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02/07/2019 |
Licenciamento de duas minas para exploração de depósitos minerais de lítio em terras do Barroso - DAR-I-103/4ª |
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Intervenção do Deputado José Luís Ferreira - Assembleia da República, 02 de julho de 2019
1ª Intervenção
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os Verdes trazem hoje novamente para discussão o assunto da exploração de lítio em terras do Barroso. E quando falamos em terras do Barroso convém, antes de mais, recordar que estamos a falar de territórios classificados pela FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations) como Património Agrícola Mundial. Tal é, portanto, o valor do sistema agro-silvo-pastorício destas terras dos concelhos de Boticas e de Montalegre, paredes meias com o único parque nacional do nosso país.
Pois é exatamente nestas terras classificadas destes dois concelhos que o Governo pretende licenciar duas minas de exploração de lítio. E uma vez que o Governo assinou já, em março deste ano, um contrato para a concessão de exploração de lítio, numa área do concelho de Montalegre, à Lusorecursos, muito provavelmente já nem se trata apenas de uma pretensão.
Com efeito, a formalização prematura deste contrato de exploração representa, para Os Verdes, não só o prenúncio de um crime ambiental, pelos impactos expectáveis do mesmo, como representa ainda um monumental descrédito dos instrumentos e procedimentos de avaliação ambiental, os quais, como sabemos, existem para sustentar as decisões do Estado na persecução das suas responsabilidades ambientais e não para legitimar decisões já tomadas. Para além disso, mas não menos grave, é ainda todo o atropelo à democracia que este caso tem consubstanciado.
Recorde-se que, em resposta a Os Verdes, o Governo garantiu que não haveria qualquer exploração de lítio em nenhuma das áreas classificadas do nosso País.
Ora, como já ficou claro, a localização das minas de Boticas e de Montalegre contraria grosseiramente esta garantia dada pelo Governo. E contraria em duas frentes: não só contraria pela sobreposição com a área de Património Agrícola Mundial, como contraria, segundo o próprio parecer da Comissão de Avaliação da Proposta de Definição de Âmbito, a chamada «PDA», pela sobreposição integral das duas áreas de exploração do lítio em Montalegre com a zona da Reserva da Biosfera do Gerês, com o Perímetro Florestal do Barroso e a inserção parcial das mesmas na área do território da alcateia do lobo ibérico do Leiranco.
Mas os impactes da mina de Montalegre sobre a biodiversidade não se ficam, infelizmente, por aqui. De facto, no parecer, é ainda referida a ameaça que a mina pode vir a representar para o mexilhão-de-rio, espécie classificada e em perigo de extinção e que, ironicamente, determinou a eliminação de uma das barragens do Plano Nacional de Barragens. E devido à sobreposição das áreas de exploração do lítio com as áreas de compensação das barragens do Alto-Tâmega, ameaça também as medidas mitigadoras dos impactos das mesmas sobre a biodiversidade.
Mas, mais, os impactes expectáveis apontados neste parecer não se limitam às questões da biodiversidade.
Na verdade, o parecer chama ainda a atenção para os recursos hídricos, sublinhando a falta de informação na PDA em relação a um conjunto de fatores.
Aponta-se a ausência total de avaliação dos impactes sobre a qualidade do ar, fator considerado relevante no projeto, uma vez que estamos perante minas a céu aberto, adivinhando-se os problemas que poderão daí advir para a saúde dos trabalhadores e também das populações.
Mas o parecer da Comissão é ainda arrasador sobre a metodologia e o conteúdo global da PDA. E passo a citar: «A PDA apresenta lacunas significativas, as quais não permitem deliberar adequadamente sobre o conteúdo do estudo de impacte ambiental», considerando, por fim, a mesma Comissão «não ter os elementos mínimos necessários para poder deliberar sobre o conteúdo da PDA».
Mesmo assim, depois de todos estes alertas, e perante a gravidade dos impactes ambientais previsíveis contidos nesse parecer, datado de janeiro de 2018, o Governo assinou, em março deste ano, o contrato de concessão, por 35 anos, da mina de lítio em Montalegre!
É exatamente por isso que Os Verdes consideram que, neste processo, o Governo está a «pôr o carro à frente dos bois». É disso mesmo que se trata e é esta a síntese que tem de se fazer, quando, primeiro, se assina o contrato e, só depois, se avaliam os impactes.
E quando o Governo diz que a exploração não avança sem estudo de impacte ambiental, elaborado e aprovado, outra coisa não se poderia esperar, porque é assim que a lei determina. O problema é que a possibilidade de a avaliação ambiental vir a concluir que não haverá exploração de lítio em Montalegre está excluída à partida, uma vez que o contrato de exploração já foi assinado.
Ou seja, remete-se a avaliação ambiental para um mero papel de mitigação e compensação de impactos, o que nos leva a afirmar que o estudo de impacte ambiental e a Declaração de Impacte Ambiental (DIA) da mina de Montalegre assentam em pés de barro! Estão completamente fragilizados, se não mesmo comprometidos.
Por fim, a exploração de lítio no Barroso, e muito concretamente em Montalegre, também levanta questões graves sobre a democracia: quando não há transparência, quando se sonega informação às populações, aos eleitos, é a democracia que está em causa; quando não se ouve primeiro as populações, antes de tomar decisões com implicações sérias na vida das pessoas, algo vai mal na democracia; quando se considera que as populações, que vão ser profundamente afetadas na sua forma de vida e na sua identidade, têm de aceitar resignadamente, em nome de um dito interesse nacional, o destino que outros lhes definiram, algo está mal numa democracia que se quer justa.
Para terminar, quero dizer que Os Verdes, face àquilo que foi referido, o que exigem é respeito pelo povo, pelas populações e pelo ambiente. É que, antes dos negócios, estão as pessoas e está o ambiente.
2ª Intervenção
Sr. Presidente, começo por agradecer aos Srs. Deputados Bruno Dias, Liliana Silva, Renato Sampaio, Filipe Anacoreta Correia e Pedro Filipe Soares as questões que me colocaram. Diria, de uma forma genérica, que compreendemos a importância do lítio e a importância do seu contributo para reduzir a dependência dos combustíveis fósseis, mas o bom senso recomenda que não se procure resolver problemas criando outros problemas ainda maiores. Significa isto que a exploração do lítio não pode ser feita a qualquer preço, têm de se respeitar as regras ambientais e, sobretudo, é preciso credibilizar os instrumentos de avaliação ambiental, não criando qualquer tipo de pressões nem qualquer tipo de condicionalismos, que é o que, na nossa perspetiva, o Governo está a fazer, quando primeiro assina e depois faz a avaliação dos impactes.
O Sr. Deputado Renato Sampaio fala da importância para a riqueza das populações. Ó, Sr. Deputado, aquela gente do Barroso já viu esse filme mais vezes! Quando lhes falámos nessas coisas — porque estivemos lá no âmbito da Comissão de Economia —, eles recordaram a herança das minas de volfrâmio, que prometiam desenvolvimento e que, afinal, deixaram as terras completamente secas, minas essas que, ainda por cima, eram em galerias e não a céu aberto. Hoje, os lameiros onde eles levavam o gado a pastar estão transformados em verdadeiras escombreiras e, portanto, eles já viram esse filme, não é a primeira vez.
O Sr. Deputado Bruno Dias tem razão, de facto, quando diz que o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita. Esse é o nosso grande receio, porque o processo correu mal e, quando lá fomos, no âmbito da Comissão de Economia, pudemos perceber os problemas que as populações nos levantaram e, sobretudo, a falta de informação que reinava.
Sr.ª Deputada Liliana Silva, em relação à importância do lítio, já referi que consideramos que pode ser um bom contributo, mas que traz outros problemas, e também acho que as populações não foram ouvidas nem envolvidas neste processo.
Respondendo ao Sr. Deputado Filipe Anacoreta Correia, o problema de Montalegre apenas foi trazido por Os Verdes porque, nesse caso concreto, já há um contrato de exploração assinado pelo Governo, mas nós exigimos que qualquer exploração, qualquer atividade económica respeite as normas e as regras ambientais. A avaliação de impacte ambiental não pode estar sujeita a qualquer tipo de pressões, sejam em Montalegre, sejam na serra de Arga, seja noutro local qualquer.
Sr. Deputado Renato Sampaio, ninguém quer diabolizar o lítio, mas também não queremos torná-lo na solução da Pátria. Ninguém o quer diabolizar, o que se quer é que se respeitem as regras e que não se descredibilizem os instrumentos de avaliação ambiental.
Sr. Deputado Filipe Anacoreta Correia, de facto, há pouca transparência nestes contratos, mas, já agora, aproveito para lhe lembrar que alguns contratos de licença destas explorações foram feitos pelo Governo anterior exatamente com o mesmo timbre de transparência. Portanto, acho que sobre isso estamos conversados.
Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, a questão é exatamente esta: é preciso salvaguardar os interesses económicos e a sustentabilidade ambiental. É preciso compatibilizar estas duas realidades e é possível compatibilizá-las! Não há falta de legislação, o que é preciso é que se cumpram as leis e, sobretudo, que não se pressionem as entidades que têm de dar parecer nestas matérias. Portanto, não ponham «o carro à frente dos bois», ou seja, não avaliem os estragos só depois de os contratos estarem assinados.