A Lei nº 14/85, de 6 de julho, estabeleceu pela primeira vez o direito de acompanhamento da mulher grávida, pelo futuro pai (ou outro familiar), durante o trabalho de parto (onde incluímos o próprio parto) em estabelecimento de saúde público.
Entretanto, a Lei nº 15/2014, de 21 de março, revogando a Lei nº 14/85, veio integrar o acompanhamento no parto num diploma geral sobre os direitos e deveres do utente dos serviços de saúde. Aquela Lei, atualmente em vigor, estabelece a garantia de que, durante todas as fases do trabalho de parto em estabelecimento de saúde, a mulher grávida tem o direito de ser acompanhada por uma pessoa à sua escolha, durante qualquer período do dia ou da noite, exceto em caso de situação clínica grave onde seja medicamente desaconselhável o acompanhamento, ou no caso de não conseguir ser garantida a privacidade invocada por outras parturientes (privacidade para a qual as administrações hospitalares devem, no entanto, trabalhar para garantir), podendo, também, o acompanhamento ser interrompido se comprometer as condições e os requisitos técnicos a que deve obedecer a prestação de cuidados médicos.
Mais recentemente foi aprovada e publicada a Resolução da Assembleia da República nº 30/2016, de 15 de fevereiro, que recomendou ao Governo a clarificação do direito de acompanhamento da mulher grávida durante todas as fases do trabalho de parto, o que veio a acontecer através do Despacho nº 5344-A/2016, de 19 de abril, clarificando-se que também em bloco operatório, em caso de cesariana, é possível o acompanhamento da mulher grávida, com o seu consentimento informado e mediante condições de segurança.
O nascimento de um filho é, sem dúvida, um momento inegavelmente marcante na vida das mães e dos pais. É um momento de emoções intensas e de vivências únicas. A questão do acompanhamento da mulher grávida durante as fases do trabalho de parto é bastante relevante para a própria, para sentir o apoio, o conforto, a ajuda de quem lhe merece a maior confiança, mas é também bastante relevante para o pai que pode, assim, presenciar a preparação e o nascimento do bebé, bem como o seu primeiro momento de vida, e estar presente e garantir o seu direito ao exercício da parentalidade, com toda a dedicação que este implica.
O PEV considera que, sendo importante e desejável o envolvimento de ambos os progenitores no trabalho de parto, este é, contudo, e primeiro que tudo, um momento onde é preciso garantir ao máximo, para além da segurança do bebé, o bem-estar físico e emocional da mulher. Nesse sentido, é à mulher grávida que deve sempre caber a decisão final sobre quem a acompanhará, ou mesmo sobre se alguém a acompanhará (o que a Lei já estabelece), e em que momentos do trabalho de parto. Para uma mulher pode, por exemplo, ser relevante ser acompanhada em todas as fases do trabalho de parto, mas para outra pode ser importante ser acompanhada apenas nalgumas fases. Esse direito de escolha da mulher, feito a qualquer momento, deve ficar clarificado na Lei.
Há, entretanto, uma questão que a lei que regula o acompanhamento da mulher grávida no parto não refere, mas que, na perspetiva do PEV, é importante que encare com relevância. A verdade é que depois do parto, ainda nos serviços de obstetrícia, a mulher puérpera é assistida por profissionais, o que lhe dá uma enorme segurança, em especial em caso de primeiro parto. Depois de finalizado o internamento por parto, não é incomum que comecem a surgir inseguranças e dúvidas sobre cuidados práticos a ter com o recém-nascido ou sobre o próprio estado emocional e físico da mãe, que geram muitas vezes angústias, tristezas, estados de irritação e cansaço, fragilidades ou até sentimentos de culpa, que poderiam ser evitados se fosse possível proceder a um rápido contacto com os serviços dos estabelecimentos de saúde onde o parto se realizou. Por exemplo, as depressões pós-parto, que se estima que afetem mais de 10% de mães, podem surgir durante as primeiras semanas após o parto e afetam negativamente as relações da mãe com o bebé. Prevenir estas situações é também cuidar do bem-estar físico da mãe e do bebé, que se procurou garantir nas fases do trabalho de parto, e que não se deve ignorar na fase pós-internamento por parto.
Nesse sentido, o PEV propõe que os serviços dos estabelecimentos de saúde onde foi realizado o parto, disponibilizem um contacto direto, 24 horas por dia, para que as puérperas possam solicitar esclarecimentos e obter respostas que as possam ajudar e tranquilizar. Este é um serviço que contribui, claramente, para níveis de segurança e de confiança mais elevados e que é digno de uma sociedade desenvolvida que deve continuar a dar passos para o bem-estar materno-infantil.
Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar Os Verdes apresenta o seguinte projeto de lei:Artigo único
Segunda alteração à Lei nº 15/2014, de 21 de março
A presente Lei modifica os artigos 17º, 18º e 32º da Lei nº 15/2014, de 21 de março, alterada pelo Decreto-Lei nº 44/2017, de 20 de abril, que passam a ter a seguinte redação:
«Artigo 17.º
(…)
1 – (…)
2 – (…)
3 – (…)
4 – A mulher grávida pode, a qualquer momento, prescindir do direito ao acompanhamento durante todas ou alguma das fases do trabalho de parto.
Artigo 18º
Cooperação entre os serviços, o acompanhante e a mulher grávida ou puérpera
1 - São adotadas as medidas necessárias à garantia da cooperação entre a mulher grávida, o acompanhante e os serviços, devendo estes, designadamente, prestar informação adequada sobre o decorrer do parto, bem como sobre as ações clinicamente necessárias.
2 – Os serviços disponibilizam um contacto direto para que a mulher puérpera, depois de terminado o internamento em estabelecimento de saúde, possa esclarecer dúvidas, designadamente, sobre cuidados a ter com o recém-nascido ou sobre o estado físico ou emocional da própria.
Artigo 32º
Adaptação dos estabelecimentos públicos de saúde ao direito de acompanhamento da mulher grávida e à cooperação com a mulher puérpera após o internamento
1 – (…)
2 – (…)
3 – Para efeitos de cumprimento do nº 2 do artigo 18º da presente lei, os estabelecimentos de saúde organizam os serviços de modo a disponibilizarem, em qualquer período do dia e da noite, um contacto direto às mulheres puérperas, depois de terminado o internamento devido ao parto.»
Assembleia da República, Palácio de S. Bento, 16 de junho de 2017
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