|
25/01/2019 |
PROJETO DE LEI N.º 1087/XIII/4ª - GARANTE A ACESSIBILIDADE DE PESSOAS COM MOBILIDADE REDUZIDA A VEÍCULOS PESADOS DE PASSAGEIROS (ALTERAÇÃO AO DECRETO-LEI N.º 58/2004, DE 19 DE MARÇO) |
|
A acessibilidade é atualmente entendida como uma matéria de direitos humanos reconhecidos na legislação de vários países, onde se inclui o direito à igualdade de oportunidades, à não discriminação, à inclusão e à participação em todos os aspetos da vida em sociedade.
A promoção da acessibilidade constitui, assim, uma condição essencial para o pleno exercício de direitos de cidadania consagrados na Constituição da República Portuguesa que, no artigo 71.º, determina que «Os cidadãos portadores de deficiência física ou mental gozam plenamente dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição, com ressalva do exercício ou do cumprimento daqueles para os quais se encontrem incapacitados».
Consagra ainda que «O Estado obriga-se a realizar uma política nacional de prevenção e de tratamento, reabilitação e integração dos cidadãos portadores de deficiência e de apoio às suas famílias, a desenvolver uma pedagogia que sensibilize a sociedade quanto aos deveres de respeito e solidariedade para com eles e a assumir o encargo da efetiva realização dos seus direitos, sem prejuízo dos direitos e deveres dos pais ou tutores.»
É também de salientar que a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada por Portugal em 2009, representou um marco histórico na garantia e na promoção dos Direitos Humanos de todos os cidadãos e, em particular, dos cidadãos com deficiência.
Esta Convenção, cujo objeto é «promover, proteger e garantir o pleno e igual gozo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente», determina, no seu artigo 9.º, que os Estados devem tomar «as medidas apropriadas para assegurar às pessoas com deficiência o acesso, em condições de igualdade com os demais, ao ambiente físico, ao transporte,...», o que passa pela identificação e eliminação de obstáculos e barreiras à acessibilidade, incluindo em transportes.
A adoção desta Convenção foi resultado do consenso generalizado da comunidade internacional sobre a importância e a necessidade de assegurar o respeito pela dignidade, pela integridade e liberdade individual das pessoas com deficiência, eliminando a discriminação destes cidadãos através de legislação e de outras medidas que tenham em conta as suas características e dificuldades e promovendo a sua participação na sociedade.
Por seu lado, o Plano Nacional de Promoção da Acessibilidade (PNPA), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 9/2007, de 17 de janeiro, não obstante algumas lacunas, procedeu à ordenação e sistematização de um conjunto de medidas em matéria de acessibilidade, visando possibilitar a todos os cidadãos a utilização plena de espaços públicos e edificados, mas também dos transportes, prevendo a substituição progressiva da frota de autocarros, proporcionando um aumento da qualidade de vida e a prevenção e eliminação de diversas formas de discriminação ou exclusão.
Finalmente, também a Estratégia Nacional para a Deficiência 2011-2013, aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 97/2010, de 14 de dezembro, e que decorreu do Plano de Ação para a Integração das Pessoas com Deficiência ou Incapacidade 2006-2009, incluía uma série de ações para promover a acessibilidade para todos, sem esquecer os transportes públicos (Eixo nº 4 - Acessibilidade e Design para todos).
Estes são apenas alguns exemplos que enquadram a acessibilidade e a mobilidade, por parte de todos os cidadãos sem exceção, como um direito que deve ser garantido.
Deve-se, assim, garantir os direitos das pessoas com necessidades especiais onde se incluem as pessoas com mobilidade reduzida ou condicionada (pessoas em cadeira de rodas, incapazes de andar ou que não consigam percorrer grandes distâncias, com dificuldades sensoriais e ainda pessoas que, em virtude do seu percurso de vida, se apresentem transitoriamente condicionadas).
Desta forma, a existência de obstáculos ou barreiras representa um grave atentado à qualidade de vida dos cidadãos com mobilidade reduzida, pelo que a sua eliminação contribuirá decisivamentre para proporcionar condições iguais a todos os cidadãos.
Não obstante toda a legislação e compromissos existentes no que diz respeito à igualdade e à acessibilidade para cidadãos com mobilidade reduzida, e a evolução a que se tem vindo a assistir ao longo dos últimos anos, a verdade é que é frequente, ainda nos dias de hoje, um cidadão com mobilidade reduzida confrontar-se com dificuldades, ou mesmo impossibilidade, de aceder a transportes coletivos, o que configura um impedimento de usufruir de uma vida mais plena, uma vez que há uma limitação no acesso a locais fundamentais do dia-a-dia.
E, de facto, tendo em conta esta matéria, a Diretiva n.º 2001/85/CE, relativa a disposições especiais aplicáveis aos veículos destinados ao transporte de passageiros com mais de oito lugares sentados além do lugar do condutor, determina os requisitos técnicos que os veículos a motor devem satisfazer nos termos das legislações nacionais.
Apesar de o objetivo principal desta Directiva ser garantir a segurança dos passageiros, prevê também prescrições técnicas que facilitem o acesso das pessoas com mobilidade reduzida aos veículos abrangidos, devendo ser feitos todos os esforços para melhorar a acessibilidade.
Para esse efeito, pode conseguir-se a acessibilidade das pessoas com mobilidade reduzida através de soluções técnicas aplicadas ao veículo e pela sua conjugação com infra-estruturas locais adequadas que garantam o acesso aos utilizadores de cadeiras de rodas.
A referida Diretiva apresenta a seguinte distinção entre os veículos de lotação superior a 22 passageiros além do condutor:
«Classe I: Veículos construídos com zonas para passageiros de pé, que permitem a movimentação frequente destes»
«Classe II: Veículos construídos principalmente para o transporte de passageiros sentados, concebidos de modo a poderem transportar passageiros de pé no corredor e/ou numa zona cuja área não exceda o espaço correspondente a dois bancos duplos»
«Classe III: Veículos construídos exclusivamente para o transporte de passageiros sentados»
Acrescenta ainda que, para veículos de lotação não superior a 22 passageiros, são distinguidas duas classes:
«Classe A: Veículos concebidos para o transporte de passageiros de pé. Os veículos desta classe estão equipados com bancos e devem estar preparados para transportar passageiros de pé»
«Classe B: Veículos não concebidos para o transporte de passageiros de pé. Os veículos desta classe não estão preparados para transportar passageiros de pé.»
Sucede que, segundo o artigo 3º, a referida diretiva estabelece que:
«1. Os veículos da classe I devem ser acessíveis às pessoas com mobilidade reduzida, incluindo os utilizadores de cadeiras de rodas, de acordo com as prescrições técnicas constantes do anexo VII.
2. Os Estados-Membros têm a faculdade de escolher a solução que considerarem mais apropriada para melhorar a acessibilidade dos veículos que não pertençam à classe I. Todavia, se os veículos que não pertençam à classe I estiverem equipados com dispositivos para pessoas com mobilidade reduzida e/ou utilizadores de cadeiras de rodas, devem preencher os requisitos aplicáveis constantes do anexo VII.»
Contudo, esta Diretiva foi transporta para a ordem jurídica nacional através do Decreto-lei n.º 58/2004, aprovando o Regulamento sobre Disposições Especiais Aplicáveis aos Automóveis Pesados de Passageiros, do qual se transcrevem os seguintes artigos relativos a utilizadores com mobilidade reduzida e ou utilizadores de cadeiras de rodas:
«Artigo 2.º - Veículos da classe I - Os veículos da classe I devem ser acessíveis às pessoas com mobilidade reduzida, incluindo os utilizadores de cadeiras de rodas, de acordo com as prescrições técnicas constantes do capítulo III do Regulamento ora aprovado.
Artigo 3.º - Veículos de outras classes - Se os veículos que não pertençam à classe I estiverem equipados com dispositivos para pessoas com mobilidade reduzida e ou utilizadores de cadeiras de rodas, devem preencher os requisitos constantes do capítulo III do Regulamento ora aprovado.»
Ora, perante esta redação poder-se-á depreender que somente os veículos que integram a Classe I se veem obrigados a cumprir os requisitos do referido regulamento, garantindo a acessibilidade a pessoas com mobilidade reduzida, podendo os demais veículos não estar obrigados a tal.
Em termos práticos, este Decreto-lei acaba por permitir estabelecer uma diferença entre veículos da Classe I e os restantes, o que poderá levar a que os operadores de transporte possam não ter em conta os requisitos de adaptação dos veículos, além do mais falamos de operações que acarretam custos, o que acabaria por contrariar a orientação que tem vindo a ser seguida ao longo dos últimos anos e que se pretende ver aprofundada e efetivamente aplicada, com vista à promoção da igualdade e da não discriminação.
É, assim, fundamental que se corrija esta situação o mais rapidamente possível, garantindo o pleno exercício de direitos de todos os cidadãos, através de uma alteração ao Decreto-Lei n.º 58/2004, de 19 de março, com vista a garantir a acessibilidade de pessoas com mobilidade reduzida a veículos pesados de passageiros.
Neste contexto, importa não esquecer que um dos maiores entraves identificados por pessoas com deficiência e/ou com mobilidade reduzida prende-se precisamente com as acessibilidades, apresentando o sector dos transportes muitas dificuldades, o que, por sua vez, acaba por impedir o acesso a um conjunto de outras atividades, como por exemplo aceder ao mercado de trabalho, circunstância que acaba por agravar as situações de exclusão, de discriminação e também de carência económica.
A verdade é que persistem muitos exemplos de situações inaceitáveis que evidenciam uma clara discriminação e, face aos obstáculos com que as pessoas com necessidades especiais de mobilidade se confrontam recorrentemente, urge remover estas dificuldades e criar as devidas condições para uma igualdade plena entre os cidadãos, independentemente da sua condição.
Face ao exposto, esta iniciativa legislativa insere-se num objetivo contínuo de ação política do Partido Ecologista Os Verdes com vista à promoção da igualdade e, nesse sentido, Os Verdes apresentam o seguinte Projeto de Lei para que seja efetivamente assegurada a acessibilidade a cidadãos com mobilidade reduzida a veículos pesados de passageiros, eliminando quaisquer indefinições e dúvidas que pudessem subsistir na sequência da atual redação do Decreto-lei n.º 58/2004, de 19 de março, que agora se propõe alterar.
Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes apresenta o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1º
Objeto
A presente Lei procede à alteração do Decreto-Lei nº. 58/2004, de 19 de março, por forma a garantir a acessibilidade de pessoas com mobilidade reduzida, incluindo os utilizadores de cadeira de rodas, aos veículos pesados de transporte de passageiros.
Artigo 2º
Alteração ao Decreto-lei nº 58/2004, de 19 de março
Os artigos 2.º e 3º. do Decreto-Lei n.º 58/2004, de 19 de março, passam a ter a seguinte redação:
«Artigo 2.º
Acessibilidade a pessoas com mobilidade reduzida,
incluindo os utilizadores de cadeiras de rodas
Todos os veículos pesados de passageiros, independentemente da Classe a que pertençam, devem ser acessíveis às pessoas com mobilidade reduzida, incluindo os utilizadores de cadeiras de rodas, de acordo com as prescrições técnicas constantes do Capítulo III do Regulamento ora aprovado.
Artigo 3.º
Período de adaptação
1 - Com vista ao cumprimento do disposto no artigo anterior, os veículos que não pertençam à Classe I, e que se enquadrem na obrigatoriedade do cumprimento das prescrições técnicas constantes do Capítulo III do Regulamento, que integrem as frotas das empresas de transporte rodoviário de passageiros devem, até ao dia 1 de maio de 2021, ser adaptados nos moldes que forem tecnicamente possíveis, permitindo o transporte de pessoas com mobilidade reduzida, incluindo os utilizadores de cadeiras de rodas.
2 - Os veículos a que se refere o número um do presente artigo e que tenham sido adquiridos até 1 de maio de 2019 pelas empresas de transporte rodoviário de passageiros de natureza pública ou privada, devem cumprir as prescrições técnicas constantes do Capítulo III do Regulamento, permitindo o transporte de pessoas com mobilidade reduzida, incluindo os utilizadores de cadeiras de rodas, devendo para o efeito ser adaptadas até ao dia 1 de maio de 2021.”
Artigo 3.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia 1 de maio de 2019.
Acompanhe aqui a evolução deste Projeto de Lei.