O esquema clássico da formação dos contratos, tal como resulta dos artigos 219.º e seguintes do Código Civil, não corresponde à realidade cabal dos nossos dias.
Com efeito, as sociedades técnicas atuais têm conduzido a um extraordinário aumento do número de negócios jurídicos e as pessoas celebram, no seu dia-a-dia, inúmeros contratos de que dependem para uma coexistência inteiramente desprovida de particulares iniciativas no que se refere à formação dos contratos. O ritmo de vida com que hoje nos deparamos não permite “perdas de tempo” em negociações relativas a atos correntes.
Hoje, os negócios formam-se e executam-se a um ritmo incompatível com um esquema negocial que faculte aos intervenientes um consciente exercício das suas liberdades de celebração e sobretudo de estipulação, podendo, assim, este tráfego negocial de massas, provocar a erosão dos esquemas negociais, já que distorce as referidas liberdades. Não é, aliás, por acaso que ferquentemente a doutrina se refere aos contratos de adesão como sendo “contratos mancos”, exatamente porque nestes contratos a liberdade de estipulação não está presente.
Este modo de circulação jurídica que prescinde de uma efetiva liberdade de estipulação, através de adesões maciças a esquemas pré-elaborados corresponde à técnica da celebração negocial mediante cláusulas contratuais gerais, que são um conjunto de proposições pré-elaboradas que proponentes ou destinatários indeterminados se limitam a propor ou a aceitar. Ou seja, constituem um modo específico de formação dos contratos.
Mas apesar destes contratos serem, nos dias de hoje, encarados como uma necessidade, não podemos perder de vista o poder que o recurso aos contratos de adesão coloca nas mãos de uma das partes nos futuros contratos, normalmente uma empresa de envergadura, que é considerável. Os abusos que os contratos de adesão potenciam são evidentes, até porque a parte que predispõe os termos contratuais está naturalmente tentada a considerar muito mais os seus interesses que os interesses do aderente.
E o problema tende a ganhar outras dimensões se tivermos em conta que os cidadãos, cada vez mais, se veem obrigados a celebrar contratos de adesão, ao longo da sua vida e nas mais variadas áreas e com diferentes entidades, desde operadoras de comunicações móveis, operadores turísticos, empresas de compras online, agências imobiliárias, seguradoras, instituições financeiras, empresas de fornecimento de gás, eletricidade e outros serviços, ginásios, entre muitas outras.
Sucede que, na celebração desses contratos, o consumidor, na maior parte das vezes depara-se com dificuldades. Os contratos apresentam um articulado previamente escrito e, normalmente, o consumidor apenas se limita a assinar, ou seja, a aceitar o texto que o outro contraente apresenta - ainda que muitas vezes e sem ter consciência disso, está, na verdade, a formalizar uma “proposta” contratual e não a formalizar a aceitação -, não tendo oportunidade de participar na preparação, na redação ou na negociação das cláusulas dos contratos nem de, previamente, verificar a sua conformidade.
Acresce o facto de muitos desses contratos se encontrarem, intencionalmente ou não, redigidos de uma forma complexa e nada clara, e de apresentarem cláusulas com uma letra tão reduzida que é quase impossível ler, o que significa que o cidadão, para além de se encontrar privado de negociar as cláusulas desse contrato, muitas vezes acaba por nem saber aquilo que está a contratar.
Hoje, mais do que nunca, os contratos de adesão devem ser claros, de fácil leitura e interpretação, assegurando que há uma formação da vontade e uma tomada de decisão, esclarecidas por parte dos consumidores, com o propósito de assegurar que quem subscreve um contrato tem a plena consciência do que está a subscrever, quais são os direitos e os deveres de cada parte, não devendo ser permitido que contenham informação e cláusulas relevantes para uma das partes, escondidas através de letras minúsculas e de difícil leitura.
Este é um problema vulgarmente conhecido como as “letras pequeninas” ou “miudinhas” dos contratos, onde se inclui muita informação, alguma até relevante, que acaba por não ter a mesma dimensão das restantes condições contratuais. Aliás, costuma mesmo ter um tamanho tão reduzido que pode fazer com que uma parte importante das cláusulas contratuais acabe por passar literalmente ao lado de uma das partes contratantes, normalmente, ou sempre, a parte mais desprotegida.
Saliente-se que, conforme reafirma o próprio regime jurídico das cláusulas contratuais gerais (Decreto-Lei n.º 446/85 de 25 de outubro), a liberdade contratual constitui um dos princípios básicos do direito privado.
É verdade que já existem, na legislação portuguesa, mecanismos que procuram salvaguardar vários aspetos relacionados com os contratos de adesão, desde logo o referido diploma legal, que veio estabelecer o regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais e que, de resto, se tem revelado um importante instrumento de defesa nas relações contratuais, especialmente para o consumidor particular e no que diz respeito ao facto de os contratos deverem ser redigidos de forma clara e compreensível.
Também a Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de julho), no número 2 do seu Artigo 9º, estabelece que «Com vista à prevenção de abusos resultantes de contratos pré-elaborados, o fornecedor de bens e o prestador de serviços estão obrigados: À redação clara e precisa, em carateres facilmente legíveis, das cláusulas contratuais gerais, incluindo as inseridas em contratos singulares» (alínea a)).
Poder-se-á igualmente dar o exemplo da Lei n.º 72/2008, de 16 de abril, que estabelece o regime jurídico do contrato de seguro, e que determina no seu Artigo 36.º, relativo à redação e língua da apólice que: «A apólice de seguro é redigida de modo compreensível, conciso e rigoroso, e em carateres bem legíveis, usando palavras e expressões da linguagem corrente sempre que não seja imprescindível o uso de termos legais ou técnicos».
No entanto, a realidade evidencia-nos que além de estas normas não serem, muitas vezes, escrupulosamente cumpridas e de poderem transportar alguma subjetividade, dando margem para diferentes interpretações, continuamos a ter contratos de adesão com informações redigidas com um tamanho de letra minúsculo, impossível de ler.
Ora, estas situações só ocorrem porque estamos perante uma lacuna relativamente ao estabelecimento de regras quanto à apresentação gráfica das cláusulas contratuais, designadamente a nível do limite mínimo do tamanho da letra e do espaçamento entre linhas.
Na perspetiva do Partido Ecologista Os Verdes este é um problema que se arrasta há anos e que urge ser resolvido, pois falamos da assunção de responsabilidades, que deverá ser sempre acompanhada da maior transparência, rigor e plena consciência do que está a ser assinado.
Recorde-se, a este propósito, que chegou a ser promovida uma petição, em 2013, solicitando a definição de normas a nível do tamanho da letra e do espaçamento entre linhas nos contratos, que reuniu mais de 14500 assinaturas, o que evidencia um número significativo de cidadãos que reclamam esta alteração, com vista à resolução de um problema que atinge muitos consumidores. Aliás, na sua discussão em plenário, todos os Grupos Parlamentares afirmaram acompanhar as preocupações expressas na referida petição.
Efetivamente, as letras minúsculas dos contratos podem fazer com que algumas condições passem despercebidas, podendo levar a adesões a contratos de forma menos informada e consciente do que se deseja e do que deve ser uma prática, sob pena de termos contratos cujas cláusulas não são percetíveis e legíveis na íntegra, o que pode representar consequências gravíssimas do ponto de vista financeiro para os cidadãos.
Há pessoas que subscrevem contratos e, posteriormente, ao lerem as letras mais pequenas, verificam que, afinal, assinaram e aceitaram cláusulas que não leram antes e que podem estar vinculadas por períodos de fidelização ou a determinados critérios de rescisão sem pleno conhecimento e consciência de tais condições contratuais, e outras, ainda, convencidas de que estavam a adquirir determinados direitos, percebem depois que, afinal, esses direitos são excluídos nas tais “letrinhas pequenas”.
Como facilmente se percebe, hoje em dia todos os cidadãos acabam por estar suscetíveis ou mesmo obrigados a aderir a contratos nestes termos, circunstância que é agravada quando falamos de população mais idosa e mais frágil que estará mais permeável às “letras miudinhas” dos contratos.
Importa ainda referir que outros países, perante este problema, já legislaram no sentido de estabelecer efetivamente uma norma que não permita que esse obstáculo se mantenha, nomeadamente o Brasil ou Espanha, neste caso seguindo recomendações do Parlamento Europeu.
Aliás, nos últimos anos, as instituições europeias têm-se debruçado sobre a defesa e os direitos do consumidor, cujo programa de ação consiste, em particular, na Agenda do Consumidor Europeu e no Programa Consumidores para 2014-2020 e, neste âmbito, tem sido dada especial atenção às diretivas relativas aos direitos dos consumidores, às práticas comerciais desleais, às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores e às garantias dos consumidores e das vendas.
Fora da Europa e a título de exemplo, a lei brasileira nº 11.785, de 22 de setembro de 2008, estabelece que «Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com carateres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor», referindo que, apesar da legislação em vigor até então, exigir que os contratos fossem redigidos de forma legível, não havia um padrão mínimo de medida a ser observado para o tamanho da letra.
Desta forma, o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes pretende contribuir para uma proteção e informação adequadas por parte dos cidadãos, eliminando o obstáculo das letras reduzidas que dificultam a celebração de um contrato de forma consciente e informada, e evitando a possibilidade de existirem divergências entre a vontade real e a vontade declarada através do contrato, originadas por um documento pouco claro ou pouco legível.
Pelo exposto, Os Verdes apresentam o seguinte Projeto de Lei para que os contratos celebrados em Portugal respeitem um parâmetro mínimo e cumpram determinadas regras, não podendo ser redigidos com letra de tamanho inferior a 11 ou a 2,5 milímetros e nem com um espaçamento entre linhas inferior a 1,15, com o objetivo de garantir a cabal compreensão dos compromissos contratuais, propondo, para o efeito, uma alteração ao Decreto-Lei n.º 446/85 de 25 de outubro, que institui o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais.
Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes apresenta o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1º
Objeto
A presente Lei procede à alteração do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, com as alterações introduzidas pelos DL n.º 446/85, de 25/10, n.º 220/95, de 31/08, pela Rect. n.º 114-B/95, de 31/08, e pelos DL n.º 249/99, de 07/07 e DL n.º 323/2001, de 17/12, de modo a estabelecer que as cláusulas dos contratos formalizados ao abrigo do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, são redigidas com letra não inferior a tamanho 11 ou não inferior a 2,5 milímetros e com um espaçamento entre linhas não inferior a 1,15.
Artigo 2º
Alteração ao Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro
O Artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, passa a ter a seguinte redação:
“Artigo 21.º
Cláusulas absolutamente proibidas
São em absoluto proibidas, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que:
a) (…)
b) (…)
c) (…)
d) (…)
e) (…)
f) (…)
g) (…)
h) (…)
i) se encontrem redigidas com letra inferior a tamanho 11 ou a 2,5 milímetros e com um espaçamento entre linhas inferior a 1,15.”.
Artigo 3º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor 90 dias após a sua publicação.
Assembleia da República, Palácio de S. Bento, 29 de março de 2019
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