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24/01/2021 |
Os Verdes questionam o Governo sobre a autorização de comercialização, fabrico e utilização, em território nacional, de medicamentos veterinários para uso pecuário que contenham diclofenac |
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A deputada Mariana Silva, do Grupo Parlamentar Os Verdes, entregou na Assembleia da República uma pergunta, em que questiona o Governo através do Ministério da Agricultura, sobre a autorização de comercialização, fabrico e utilização, em território nacional, de medicamentos veterinários para uso pecuário que contenham diclofenac.
Em 2017 várias organizações de ambiente tornaram público que estaria na DGAV - Direção Geral de Alimentação e Veterinária, um pedido de autorização para introdução no mercado nacional de medicamentos veterinários contendo o princípio ativo diclofenac, para comercialização e utilização.
O diclofenac, cuja composição química é C14H11Cl2NO2, constitui um anti-inflamatório não esteroide, largamente utilizado desde a década de 60, com ação essencialmente analgésica e antiinflamatória, e cujo fármaco mais amplamente conhecido é dado pelo nome Voltaren. A sua utilização é bastante generalizada tanto ao nível humano como veterinário.
Ocorre que a utilização de diclofenac como princípio ativo em medicamentos veterinários, nomeadamente de utilização pecuária, tem-se revelado letal para as aves necrófagas, a uma dimensão preocupante na Ásia.
Na Índia, entre 1992 e 2007, a presença deste fármaco em menos de 1% dos cadáveres de gado predado por diversos grupos de abutres e águias levou ao declínio das suas populações em mais de 97%, segundo relatórios de algumas organizações não governamentais de ambiente, o que levou à necessidade de banir aquela substância para os casos em causa.
Existem estudos científicos que relacionam diretamente o uso do fármaco em gado com a morte de aves necrófagas.
Com efeito, nomeadamente abutres e águias do género Aquila alimentam-se de cadáveres de gado medicado com diclofenac e acabam por morrer num curto espaço de tempo, pois aquela substância atinge o seu sistema renal provocando insuficiência renal aguda. Este fármaco persiste nas carcaças de gado, com efeitos letais para os que deles se alimentam, pelo menos até dois dias após a morte daqueles.
Apesar de ter sido banido da Índia pelas autoridades governamentais, devido ao seu impacto nas aves necrófagas, o diclofenac está atualmente autorizado em diversos países da Europa, nomeadamente Espanha e Itália, e a ameaça de ser autorizada a sua comercialização e utilização no nosso país é uma constante. Uma autorização neste sentido constituiria uma ameaça a componentes importantes da nossa biodiversidade, de espécies em concreto.
Vários simpósios e seminários internacionais recentes sobre a conservação de aves necrófagas, como a Conferência Europeia sobre Abutres, que decorreu de 1 a 4 de outubro de 2019 no Algarve, vieram fortalecer ainda mais a necessidade de banir fármacos de aplicação veterinária como o diclofenac, dada a crescente constatação de causa efeito e o declíneo preocupante das populações de abutres, incluindo na Península Ibérica.
Esta é uma situação preocupante, ainda para mais quando as espécies em causa apresentam estatuto sensível pelo Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal. Falamos de espécies quase ameaçadas como o grifo (Gyps fulvus), de espécies em perigo como o abutre do egito (Neophron percnopterus) e a águia real (Aquila chrysaetus), ou de espécies criticamente em perigo como o abutre negro (Aegypios monachus) e a águia imperial ibérica (Aquila adalberti).
São espécies que no nosso país têm sido alvo de programas de recuperação das suas populações, nomeadamente programas comunitários como os projetos Life. Recentemente observado algum sucesso na nidificação e na reprodução do abutre negro e da águia imperial, espécies extremamente sensíveis e cujas populações têm estado em declínio.
Por estas razões, Os Verdes apresentaram na Assembleia da República um Projeto de Lei que visava exatamente proibir a utilização, comercialização e fabrico, em território nacional, de medicamentos veterinários para uso pecuário contendo diclofenac ou substâncias ativas análogas que possam ser precursoras do diclofenac. Entretanto a iniciativa legislativa foi rejeitada no Parlamento em janeiro de 2019.
O que significa que a ameaça que paira sobre a fauna atrás enumerada se mantém, sendo que não nos chegou ainda nenhuma informação sobre o desfecho do pedido de autorização à DGAV relativo aos medicamentos veterinários contendodiclofenac como princípio ativo.
Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, solicito a S.Ex.ª O Presidente da Assembleia da República que remeta ao Governo a seguinte
pergunta, para que o Ministério da Agricultura possa prestar os seguintes esclarecimentos:
1 – A Direção Geral de Alimentação e Veterinária - DGAV autorizou, até ao momento, a utilização, comercialização e fabrico, em território nacional, de algum medicamento veterinário para uso pecuário que contenha diclofenac ou substâncias ativas análogas que possam ser precursoras do diclofenac?
2 – Quantos pedidos pendentes tem a DGAV para utilização, comercialização e fabrico, em território nacional, de medicamentos veterinários para uso pecuário que contenha diclofenac ou substâncias ativas análogas que possam ser precursoras do diclofenac? E qual será o resultado desses pedidos?
3 – Estão o Ministério da Agricultura e a DGAV disponíveis para proibir a utilização, comercialização e fabrico, em território nacional, de medicamentos veterinários para uso
pecuário que contenham diclofenac ou substâncias ativas análogas que possam ser precursoras do diclofenac?
O Grupo Parlamentar Os Verdes
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24 de janeiro de 2021