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25/04/2009 |
Intervenção de "Os Verdes" na sessão solene do 25 de Abril - Assembleia da República |
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Assinalamos hoje os 35 anos do 25 de Abril de 1974, o dia em que o nosso futuro colectivo ganhou outro sentido, em liberdade, em democracia e em paz.
E todos nós sabemos que essa linda manhã de sol e de cravos, não foi provocada por uma qualquer intervenção divina, nem tão pouco, fruto de uma acidente do destino,
Foi sim o resultado da determinação dos Capitães de Abril, que nessa madrugada, saindo dos quartéis, foram capazes de sacudir, corajosamente, o presente e silenciar o passado, para, de forma digna, elevada, nos darem outro futuro, outro caminho.
Mas foi também o resultado da resistência, do inconformismo e da coragem de tantos homens e mulheres portuguesas que partilhando causas e valores que consideravam justos, saíram também à rua para se juntarem aos militares e abraçarem essa linda manhã de sol e de cravos e tudo o que ela representava.
Não foi portanto o acaso, nem o destino, mas sim os Militares de Abril e aqueles homens e mulheres que acreditaram que, de facto, “não há machado que corte a raiz ao pensamento”.
Assim se pôs fim a uma ditadura de quase meio século, a um regime que calou e censurou os portugueses, que fez e alimentou a guerra do ultramar, que semeou a miséria, que procurou impor pensamentos, que perseguiu, que reprimiu, que torturou.
Para trás ficava o Estado Novo, a ditadura, a PIDE, a censura, a guerra colonial, a Mocidade Portuguesa, o “Angola é nossa”, o “orgulhosamente sós” e tantas, tantas outras realidades sombrias, que passaram a ser outro passado, porque afinal, “o sonho comanda, mesmo, a vida”.
Para o futuro viriam eleições livres, a liberdade sindical, de expressão, de imprensa, o Poder Local Democrático, o Sistema Nacional de Saúde, o Ensino para todos, a Segurança Social, o Salário Mínimo Nacional, o Direito a férias, a Contratação Colectiva, e tantas, tantas outras realidades, que no seu conjunto representam um valiosíssimo património que nos continua a orgulhar e sobretudo a permitir sonhar.
Passaram, entretanto 35 anos e se é verdade que muito se consolidou, do imenso Abril, que Abril nos trouxe e prometeu, também é verdade que continuamos a assistir, sobretudo hoje, a um clima generalizado de insatisfação.
Uma insatisfação motivada pela consciência de que estamos longe do desejável e pior ainda, com a percepção de que à medida que os Governos se vão sucedendo, nos afastamos cada vez mais das pretensões e dos valores que Abril semeou.
O Estado, porque “interessa ao mercado”, continua, hoje mais do que nunca, a desresponsabilizar-se e os Governos prosseguem na privatização de serviços públicos, até as visitas aos parques naturais, não escapando à gula do sector privado, são susceptíveis de concessionar.
Subvertendo o primado das suas Funções Sociais, o Estado tem vindo a retroceder em direitos essenciais, na Educação, na Saúde, na Justiça, na Segurança Social…
Aumenta o número de estudantes que abandonam os estudos porque não conseguem pagar as propinas.
O recurso à Saúde vai ficando cada vez mais longe e parte significativa das camadas sociais mais fragilizadas, deixa de comprar medicamentos porque não tem condições financeiras para o fazer.
O acesso à Justiça é cada vez mais, só para alguns e uma miragem para muitos.
A sustentabilidade da Segurança Social é feita através da redução das pensões.
Milhares de famílias encontram-se completamente reféns dos seus empréstimos.
A redução real dos salários da esmagadora maioria dos Portugueses, tem sido uma constante.
O desemprego alastra a um ritmo assustador.
Direitos adquiridos com Abril, têm vindo a ser gradualmente postos em causa pela alteração das relações de trabalho, de que é expoente máximo, a recente alteração socialista à legislação laboral.
Portugal apresenta-se como o País da União Europeia com mais desigualdades na distribuição da riqueza e um dos que tem mais população em risco de pobreza.
Pobreza que alastra ao ritmo, do aumento dos lucros dos grandes grupos económicos.
Este é o Portugal de todos os meses, de todos os dias, 35 anos depois daquele dia do mês de Abril.
Mas tal como há 35 anos, a situação que vivemos, não é obra do destino, nem tão pouco fruto do acaso.
Tal como há 35 anos, a situação que vivemos, tem autores, tem protagonistas, tem responsáveis.
E os responsáveis são quem nos tem governado, quem tem entendido que o Estado é o problema e o mercado é a solução e portanto menos estado, melhor estado.
Quem nos têm imposto estratégias baseadas em formulações neo-liberais, retiradas abusivamente das noções de competitividade, de modernidade, da suposta excelência do privado sobre o público.
Quem nos têm imposto Orçamentos de Estado, condicionados ao cumprimento cego do défice e do Pacto de Estabilidade e Crescimento e por essa via acentuando a desresponsabilização e aniquilação do Estado, alienando património que era de todos, na Saúde, na Educação, nos Valores Naturais e até na Administração Pública.
Tudo isto, como se as pessoas existissem para servir a economia e não a economia a existir para servir as pessoas.
E têm sido, exactamente estas opções que têm permitido o alastramento do fosso entre os mais ricos e os mais pobres, que têm favorecido as injustiças sociais, agravando o modo de vida dos mais desprotegidos e ao mesmo tempo alimentando os grandes grupos económicos.
Têm sido estas opções que acentuaram as nossas debilidades económicas e a dependência do País, em resultado da destruição do aparelho produtivo, a agricultura, a indústria e as pescas.
Têm sido estas opções que tem levado ao agravamento das problemáticas ambientais, como seja, a resistência no que diz respeito à adopção de medidas eficazes para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa; a mercantilização de recursos fundamentais à vida como a água; a transformação da política de conservação da natureza numa oportunidade de negócio; a privatização de importantes sectores como a energia ou os transportes; o agravamento das assimetrias regionais; ou a falta de uma política de ordenamento do território que garanta a sustentabilidade do desenvolvimento.
Opções ou Politicas que têm, em suma, impedido o equilíbrio ambiental e fomentado as injustiças sociais.
Estamos, inquestionavelmente, melhor, é certo, mas longe dos sonhos dessa madrugada de sol e de cravos. E ao fazermos uma leitura sobre o entretanto, somo forçados a concluir que as políticas dos sucessivos Governos, têm vindo a afastar-nos dos valores de Abril, promovendo preocupantes retrocessos, ao nível social, económico e ambiental.
Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados
Para terminar, dizer que hoje, Dia da Liberdade, enquanto, aqui na Assembleia da República comemoramos os 35 anos dessa Liberdade, algures no País, com pompa e circunstância, se procede à inauguração da requalificação do Largo Dr. Salazar, esse mesmo ditador, que durante tanto tempo nos roubou a Liberdade.
Uma cerimónia estranha aos valores da liberdade, no mínimo provocante e que por isso mesmo, em nome do Partido Ecologista “Os Verdes”, que aqui represento, queria desta tribuna manifestar o nosso mais vivo e firme protesto, pelo facto da Câmara Municipal de Santa Comba Dão, ter incluído no seu programa das Comemorações do 25 de Abril, o dia da Liberdade, a inauguração da requalificação do Largo, que tem o nome de um dos maiores responsáveis pelo fascismo no nosso país, e de tudo o que isso representou para Portugal e para os Portugueses.
Trata-se, no entendimento dos Verdes, de uma ofensa, não só aos Capitães de Abril, como a todos aqueles para quem o 25 de Abril significa liberdade, e portanto à generalidade dos Portugueses.
Para nós festejar Abril é continuar a procurar os caminhos para construir uma sociedade mais solidária, mais justa, mais fraterna e ambientalmente equilibrada.
Comemorar Abril é também dizer não ao fascismo.
Viva o 25 de Abril