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03/04/2016 |
Os Verdes questionam o Governo sobre a sua posição quanto ao CETA - Tratado de livre comércio e investimento |
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O Grupo Parlamentar Os Verdes, através do deputado José Luís Ferreira, entregou na Assembleia da República uma pergunta em que questiona o Governo, através do Ministério dos Negócios Estrangeiros, sobre a posição do Governo quanto ao CETA - Tratado de livre comércio e investimento, entre a União Europeia e o Canadá, que poderá não ser precedido de um amplo debate público, não ser debatido na Assembleia da República, mas apenas no Parlamento Europeu e no Conselho Europeu e que poderá pôr em causa os nossos padrões de defesa do consumidor, de defesa do ambiente e da natureza, assim como de defesa da nossa soberania.
Pergunta:
A Comissão Europeia e o Canadá têm vindo a negociar desde 2009 o CETA - Acordo Económico e Comercial Global (Comprehensive Economic and Trade Agreement), um tratado de livre comércio e investimento.
Este acordo, numa fase inicial, foi planeado como um simples tratado comercial mas, em 2011, as negociações foram alargadas no sentido de passar a incluir um capítulo sobre investimento. O CETA prevê um conjunto de medidas que poderão por em causa os serviços públicos, conferindo um poder ilimitado às empresas e nivelando as normas sociais e ambientais por baixo, atacando a capacidade de regulação dos direitos dos cidadãos por parte dos governos. Falamos de serviços básicos como a água, a saúde, a energia, ou da proteção de dados que será apenas parcial. Desta forma, haverá previsivelmente uma sobreposição de interesses corporativos em detrimento do interesse público, tal como evidencia a experiência passada nacional e internacional.
Além disso, este acordo permitirá às empresas dos Estados Unidos da América com sede no Canadá usar o acordo.
Neste momento está a ser decidido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia se o CETA será um acordo misto, requerendo a aprovação do Parlamento e do Conselho Europeus e de cada um dos parlamentos nacionais, ou se necessitará apenas da aprovação das autoridades europeias, o que poderá colocar em causa a soberania dos estados membros. Sendo um acordo misto, só poderá entrar em vigor se tanto a União Europeia como os Estados Membros o ratificarem.
Acresce a este facto a possibilidade de o CETA, mesmo que tenha que ser submetido aos parlamentos nacionais, poder ser aplicado provisoriamente. Ou seja, implicaria que fosse imposto em Portugal sem debate na Assembleia da República. Uma das matérias mais contestadas no âmbito deste acordo entre a União Europeia e o Canadá é a existência de um mecanismo designado de ICS (Investment Court System), baseado no ISDS (Investor-State Dispute Settlement), no sentido de dirimir conflitos emergentes da relação Investidores-Estado em tribunais arbitrais. Cumpre referir que o ISDS, mecanismo legal criado na década de 60 do Século XX no dealbar do surgimento do movimento independentista das ex-colónias europeias no continente africano, possui na sua génese o pressuposto da instabilidade política dos países contratantes, assente num suposto débil Estado de Direito Democrático dos mesmos, sugerindo uma “desconfiança” da capacidade e imparcialidade dos seus sistemas judiciais.
Tendo presente esses motivos na criação do ISDS e sendo o CETA um acordo internacional celebrado entre dois dos maiores atores globais, atentos aos princípios do Estado de Direito Democrático, questiona-se a necessidade de tal mecanismo. Ademais, tal posição é secundada por Alfred de Zayas, relator especial das Nações Unidas para a Promoção de uma ordem internacional democrática e equitativa.
Como comprovado pela mais recente investigação, por outras palavras, com o ICS abrir-se-á a possibilidade de as empresas poderem processar o Estado, caso este adote medidas que impeçam ou dificultem a sua margem de lucro, o que representará uma violação do Estado de Direito Democrático. Ou seja, a entrar em vigor, este tratado será mais um ataque à soberania dos estados e à capacidade de definir livremente políticas económicas e sociais.
Portugal, se fizer parte deste acordo, estará a alinhar com um retrocesso das conquistas civilizacionais, podendo ser objeto de chantagens corporativas e alvo de processos exigindo indemnizações por parte das empresas se estas considerarem que não são criadas condições favoráveis ao seu investimento e obtenção de lucros, presentes e futuros. O CETA encontra-se neste momento em vésperas de ser votado pelo Parlamento Europeu e o debate público sobre esta matéria de extrema importância é inexistente. Por todas estas razões, mais de 3 milhões e 400 mil cidadãos europeus, dos quais quase23 mil são portugueses, assinaram a Iniciativa Europeia contra a ratificação do CETA e do TTIP (Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento, negociado entre EUA e União Europeia).
Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, solicito a S. Ex.ª O Presidente da Assembleia da República que remeta ao Governo a seguinte pergunta, para que o Ministério dos Negócios Estrangeiros possa prestar os seguintes esclarecimentos:
1- Qual a posição do governo sobre o CETA?
2- Quais os fundamentos no caso de apoiar o tratado?
3- Qual a posição do Governo relativamente ao facto de o CETA poder vir a não ser debatido na Assembleia da República, mas apenas no Parlamento Europeu e no Conselho Europeu?
4- Não considera o Governo que um acordo como o CETA, com as implicações que terá para Portugal, deveria ser precedido de um amplo debate público, alargado e transparente?
5- Qual a opinião do Governo em relação ao mecanismo ICS (Investment Court System)?
6- No âmbito do CETA, que garantias pode o Governo dar em como serão assegurados os nossos padrões de defesa do consumidor, de defesa do ambiente e da natureza, assim como de defesa da nossa soberania?