em relação a ações e medidas concretas para combater este fenómeno. O absurdo é de tal ordem que a FAO estima que se cerca de 35% dos alimentos desperdiçados no mundo fossem aproveitados, disponibilizados e distribuídos, não havia carência nem incapacidade de acesso a alimentos por parte de nenhum ser humano e, mesmo assim, sobravam 65% dos alimentos que acabam no lixo, tal é a ordem do desperdício. Isto dá-nos bem a perspetiva da hipocrisia reinante neste mundo, porque a fome não se deve à escassez mundial de alimentos.
Portanto, importa que tenhamos consciência de que os padrões de consumo, de comércio e de produção têm de ser alterados, de modo a que se gere um sistema alimentar sustentável, ou seja, que garanta segurança alimentar e nutrição para todos, nas presentes gerações, sem comprometer as bases ambientais que gerem segurança alimentar e nutrição também para as futuras gerações. Isto implica, necessariamente, uma solidariedade intra e intergeracional.
Evidentemente que este objetivo não é compatível com duas realidades antagónicas e insustentáveis com que hoje o mundo está confrontado. Por um lado, uma produção e um consumo alimentares intensivos, esbanjadores, que ultrapassam e em muito as necessidades básicas e, por outro lado, a fome, a subnutrição, a incapacidade de acesso a alimentos ou a nutrientes importantes, com que uma larga percentagem da população está confrontada.
Pensar o desperdício alimentar é, pois, algo intimamente ligado aos processos de produção e de consumo que se querem sustentáveis e a uma justa repartição de alimentos e de acesso a nutrientes importantes, com dignas condições de vida das populações, designadamente no que se refere à correta satisfação das mais elementares necessidades.
Em Portugal, não sabemos quanto se desperdiça em termos alimentares. Não há nenhuma estatística que nos dê conta dessa realidade a não ser o estudo PERDA — Projeto de Estudo e Reflexão sobre o Desperdício Alimentar, de 2012, que, como já foi referido pela sua coordenadora, não se trata de mais do que uma estimativa, numa altura em que os diversos agentes da cadeia alimentar ainda tinham alguma dificuldade em abordar questões relacionadas com os desperdícios dos alimentos do seu setor em particular. Este facto remete-nos, desde já, para a primeira exigência que é preciso fazer: Portugal precisa de estudar e de investigar com o máximo de rigor possível o seu nível de desperdício alimentar. Conhecer esta realidade é a forma mais eficaz de agir sobre ela.
Entretanto, o País precisa também de uma estratégia, de um programa de combate ao desperdício alimentar. O guia Prevenir Desperdício Alimentar, assinado entre o Governo e algumas organizações do setor alimentar, em 2014, não constitui mais do que uma compilação de princípios, importantes, mas não institui medidas para os concretizar nem metas que orientem as ações.
Foi, justamente, no sentido de corresponder à importância e à urgência da matéria do combate ao desperdício alimentar e de gerar uma conduta proativa que Os Verdes propuseram à Assembleia da República, na Legislatura passada, um projeto de resolução, que contemplava um conjunto de medidas a empreender e que declarava o ano de 2016 como o ano nacional do combate ao desperdício alimentar. Essa iniciativa legislativa de Os Verdes foi aprovada por unanimidade, tendo resultado na Resolução da Assembleia da República n.º 65/2015, de 17 de junho.
Os Verdes sabem que até ao final do ano o problema do desperdício alimentar não ficará resolvido, como é evidente. Mas o que não podemos aceitar é que se chegue ao final do ano com tudo na mesma.
A declaração de um ano nacional para esta matéria não visa dar-lhe uma mera relevância formal, mas, sim, gerar uma alavanca para se trabalhar esta questão alimentar. Ora, passado um ano sobre a publicação da referida Resolução, e tendo em conta que ela determinava 15 recomendações específicas ao Governo, qualquer que ele seja, Os Verdes entenderam que é tempo de pedir contas a este Governo sobre a sua concretização e de contribuir para impulsionar a sua efetivação. É esse um dos principais objetivos desta interpelação que Os Verdes colocaram na agenda parlamentar. No âmbito da função fiscalizadora do Parlamento sobre o Governo, queremos saber o que já fez ou o que programa este Governo fazer para cumprir a Resolução da Assembleia da República que propõe o combate ao desperdício alimentar e a promoção da gestão eficiente dos alimentos.
Importa, ainda, relembrar que, no âmbito do Orçamento do Estado para 2016, Os Verdes propuseram uma norma específica para que houvesse dotação necessária para a criação de uma estratégia nacional com vista à redução do desperdício alimentar, proposta essa que foi aprovada.
Também no início do presente mês de junho, Os Verdes realizaram uma audição pública, aqui no Parlamento, que juntou um vasto conjunto de entidades, associações e cidadãos interessados para debater respostas de combate ao desperdício alimentar. Foi uma audição muito relevante, que demonstrou que a sociedade está apta e com vontade de se envolver nesta questão. Há muitas ações pensadas, amadurecidas e outras em prática, e há condições para um largo empenho dos mais diversos agentes.
De resto, nenhuma estratégia terá eficácia nesta matéria se os objetivos e metas traçados não contarem com um forte envolvimento ativo da sociedade na sua definição e na sua concretização.
Numa das últimas conferências de líderes, Os Verdes propuseram também que na próxima sessão legislativa se estabeleça um dia da agenda parlamentar dedicado à discussão de iniciativas legislativas sobre a matéria do combate ao desperdício alimentar. Foi uma sugestão bem acolhida pelo Sr. Presidente e pelos demais grupos parlamentares, e Os Verdes estão em crer que essa sessão pode contribuir para que, neste ano nacional do combate ao desperdício alimentar, se possam dar passos visíveis para enfrentar o desafio que nos está, também a nós, imposto.
Nesse sentido, Os Verdes estão já a programar um pacote de iniciativas legislativas que, entre outras questões, incidirá sobre o seguinte: primeiro, a criação de um Simplex para a venda direta de produtos alimentares por parte dos pequenos produtores. Agilizar esta venda direta é uma forma de multiplicar os mercados de proximidade e de gerar circuitos curtos de comercialização de alimentos, com grande benefício para a preferência e o escoamento de produtos locais.
Por um lado, a verdade é que os circuitos longos de comercialização geram grande desperdício nas diversas fases de aprovisionamento e todos sabemos o que é comprar uma maçã calibrada num dia e vê-la já apodrecida no dia seguinte, para já não contar com as grandes quantidades de perecíveis podres que são deitados fora pelas distribuidoras por já não se encontrarem em condições de venda, depois do longo transporte. Isto é desperdício alimentar.
Por outro lado, a pequena agricultura é muito mais eficaz na colheita do que a produção industrial, deixando menos alimentos na terra por colher, o que significa que temos menos perdas alimentares. Com a venda direta do produtor ao consumidor garante-se também maior valor nutritivo, na medida em que os alimentos perecíveis são mais frescos e duráveis.
Segundo, o estímulo pela preferência da venda a granel, de modo a que se possam adquirir apenas as doses necessárias à estrutura familiar do consumidor. Mas porque, nos dias que correm, os produtos alimentares transformados e pré-embalados são muito procurados, é fundamental aproximar a dimensão das embalagens das necessidades dos consumidores. A verdade é que como o consumidor está dependente do que o mercado lhe oferece é muitas vezes obrigado a comprar embalagens com doses familiares, porque não existem mais pequenas, embora use apenas a quantidade necessária, indo, muitas vezes, o restante para o lixo. A dimensão desadequada das embalagens é fator de promoção de vasto desperdício alimentar.
Terceiro, lançamento de uma campanha nacional, amplamente divulgada, à semelhança do que se fez outrora com a separação de resíduos e a sua deposição nos ecopontos, que tenha também tradução nas escolas, de modo a educar os cidadãos para a importância da diminuição substancial do desperdício por parte do consumidor final, dando a conhecer, para além de outras, sobretudo duas questões: a diferença entre «consumir antes de» e «consumir de preferência até» e, por outro lado, técnicas de conservação de alimentos depois de embalagens abertas. Salientamos estas duas questões porque elas são dos maiores fatores de desperdício de alimentos por parte do consumidor final.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Iniciemos, para já, o debate, que nos permita perceber em que ponto estamos, depois da Resolução aprovada pela Assembleia da República, para que, depois, possamos definir os passos a dar nesta caminhada contra o desperdício alimentar.
2ª Intervenção
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes) - Sr.ª Presidente, quero agradecer aos Srs. Deputados as questões que foram colocadas e, de uma forma muito breve, dizer ao Sr. Deputado Joel Sá que não gostava de ligar o debate sobre o desperdício alimentar a uma lógica assistencialista. É que, na verdade, sabemos que todas as pessoas têm o seu direito à alimentação, com a maior dignidade possível. Como tal, a possibilidade e a capacidade de a pessoa, por via do seu trabalho, sustentar-se e gerir a sua vida nas mais básicas necessidades é fundamental.
Portanto, não gostávamos de ligar este debate a uma lógica assistencialista.
Contudo, é evidente que há um conjunto de estratégias que podem ser encontradas no sentido de que produtos alimentares que já existem, em vez de irem parar ao lixo, possam ser aproveitados, até independentemente da condição económica das pessoas, numa reutilização ou num aproveitamento desses produtos. E, não sendo para consumo humano, podemos sempre hierarquizar para o consumo animal e, depois, eventualmente para outros métodos inclusive de produção de energia, compostagem, entre outros. Ou seja, temos um conjunto de metodologias a que nos devemos agarrar no sentido de não desperdiçar.
Mas a questão fundamental é prevenir! Prevenir logo na causa. Isso é que é fundamental! E o Sr. Deputado diz que no PSD também estão muito preocupados. Sr. Deputado, estão muito preocupados, mas fizeram muito pouco sobre a matéria, convenhamos!
Sr. Deputado João Ramos, de facto, quanto à Resolução, temos de olhar para ela de uma forma séria. Ela foi aprovada pela Assembleia da República mas, na verdade, o que está aos olhos de todos é que está por cumprir! Portanto, um dos objetivos deste debate é que possamos também, aqui, impulsionar e agilizar a sua concretização. É, no fundo, esse puxão — se me permite a expressão — que gostaríamos de dar ao Governo, porque o País beneficia com isso.
Relativamente à matéria das embalagens, diz, e muito bem, o Sr. Deputado, que Os Verdes já têm trazido aqui, à Assembleia da República, um conjunto de iniciativas sobre esta matéria, ou seja, sobre a necessidade de prevenir, reduzindo as embalagens por uma lógica ambiental absolutamente compreensível.
Também, aqui, nesta faceta do desperdício alimentar, é fundamental que a embalagem seja adequada às diversas doses, isto é, que estas sejam compatíveis com as estruturas e as dimensões familiares. Isto porque um dos maiores fatores de desperdício é o facto de o consumidor ser obrigado a comprar produto numa embalagem familiar, da qual utiliza uma pequena parte e, depois, a conservação do resto da embalagem não é feita e vai tudo parar ao lixo. Este é um dos fatores mais óbvios e claros de desperdício alimentar.
O Sr. Deputado João Ramos também tem razão numa coisa: é que olhamos muitas vezes para os alimentos apenas numa pura lógica do seu valor comercial e temos de olhar para os alimentos na lógica do valor nutritivo. Temos de dar outra relevância aos alimentos, temos de amar de outra forma os alimentos, porque essa é a forma de amarmos também a natureza e, consequentemente, a condição humana e a humanidade no presente e no futuro.
3ª Intervenção
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes) - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, tomei boa nota da informação que o Sr. Ministro deu da forma como o Governo já está empenhado na construção de um programa de combate ao desperdício alimentar.
Todavia, o que eu gostava de dizer é que não há programa ou estratégia que possa ser criado, subsistir e ter sucesso se não for amplamente participado pela nossa sociedade. E, pela audição que Os Verdes fizeram, aqui, no Parlamento, temos a certeza de que os mais diversos agentes dos mais diversos setores envolvidos ao longo de toda a cadeia alimentar estão amplamente sensibilizados e com vontade de contribuir para este objetivo do combate ao desperdício alimentar. Isso ficou perfeitamente patente nesta audição que Os Verdes realizaram.
Portanto, o que Os Verdes propõem não é que se faça um programa à pressa, mas, sim, que se faça um programa absolutamente participado, consentido, sustentado no conhecimento e que, portanto, seja muito mais eficaz. É fundamentalmente isso que queremos: eficácia! E, nesse sentido, gostaria que o Sr. Ministro pormenorizasse um pouco mais, dizendo como é que pensa realizar, criar esse programa e até se tem uma perspetiva de quando é que esse programa ou essa estratégia podem estar concluídos.
Evidentemente, falo agora por parte do Grupo Parlamentar «Os Verdes», estamos amplamente empenhados, também, em participar nessa matéria.
Sr. Ministro, coloco-lhe só mais uma pergunta muito rápida que tem a ver com a questão, que já falei, dos mercados de proximidade.
Gostava de saber se o Sr. Ministro considera, ou não, que esta é uma questão crucial para o combate ao desperdício alimentar e que medidas considera serem fundamentais para esta venda direta do produtor ao consumidor e, ainda, como é que considera que se podem dar passos no sentido dessa concretização.
4ª Intervenção
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Infelizmente, não vivemos apenas numa sociedade de consumo, vivemos também numa sociedade de desperdício. E independentemente das considerações que possamos fazer em torno de saber se o desperdício é uma consequência direta da sociedade de consumo, interessa trabalhar no sentido de combater este preocupante fenómeno do desperdício alimentar.
Lembro a este propósito que, na sua Resolução de 19 de janeiro de 2011, o Parlamento Europeu, manifesta a sua preocupação pelo facto de, diariamente, uma quantidade considerável de alimentos, mesmo sendo perfeitamente consumível, ser tratada como resíduo.
No mesmo documento, o Parlamento Europeu considera que o desperdício de alimentos representa um problema ambiental e ético com custos económicos e sociais, e convida a Comissão Europeia a estudar as razões que levam a deitar fora, desperdiçar e depositar anualmente nos aterros da Europa cerca de 50% dos alimentos produzidos.
Trata-se, assim, de um combate que se impõe, não só pela exploração absolutamente inútil dos recursos naturais que o desperdício exige ou implica, e que poderiam ser poupados, mas também pela infeliz constatação de que, anualmente, milhões de toneladas de alimentos são desperdiçados, num mundo onde um sexto da população passa fome.
Em causa, estão, portanto, não só questões de natureza ambiental, dada a pressão feita desnecessariamente sobre os recursos naturais, mas também questões de natureza intergeracional. Ou seja, do que falamos, quando falamos de desperdício alimentar, é de um problema de sustentabilidade.
Por isso mesmo, esta matéria tem vindo a merecer a maior atenção por parte de Os Verdes, seja através da apresentação de iniciativas legislativas, seja através de iniciativas de outra natureza, como a audição pública parlamentar sobre propostas e estratégias de combate ao desperdício alimentar, que Os Verdes promoveram, nesta Assembleia, no início do mês de junho.
Tratou-se de uma iniciativa muito participada e muito interessante, até porque o desperdício alimentar, apesar de ter sido objeto de diversos estudos noutros países, em Portugal não tem merecido muita atenção e só há pouco tempo começaram a aparecer projetos tendo como denominador comum, exatamente, o desperdício alimentar.
Quanto a estudos, o único que existe até hoje no nosso País foi elaborado pelo PERDA — Projeto de Estudo e Reflexão sobre o Desperdício Alimentar, designado Do campo ao garfo, o desperdício alimentar em Portugal. Mas na audição parlamentar que Os Verdes promoveram chegaram-nos experiências e ações no terreno levadas a cabo por várias associações, nomeadamente: pela IN LOCO, que, em conjunto com algumas autarquias, municípios e freguesias, e envolvendo escolas e agentes locais, procura criar uma metodologia para a rastreabilidade do desperdício alimentar ao nível local; pela DECO, que, em matéria da educação do consumidor, tem a decorrer um projeto com várias escolas, desafiando os jovens a criarem receitas inseridas no combate ao desperdício alimentar; pelo movimento Re-food, um movimento que se propõe contribuir para eliminar o desperdício alimentar, acabar com a fome e incluir toda a comunidade nesse esforço; e também pela OIKOS, com o seu projeto Integrar para Alimentar — Conhecimento, Saúde e Sustentabilidade e o Quadro Geral para a Ação sobre Política Alimentar Urbana, cujo objetivo é fornecer opções estratégicas às cidades ou municípios que pretendam implementar ou desenvolver sistemas alimentares mais saudáveis ao subscreveram o Pacto de Milão sobre políticas alimentares urbanas.
Quanto a estudos, como há pouco referi, o único estudo exclusivamente nacional sobre o desperdício alimentar é o PERDA — Projeto de Estudos e Reflexão sobre o Desperdício Alimentar.
A metodologia deste estudo foi adaptada do e
studo da FAO e a capitação anual estimada das perdas e desperdício alimentar em Portugal aponta para 97 Kg por habitante/ano, dos quais 31% provêm dos consumidores.
Estamos, portanto, a falar de estimativas que, no dizer dos próprios autores do estudo, podem ser descritas como grosseiras, devido à larga utilização de dados meramente aproximados.
Ainda assim, e mesmo sendo estimativas, sabemos que o desperdício alimentar é muito elevado e, seja por razões económicas, seja por razões ambientais ou até morais, o seu combate deve ser encarado com um imperativo.
Sabemos também que o desperdício alimentar é um fenómeno complexo, que atravessa todas as etapas dos alimentos desde a sua produção até ao consumo final. E sabemos ainda que a tendência para o alongamento das cadeias, afastando cada vez mais o produtor do consumidor, agrava o problema.
É por isso que também nesta matéria o «consumir local» tem de ser encarado como uma das prioridades das políticas que desenham os nossos destinos coletivos.
É preciso valorizar e fazer renascer os mercados tradicionais, os mercados de proximidade, os mercados locais, em detrimento das grandes superfícies comerciais.
Da mesma forma, é necessário apostar nos circuitos curtos de comercialização de produtos alimentares, de forma a valorizar a agricultura familiar, beneficiando de apoios que acabam por gerar benefícios para uma boa e desejável gestão de produtos alimentares.
É também por isso que as aspirações e necessidades daqueles que produzem, distribuem e consomem os alimentos têm de estar no centro das políticas agrícolas, alimentares e comerciais e é também por isso que se exigem políticas públicas que consigam salvaguardar o direito à alimentação e à nutrição adequadas e promovam a segurança alimentar e nutricional de forma soberana.
São precisos esforços e coragem para combater um conjunto de regras europeias que vieram potenciar o desperdício alimentar, sobretudo quando falamos de frutos e de produtos hortícolas e das respetivas exigências europeias de possuírem uma determinada dimensão para poderem ser postos à venda.
É preciso olhar para as embalagens de produtos alimentares que tantas vezes, e sem se perceber porquê, são apresentadas com um formato absolutamente desproporcional às diferentes dimensões do agregado familiar e nunca são pensadas para poder contribuir para o combate ao desperdício alimentar.
Por fim, são necessários esforços para alterar hábitos de consumo, e campanhas de sensibilização e informação são, nesta matéria, instrumentos decisivos. Campanhas de sensibilização para o problema do desperdício alimentar dirigidas aos agentes económicos mas também aos consumidores, campanhas com presença nas escolas, com desafios para a criação de iniciativas em torno da necessidade do combate ao desperdício alimentar. Há, portanto, muito a fazer nesta matéria.
Sr.as e Srs. Deputados, neste combate, que procura ou que pretende afirmar o princípio da sustentabilidade, tanto os modelos de produção como os padrões de consumo ganham uma relevância absolutamente decisiva. São uns e outros que importa reverter.
É que se do ponto de vista ambiental é inqualificável que se esbanjem recursos naturais para produzir bens alimentares que depois acabam nos aterros, do ponto de vista social é também dramático que se desperdicem alimentos que poderiam ser canalizados com vista a contribuir para satisfazer necessidades básicas alimentares de uma parte significativa da população.
Por tudo isto, impõem-se e exigem-se ações sérias e um envolvimento ativo e empenhado por parte do Estado na materialização de estratégias com vista a reduzir substancialmente a perda de alimentos no nosso País e nas diferentes fases, desde a produção ao consumo dos alimentos.
Para isso é fundamental e decisivo que o Governo olhe para a resolução que Os Verdes fizeram aprovar nesta Assembleia, aliás, por unanimidade, e que olhe com olhos se ver, assumindo o compromisso de se envolver na materialização dos 15 pontos dessa importante resolução em matéria de desperdício alimentar. Olhar para essa resolução com olhos de ver significará que estaremos no bom caminho.
5ª Intervenção
O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Presidente, é apenas para dizer ao Sr. Deputado Maurício Marques que registamos o apreço demonstrado pelo PSD quanto a esta iniciativa, dizendo ainda que é importante que os partidos tivessem esta preocupação com o desperdício alimentar e também com o combate à pobreza não apenas quando estão na oposição mas sempre, quer quando estão no poder quer quando estão na oposição.
De qualquer forma, registamos o que foi dito sobre a iniciativa que Os Verdes hoje trouxeram à discussão.
6ª Intervenção
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados, deixo umas notas finais para vos dizer o seguinte: na perspetiva de Os Verdes, quando falamos de desperdício alimentar temos de falar, a montante, sempre e necessariamente, do direito à alimentação e à alimentação saudável. Este direito é para todas as pessoas!
Ora, precisamos depois de perceber que isto tem uma transversalidade que não podemos perder de vista. É que, quando o anterior Governo cortou rendimentos às famílias, a nível dos salários ou das pensões, e quando cortou nos apoios sociais, designadamente no abono de família, no subsídio de desemprego, entre outros, retirou a muitas destas famílias a sua capacidade de ter acesso e sucesso no seu direito à alimentação.
Lembramo-nos como nos anos de 2012, 2013 e 2014 muitas pessoas chegavam à Assembleia da República a dar registo de fome! De fome! O que levou, inclusivamente, Os Verdes a apresentar um projeto, na Assembleia da República, que previa a criação do pequeno-almoço escolar, porque recebíamos queixas de muitas escolas, diretamente dos professores, de crianças que chegavam à escola sem se terem alimentado e o almoço que comiam na escola era a única refeição que comiam no dia.
Portanto, isto para dizer que as políticas sociais também são extraordinariamente relevantes quando discutimos esta matéria.
Por outro lado, e para me colocar um bocadinho na lógica dos Srs. Deputados do CDS, aproveito para lhes dar ainda esta informação: quando realizámos a audição, como referi, aqui, no Parlamento no início do mês de junho, a ARESP — Associação de Restauração e Similares de Portugal falou-nos da criação que tinha feito de um programa de fornecimento de alimentos a pessoas carenciadas e quando os senhores aumentaram o IVA na restauração o confronto com dificuldades foi de tal ordem que a ARESP teve de suspender o programa.
Portanto, vejam bem como tudo isto está interligado e como tudo isto tem relevância.
Depois, Sr.as e Srs. Deputados, há uma questão que para Os Verdes é fundamental: o conhecimento sobre aquilo que se desperdiça e como se desperdiça. Não podemos perder este objetivo de vista e, por isso, Os Verdes também consideram que é importante trabalhar para uma iniciativa legislativa e estamos a trabalhar no sentido de se perceber, nas cantinas públicas, qual é o nível de desperdício. Porque as cantinas públicas também têm de ser, de alguma forma, um exemplo nas ações que temos de tomar. Nós não sabemos qual o nível de desperdício alimentar e a sua causa efetiva nas cantinas.
Por exemplo, no outro dia, quando discutimos o projeto de lei de Os Verdes sobre a alternativa das ementas vegetarianas nas cantinas, um Sr. Deputado do PSD dizia que, muito provavelmente, introduzir mais essa ementa leva a mais desperdício alimentar. E não! Curiosamente, na nossa audição, uma das questões que foi referida foi que nas cantinas escolares, onde é oferecido apenas um prato às crianças, quando as crianças não gostam desse prato, nota-se um volume de desperdício. Isto é para nos fazer refletir sobre como as ofertas alimentares também podem promover a redução do desperdício alimentar.
Enfim, há todo um conjunto de fatores que temos, de facto, de nos permitir conhecer e refletir para, depois, tomarmos medidas mais adequadas. Já agora gostava de dizer que há ameaças que também temos de ter em conta. Por exemplo, Sr. Ministro, o facto de o PDR 2020 (Programa de Desenvolvimento Rural 2016-2020) não ter um subprograma para as cadeias de circuitos curtos de comercialização é problemático ou, pelo menos, é fundamental que essa ajuda mais direta se faça.
Por outro lado, temos a ameaça do TTIP (Transatlantic Trade and Investment Partnership) e do CETA (Comprehensive Economic and Trade Agreement) que, como sabemos, são monstros da globalização que visam servir interesses das multinacionais e espezinhar os pequenos produtores e a produção local. Temos de estar atentos a esta matéria. Não podemos estar a agir, por um lado, e, depois, a apoiar mega-acordos desta forma que só beneficiam os grandes e que vão exatamente contra o que é fundamental e de que hoje, aqui, neste debate tanto falámos, que é a produção familiar e a produção local, que são justamente uma das melhores formas de permitir a redução do desperdício alimentar.
Sr.ª Deputada Fátima Ramos, relativamente a uma intervenção que fez a este propósito, deixe-me, por favor, dizer-lhe o seguinte: quanto a esse guia, de que falou, de prevenção do desperdício alimentar de 2014, falámos dele na nossa intervenção. Contudo, verificamos que se trata de um conjunto de princípios e que não tem metas estabelecidas. Mas, Sr.ª Deputada, não se olhar ao espelho e não perceber que, em 2014, 2015, o PSD e o CDS, que estavam no Governo, não fizeram rigorosamente nada sobre a matéria é que já é um bocadinho de descaramento a mais, permita-me que lhe diga!
Para terminar, Sr. Presidente, quero agradecer todas as saudações que todos os Srs. Deputados que intervieram fizeram a esta interpelação de Os Verdes. Mas, nós não ficamos satisfeitos só com as saudações, apesar de as agradecermos. O que consideramos é que esta interpelação pode constituir um motor para a ação, no Parlamento, dos diferentes grupos parlamentares e também do Governo para a matéria do combate ao desperdício alimentar. E é isso que esperamos que resulte desta interpelação.
Por parte de Os Verdes, estamos a fazer o nosso trabalho e a construir um conjunto de iniciativas que gostaríamos de ver discutidas na próxima sessão legislativa.