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15/12/2017
Projeto de Lei Nº 706/XIII/3ª - Sobre animais em Circos
Em Maio de 2009 foi discutido, no Plenário da Assembleia da República, o Projeto de Lei nº 770/X dos Verdes, relativo à proibição de animais em circo.
Na exposição de motivos dessa iniciativa legislativa, o PEV realçava as conclusões de um estudo relevante, apresentado por Leonor Galhardo, sobre os animais em circos, legislação e controlo na União Europeia, onde se dava conta que a utilização de animais em espetáculos em Portugal revelava problemas evidentes ao nível das condições em que eram mantidos e da forma como eram tratados. O elevado número de animais protegidos e nascidos em meio selvagem, utilizado nos circos da União Europeia, incluindo Portugal, mereceu destaque.

A autora referia que a situação até poderia melhorar se a legislação que protege os animais fosse aplicada, mas que a falta da fiscalização era um efetivo obstáculo. A conclusão acabou mesmo por ser que a única forma de respeitar as necessidades destes animais era a proibição da sua utilização em circos.

A matéria da utilização de animais em circos foi também já objeto do exercício de direito de petição perante a Assembleia da República, da iniciativa da Associação Animal e da Liga Portuguesa dos Direitos do Animal. Não é, portanto, uma matéria nova abordada em termos parlamentares.
É, contudo, uma matéria que merece ainda iniciativa legislativa, tendo em conta a realidade existente.

Em setembro de 2009, o Decreto-Lei nº 211/2009 (que estabelecia o cumprimento da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção (CITES), vulgo Convenção de Washington) proibiu expressamente o uso, em circos, de espécimes vivos de espécies de primatas hominídeos. O que a portaria nº 1226/2009 fez foi, em relação a outras espécies, proibir aquisição de animais em vias de extinção e de animais selvagens e impedir a reprodução destes animais em cativeiro. Entretanto, o Decreto-Lei nº 211/2009 foi revogado pelo Decreto-Lei nº 121/2017, que apenas faz referência aos circos no que respeita ao registo nacional CITES.

Por seu lado, o Decreto-Lei nº 255/2009, alterado pelo Decreto-Lei nº 260/2012, define as condições de polícia sanitária aplicáveis à circulação de animais de circo, bem como a circulação no território nacional, e ainda, as condições de saúde e proteção animal, para a utilização de animais em circo.

A legislação em vigor fez, claramente, uma opção, até à data, pela manutenção controlada da utilização de animais em circo. A longo prazo a sua consequência natural, tendo em conta a impossibilidade de novas aquisições e de reprodução daqueles animais detidos, seria que os circos deixariam de ter animais em espetáculo. Contudo, a falta de fiscalização efetivamente existente não dá quaisquer garantias de que esse possa ser um desfecho certo, nem sequer do tempo em que esse desfecho poderá ocorrer.

A questão que se pode colocar em relação a soluções de longo ou curto prazo, deve colocar-se tendo em conta objetivos a prosseguir em relação ao bem-estar animal em concreto. Sobre essa matéria, a sociedade tem revelado, de há vários anos a esta parte, uma crescente sensibilização, traduzida numa maior intolerância em relação à colocação dos animais sob pressões antinaturais. Essa questão não se deve colocar, na perspetiva do PEV, apenas no que respeita aos animais em circos, exposições e noutros números ou manifestações, mas também em relação à detenção, em certas condições, de animais domésticos, na medida em que essa pressão antinatural se faça sentir, mesmo que a violência gratuita não seja a ela associada. É uma discussão que Os Verdes consideram que é preciso inevitavelmente aprofundar.

Em relação aos circos, em particular, e tendo em conta as características dos animais usados em espetáculo, estabeleceu-se uma intolerância crescente em relação a situações de violência na condução, no maneio, nos treinos e mesmo nos espectáculos, salientando-se que a lição mais importante que os animais aprendiam é que, se desobedecessem, seriam castigados violentamente, sendo que estes animais apresentavam recorrentemente distúrbios comportamentais graves, nomeadamente a repetição permanente dos mesmos movimentos sem sentido, a automutilação, a coprofagia , ou o ato de caminharem incessantemente para a frente e para trás ou de um lado para o outro.

O espetáculo do circo é mágico e de uma beleza artística muito apreciada pela generalidade da população, das mais diversas faixas etárias. Esse espetáculo não depende, contudo, da utilização de animais para a sua sobrevivência. Nas palavras de caracterização do projeto Chapitô «o circo é a referência. Nele participam todas as artes e disciplinas criativas. É, por isso, talvez, a arte que mais goza aceitação social, em registos diferentes, por todas as classes. No circo a música festiva, o texto humorístico, o gesto, linguagem do corpo, confunde-se com a expressão teatral, dirigem-se ao imaginário e ao maravilhoso. É uma manifestação cultural plena onde se combinam os jogos do corpo e do espírito. Adapta-se a qualquer espaço, arquitetónico e urbano. É físico e conceptual». O circo em nada se deve coadunar, portanto, com a presença de animais selvagens treinados, ou com a sujeição de animais a pressões antinaturais.

É de salientar que a maior sensibilidade social às condições dos animais em circos, e às actuações que os forçam a adoptar comportamentos contrários à sua natureza, tem conduzido ao declínio da utilização de animais nos circos. Vários países adotaram, há muito, legislação que proíbe ou restringe a utilização de animais em circos, sobretudo dos selvagens, como é o caso da Argentina, Austrália, Áustria, Brasil, Canadá, Costa Rica, Dinamarca, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Índia, Israel, República Checa, Singapura e Suécia.

O Projeto de Lei que o PEV agora apresenta sustenta-se, em grande medida, no projeto de lei já anteriormente apresentado por este Grupo Parlamentar, embora tendo em consideração a legislação entretanto aprovada.

Em termos gerais, este projeto de lei visa garantir que no prazo de 2 anos os circos já não usam animais para efeitos de exibição em espetáculo e incentiva os promotores dos circos a cooperar voluntariamente para esse objetivo. Para além disso, reforça o conhecimento do número e características dos animais mantidos em circo, de modo a facilitar a fiscalização e o encontro de soluções para o realojamento desses animais.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados do Grupo Parlamentar Os Verdes apresentam o seguinte Projecto de Lei:

Artigo 1º
Objeto
A presente lei preconiza o fim da utilização de animais em circos e, para o efeito, visa a adaptação do espetáculo circense à inexistência de números com animais.

Artigo 2º
Âmbito
1-A presente lei aplica-se aos circos que atuam em território nacional.
2- As disposições da presente lei aplicam-se igualmente a exposições itinerantes, bem como a números com animais e manifestações similares.

Artigo 3º
Definições
Para efeitos da presente lei, entende-se por:
a) «Animal» - um animal mantido para ser exibido ao público com fins de entretenimento;
b) «Promotor» - o proprietário de circo, o seu agente ou outra pessoa que assuma a responsabilidade geral pelo circo.

Artigo 4º
Declaração de animais
1-É criado um portal nacional de animais mantidos em circo, onde conste um registo de todos os animais declarados obrigatoriamente pelos promotores.
2- O Governo estabelece, por portaria, as condições de funcionamento do portal referido no número anterior e as regras de declaração de animais.
3- O portal contém, designadamente, informação sobre a espécie, a idade do animal, a data a partir da qual o animal foi mantido pelo circo e a identificação do respetivo responsável.
4- A criação, a gestão e a atualização do portal nacional de animais mantidos em circo são da responsabilidade da Direção Geral de Veterinária (DGV).
5- Os promotores têm um prazo de 90 dias, a contar da ativação do portal nacional de animais, para proceder à declaração dos respetivos animais, junto da Direção Geral de Veterinária.

Artigo 5º
Apreensão de animais não declarados
1-Os animais encontrados em circo, que não tiverem sido declarados nos termos no artigo anterior, serão apreendidos por ordem da DGV a fim de serem realojados ou recolocados em condições adequadas.
2- O promotor deve prestar toda a colaboração necessária à entrega dos animais.

Artigo 6º
Proibição de animais em circo
1-Após 2 anos, a contar da entrada em vigor da presente lei, é proibida a utilização de animais em circo.
2- Na decorrência do período de tempo referido no número anterior é proibida a aquisição, a reprodução, a aceitação de doação ou troca e o treino de novos animais para efeitos de exibição em circo.

Artigo 7º
Entrega voluntária de animais
A entrega voluntária de animais, por parte do promotor, é coordenada com a DGV, de modo a garantir alternativas de realojamento.

Artigo 8º
Reconversão e qualificação de profissionais
A entrega voluntária de animais e a prestação de colaboração para o cumprimento dos objetivos inscritos no presente diploma, determina o direito dos tratadores dos animais em causa terem apoio com vista à sua qualificação e reconversão profissional.

Artigo 9º
Realojamento de animais
1-Os animais são recolhidos e recolocados em centros de recuperação, santuários, reservas naturais ou outros locais aprovados pela DGV, em articulação com o Instituto para a Conservação da Natureza e da Floresta (ICNF).
2-Compete à DGV e ao ICNF a determinação do local onde cada um dos animais deve ser realojado, em Portugal ou no estrangeiro.
3-O local de realojamento deverá permitir ao animal viver em segurança, com boas condições de alimentação, saúde e espaço, privilegiando-se os ambientes naturais.

Artigo 10º
Fiscalização
1-Compete à DGV a fiscalização do cumprimento do presente diploma, assegurando inspeções periódicas aos circos instalados em território nacional.
2- O ICNF, os Veterinários Municipais e todas as autoridades policiais, no âmbito das suas competências específicas, auxiliam na fiscalização do cumprimento do presente diploma.
3-Os promotores devem prestar toda a colaboração considerada necessária e requisitada pela DGV, ou por outras entidades referidas no nº 2, com vista à adequada fiscalização do cumprimento da presente lei.

Artigo 11º
Regime Contraordenacional
1-Constitui contraordenação, punível com coima no montante de € 150,00 para pessoas singulares e de € 1.500,00 para pessoas coletivas, o incumprimento do disposto no número 5 do artigo 4º da presente lei.
2- Constitui contraordenação, punível com coima no montante de € 500,00 e montante máximo de € 5.000,00, para pessoas singulares, e de € 1.000,00 a € 25.000,00, para pessoas coletivas, a infração ao disposto no artigo 6º da presente lei.
3-Os montantes são agravados em um terço no caso de se tratar de animal selvagem.

Artigo 12º
Sanções acessórias
Consoante a gravidade e a culpa do agente, pode ser aplicada, simultaneamente com a coima, a sanção acessória de suspensão de atividade, de autorizações, licenças ou alvarás, até que a situação esteja regularizada nos termos da lei.

Artigo 13º
Tramitação e destino das coimas
1-A competência para a elaboração de autos e instrução de processos de contraordenação cabe às autoridades previstas no artigo 10º.
2-A afetação do produto das coimas far-se-á da seguinte forma:
a) 10% para a autoridade autuante;
b) 30% para a DGV;
c) 60% para os cofres do Estado.

Artigo 14º
Regulamentação
O Governo regulamenta a presente lei no prazo de 100 dias após a sua entrada em vigor.

Artigo 15º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Acompanhe aqui a evolução deste projeto do PEV.
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