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04/05/2017 |
Princípio do tratamento mais favorável e regula a sucessão de convenções coletivas de trabalho (DAR-I-83/2ª) |
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Intervenção do Deputado José Luís Ferreira - Assembleia da República, 4 de maio de 2017
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como é público e notório, as várias alterações que a legislação laboral sofreu nos últimos anos, seja no setor privado seja no setor público, trouxeram elementos muito negativos para quem trabalha e vieram acentuar o desequilíbrio nas relações laborais com grave prejuízo para os trabalhadores.
Vejamos: primeiro, foi o Código do Trabalho de 2003, que veio enfraquecer aspetos fundamentais do direito à contratação coletiva, principalmente no que diz respeito à introdução da caducidade das convenções coletivas, mas também com a possibilidade de as convenções coletivas poderem fixar regras menos favoráveis para os trabalhadores do que as previstas na lei. O objetivo era claro: colocar em causa o princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador e contrariar a própria natureza das convenções coletivas de trabalho, porque estas também visam estabelecer condições de trabalho mais favoráveis ao trabalhador do que aquelas que resultam das leis laborais.
Depois vieram outras alterações, ou revisões, ao Código do Trabalho, mas no mesmo sentido, isto é, no sentido de agravar o desequilíbrio nas relações laborais e sempre com grave prejuízo para quem trabalha. Desde logo a revisão de 2014, quando o Governo PSD/CDS, para além de outros ataques a quem trabalha, decidiu facilitar os despedimentos e tornar as indemnizações em caso de despedimento mais baratas, foi um verdadeiro convite ao despedimento e um grande jeito que PSD e CDS acabaram por fazer às entidades patronais — mais um, diga-se de passagem. Sucede que as sucessivas alterações à legislação laboral não fragilizaram apenas os direitos dos trabalhadores, bloquearam ainda a negociação e enfraqueceram o direito de contratação coletiva.
Neste contexto, não é novidade para ninguém dizer que o anterior Governo tinha um problema sério com a nossa Constituição, também em matéria laboral. Ao contrário do que estabelece o n.º 4 do artigo 56.º do texto constitucional, o anterior Governo promoveu o aparecimento de vazios contratuais quando o que deveria fazer, em termos constitucionais, era assegurar a eficácia das normas da contratação coletiva.
Mais: o Governo anterior fez ainda um esforço para alterar, por via legislativa, as regras que haviam sido acordadas livremente pelas partes, no âmbito da contratação coletiva, o que o Sr. Deputado Filipe Anacoreta Correia acabou agora por designar de «encontro de vontades», que é sempre respeitável, mas que o Governo PSD/CDS procurou, pela via legislativa, alterar.
Por isso mesmo, nenhum de nós precisará de fazer, certamente, um grande esforço para se lembrar, e até ter bem presente, que o anterior Governo PSD/CDS assumiu, deliberadamente, como propósito das suas políticas laborais a generalização da precariedade, a degradação das condições de trabalho e a tentativa de reduzir direitos laborais e sociais.
É esta política, esta forma de olhar para os trabalhadores, esta forma de olhar para quem trabalha que Os Verdes entendem que deve ser invertida, desde logo porque, quando falamos de contratação coletiva, convém ter presente que estamos a falar de um direito com relevância constitucional, que estamos a falar de um direito conquistado através da luta de gerações de trabalhadores e de trabalhadoras, que estamos a falar de um instrumento importante no que se refere à distribuição da riqueza produzida e da melhoria das condições de vida das famílias.
É ainda um elemento importante ao nível do desenvolvimento económico e social. E, portanto, é necessário garantir que o direito fundamental de negociação não seja perturbado ou fragilizado, é necessário impedir que o arbítrio de relações laborais baseado na lei dos mais fortes, através do contrato individual de trabalho, continue a marcar a nossa realidade laboral. Logo, é necessário garantir que nenhum contrato coletivo possa caducar sem ser substituído por outro, para evitar que os trabalhadores por ele abrangidos fiquem apenas cobertos pelo Código do Trabalho e é também necessário garantir que seja resposto no Código do Trabalho o princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador, que impede a aplicação de condições de trabalho inferiores às determinadas na lei geral do trabalho.
É, portanto, necessário repor algum equilíbrio nas relações laborais e, a nosso ver, tanto o Governo como esta Assembleia têm todas as condições para avançar por esse caminho.
A concertação social pode ter muita importância, mas, quando falamos de concertação social, seria prudente não inverter as premissas ou, pelo menos, procurar tentar não as inverter. A concertação social deve ser ouvida sim, mas a decisão compete ao Governo e à Assembleia da República.
Portanto, porque é justo e pela necessidade de repor algum equilíbrio nas relações laborais, impõe-se, no mínimo, assegurar a revogação da caducidade das convenções coletivas de trabalho, aplicar, de forma efetiva e inequívoca, a renovação automática dessas convenções e fazer renascer o princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador. Com estas medidas estaremos não só a restabelecer o mínimo de equilíbrio nas relações laborais e a devolver alguma dignidade a quem trabalha mas também a promover a justiça social.
Assim haja vontade política por parte desta Assembleia.