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20/04/2018
PROJETO DE LEI Nº 838/XIII/3ª - DEFINE O REGIME E AS CONDIÇÕES EM QUE A MORTE MEDICAMENTE ASSISTIDA NÃO É PUNÍVEL
Aquando do debate da petição nº 103/XIII/1ª, que se realizou no Plenário da Assembleia da República há cerca de um ano atrás, Os Verdes afirmaram que estes peticionários iniciaram e impulsionaram um debate no Parlamento, sobre a despenalização da morte assistida, que merecia ser concretizado e deveria ser profícuo.

A abertura do debate é por si só vantajosa, especialmente porque recai sobre um assunto que, por muito tempo, não passou de um verdadeiro tabu. Na altura da discussão da petição, o PEV afirmou taxativamente que o Grupo Parlamentar Os Verdes contribuiria inequivocamente para a intensificação desse debate e para a busca de resultados, assumindo que apresentaria uma iniciativa legislativa. Este é o Projeto de Lei que materializa essa iniciativa, que visa contribuir para um debate não no plano teórico, mas sim sustentado em propostas concretas. Este é o produto da reflexão que o PEV faz, aberto aos mais sérios contributos, e constitui uma base de trabalho para que possa haver uma consequência efetiva na garantia da dignidade da pessoa humana.

O nosso edifício jurídico-constitucional assenta, justamente, na dignidade da pessoa humana (artigo 1º CRP), na dignidade de cada ser humano em concreto, e de todos por consequência, o que implica o respeito pela autonomia pessoal, num contexto social.

Colocados perante um caso concreto de uma pessoa que padece garantida e inequivocamente de uma doença sem cura, irreversível e fatal, causadora de um sofrimento intolerável e atroz, que, sabendo conscientemente que a agonia tortuosa é a única expressão de vida que conhecerá até ao dia da sua morte, pede que por compaixão lhe permitam não viver dessa forma e que a ajudem a antecipar a morte de forma tranquila e indolor, pergunta-se se a garantia de dignidade desta pessoa não passa por aceder ao seu pedido, desde que reiterado e com a certeza de que ele é consciente, genuíno, convicto e livre. Deverá o Estado determinar que uma pessoa nesta condição perde a sua autonomia, a sua dignidade, a sua liberdade de decidir sobre si mesma e sobre a sua própria vida, obrigando-a a sofrer atrozmente quando não existe outra solução? Em casos extremos e com garantia de profunda consciência e capacidade por parte da pessoa em causa, não se trata de o Estado desproteger a pessoa do direito à vida, trata-se antes de respeitar a vontade do titular do direito à vida. E trata-se de não lhe impor o dever ou a obrigação de viver a sofrer grave e intoleravelmente. É nesse sentido que Os Verdes propõem que se despenalize a morte medicamente assistida, em situações extremas e em condições muito bem definidas.

Que fique claro que esta proposta em nada, em absolutamente nada, contribui para reduzir, aligeirar ou desresponsabilizar o Estado relativamente ao seu dever de garantir o acesso dos doentes aos cuidados paliativos e de assegurar uma boa rede de cuidados continuados, com o objetivo de prevenir e aliviar o sofrimento físico, psicológico, social e espiritual, e melhorar o bem-estar e o apoio aos doentes e às suas famílias, quando associado a doença grave ou incurável, em fase avançada e progressiva. O PEV continuará a bater-se pelo alargamento e pela melhoria da rede de cuidados continuados e paliativos.

Que fique igualmente claro que esta proposta não implica obrigar ninguém a escolher a antecipação da sua morte. Ninguém é obrigado, nem sequer incitado, a fazer essa opção. De resto, a garantia de não influência ou pressão, de qualquer ordem, sobre a pessoa em causa é um pressuposto que os Verdes acautelam na proposta que apresentam.

Na perspetiva dos Verdes, tanto deve ser respeitada a vontade de uma pessoa que, perante uma situação limite de dor e sofrimento intolerável, causados por doença terminal, não concebe a antecipação da sua morte, como a vontade de outra pessoa que, nessa mesma situação, decide que a mesma acabe, breve e tranquilamente, através dos procedimentos da morte medicamente assistida. É a vontade da pessoa, portanto, que deve ser respeitada e, para isso, o Estado não deve proibir a possibilidade de se fazer essa opção, em situações e processos bem definidos. O que se visa, efetivamente, garantir é que o princípio da proibição de atender à liberdade e à vontade da pessoa dê lugar ao respeito pelo princípio da sua dignidade e da sua autonomia e da sua soberania enquanto pessoa, capaz e consciente de determinar e escolher o que quer ou o que não quer da sua vida.
Mas, do mesmo modo, não se obrigam os profissionais de saúde a acompanhar e a auxiliar na antecipação da morte de uma pessoa que padece, em absoluto sofrimento, de doença fatal, no caso de esse ato ferir os seus próprios princípios e convicções, sejam eles de que ordem forem. Por isso, o PEV prevê o direito à objeção de consciência por parte dos profissionais de saúde.

Ao nível médico, e ao nível da prestação dos cuidados de saúde, ao mesmo tempo que se exige o reforço e o investimento na capacidade de tratamento e de resposta perante a doença grave, a autodeterminação do doente tem feito o seu caminho, sendo hoje inadmissível a permanência absoluta do paradigma hipocrático que menoriza o doente na sua vontade e na sua dignidade. Exemplo disso, é a previsão do consentimento informado, a definição do regime das diretivas antecipadas de vontade, designadamente sob a forma de testamento vital, e também aqui se pode enquadrar a rejeição da obstinação terapêutica.

A morte medicamente assistida consiste na possibilidade de o médico facultar, de forma controlada, uma morte digna, em paz, sem sofrimento, a quem a pede, encontrando.se em estado de doença terminal ou com profunda incapacidade, incurável, em agonia intolerável. O pedido do doente não pode ser considerado leviano, irrefletido ou precipitado. Contudo, trata-se de tocar o bem jurídico que é a vida (que, em bom rigor, não se restringe apenas ao direito à vida, mas que inclui também o direito a decidir como e quando se quer terminá-lo, se se decidir abreviá-la, uma vez que não existe o dever ou a obrigação de viver) e, por isso, também se torna compreensível que se entenda restringir essa possibilidade a situações excecionais e a um processo ponderado, cuidado e respeitador sobretudo do doente, mas também da sua família. Deve, neste ponto, referir-se que, das audições que a Assembleia da República levou a cabo no âmbito da apreciação e exame da Petição nº 103/XIII/1ª (despenalização da morte assistida), ficou claro, para Os Verdes, que não existe qualquer impedimento constitucional à despenalização da morte medicamente assistida.
É uma decisão extrema, que não pode ser banalizada, e que, como tal, deve ser rodeada das devidas cautelas e garantias, mas que simultaneamente não se pode eternizar num inferno burocrático que aumente a ansiedade e o sofrimento do doente. Deve ser, na perspetiva do PEV, um processo clínico, cujo desenvolvimento, não prescindindo de um médico titular do processo que o acompanhe até ao final, deve envolver outras instâncias, garantindo a partilha de responsabilidades e de segurança na aferição da situação e no cumprimento dos critérios legais. Garante-se, assim, a participação no processo de vários intervenientes, numa lógica de decisão do doente, mas acautelando a ponderação de uma equipa de pessoas e com solidez ampla de conhecimentos e de experiência que não deixarão o doente à sua sorte, antes o respeitarão na sua dignidade.
O PEV entende também que, de modo a evitar eventuais ânsias de negócio, a morte medicamente assistida deve ter lugar apenas em hospitais públicos, e não em hospitais privados.

Por outro lado, só os cidadãos com nacionalidade portuguesa ou com residência oficial em Portugal, que se encontrem a ser acompanhados e tratados em estabelecimento de saúde do Serviço Nacional de Saúde, podem recorrer à morte medicamente assistida.
Reitera-se um pressuposto fundamental em todo o processo: é essencial e indispensável que o processo se encete única e exclusivamente por pedido voluntário e livre, sério, reiterado, expresso, escrutinável do doente. E acrescenta-se que o pedido deve ser instante, atual ou imediato, e nunca antecipado. A garantia de que é aquela a vontade efetiva, persistente e presente do doente é determinante.
Por outro lado, o pedido só pode ser feito por paciente consciente, capaz, informado e maior de idade. Em caso algum pode ser solicitado por um menor ou por um seu representante legal, nem por pessoa incapaz ou a quem tenha sido diagnosticada doença do foro mental.

Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar Os Verdes apresenta o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1º
Objeto
A presente lei define as condições e os procedimentos específicos a observar nos casos de morte medicamente assistida e altera o Código Penal para despenalizar a morte medicamente assistida, a pedido sério, livre, pessoal, reiterado, instante, expresso, consciente e informado de pessoa que esteja em situação de profundo sofrimento decorrente de doença grave, incurável e sem expectável esperança de melhoria clínica, encontrando-se em estado terminal ou com lesão amplamente incapacitante e definitiva.

Artigo 2º
Alteração ao Código Penal
Os artigos 134º, 135º e 139º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, alterado pela Lei n.º 6/84, de 11 de maio, pelos Decretos-Lei nº 101-A/88, de 26 de março, nº 132/93, de 23 de abril, e nº 48/95, de 15 de março, pelas Leis nº 90/97, de 30 de julho, nº 65/98, de 2 de setembro, nº 7/2000, de 27 de maio, nº 77/2001, de 13 de julho, nº 97/2001, nº 98/2001, nº 99/2001 e nº 100/2001, de 25 de agosto, e nº 108/2001, de 28 de novembro, pelos Decretos-Lei nº 323/2001, de 17 de dezembro, e nº 38/2003, de 8 de março, pelas Leis nº 52/2003, de 22 de agosto, e nº 100/2003, de 15 de novembro, pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, pelas Leis nº 11/2004, de 27 de março, nº 31/2004, de 22 de julho, nº 5/2006, de 23 de fevereiro, nº 16/2007, de 17 de abril, nº 59/2007, de 4 de setembro, nº 61/2008, de 31 de outubro, nº 32/2010, de 2 de setembro, nº 40/2010, de 3 de setembro, nº 4/2011, de 16 de fevereiro, nº 56/2011, de 15 de novembro, nº 19/2013, de 21 de fevereiro, e nº 60/2013, de 23 de agosto, pela Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de agosto, pelas Leis nº 59/2014, de 26 de agosto, nº 69/2014, de 29 de agosto, e nº 82/2014, de 30 de dezembro, pela Lei Orgânica n.º 1/2015, de 8 de janeiro, e pelas Leis nº 30/2015, de 22 de abril, nº 81/2015, de 3 de agosto, nº 83/2015, de 5 de agosto, nº 103/2015 de 24 de agosto, nº 110/2015, de 26 de agosto, nº 39/2016, de 19 de dezembro, nº 8/2017, de 3 de março, nº 30/2017, de 30 de maio, e nº 94/2017, de 23 de agosto, passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 134.º
Homicídio a pedido da vítima
1 - (...)
2 - (...)
3 – Não é punido o médico, nem o demais pessoal clínico que o assista, que, cumprindo integralmente os procedimentos e condições previstos na lei, provoque a morte medicamente assistida, de forma tão indolor e tranquila quanto os conhecimentos médicos e científicos o permitam, a pessoa que esteja em situação de profundo sofrimento decorrente de doença grave, incurável e sem expectável esperança de melhoria clínica, encontrando-se em estado terminal ou com lesão amplamente incapacitante e definitiva, desde que a pedido sério, livre, pessoal, reiterado, instante e expresso do doente, com idade igual ou superior a 18 anos, consciente, esclarecido e informado, e que não padeça de doença mental ou psíquica que o incapacite na tomada de decisão, segundo análise e autorização de equipa multidisciplinar.

Artigo 135.º
Incitamento ou ajuda ao suicídio
1 - (...)
2 - (...)
3 - Não é punido o médico, nem o demais pessoal clínico que o assista, que, cumprindo integralmente os procedimentos e condições previstos na lei, preste, de forma tão indolor e tranquila quanto os conhecimentos médicos e científicos o permitam, assistência e auxílio ao suicídio de pessoa que esteja em situação de profundo sofrimento decorrente de doença grave, incurável e sem expectável esperança de melhoria clínica, encontrando-se em estado terminal ou com lesão amplamente incapacitante e definitiva, desde que a pedido sério, livre, pessoal, reiterado, instante e expresso do doente, com idade igual ou superior a 18 anos, consciente, esclarecido e informado, e que não padeça de doença mental ou psíquica que o incapacite na tomada de decisão segundo análise e autorização de equipa multidisciplinar.

Artigo 139.º
Propaganda do suicídio
1 – (anterior corpo do artigo)
2 – Não é punido o médico ou enfermeiro que, não incitando nem fazendo propaganda, apenas preste informação, a pedido expresso de outra pessoa, sobre o suicídio medicamente assistido, de acordo com no nº 3 do artigo 135º.

Artigo 3º
Morte medicamente assistida
1 – A morte medicamente assistida consiste na morte provocada, de forma tão indolor e tranquila quanto os conhecimentos médicos e científicos o permitam, a doente que, estando em situação de profundo sofrimento decorrente de doença grave, incurável e sem expectável esperança de melhoria clínica, e encontrando-se em estado terminal ou com lesão amplamente incapacitante e definitiva, manifeste pedido sério, livre, pessoal, reiterado, instante e expresso nesse sentido, sendo garantida a avaliação e o reconhecimento da consciência, liberdade, esclarecimento e capacidade do doente para realizar esse pedido.
2 – A morte medicamente assistida só pode ser consumada através da administração de fármacos letais, podendo essa administração ser feita:
a) Por médico; ou
b) Pelo próprio doente sob vigilância médica, configurando o suicídio medicamente assistido.

Artigo 4º
Requisitos para avaliar o pedido do doente
1 – O pedido de morte medicamente assistida só pode ser realizado por doente com idade igual ou superior a 18 anos, com nacionalidade portuguesa ou com residência legal em Portugal, que se encontre a ser acompanhado e tratado em estabelecimento de saúde do Serviço Nacional de Saúde.
2 – O pedido só pode ser aceite no caso de o doente se encontrar em profundo estado de sofrimento por padecer de doença grave, incurável e sem expectável esperança de melhoria clínica, encontrando-se em estado terminal ou com lesão amplamente incapacitante e definitiva.
3 – Não pode ser atendido um pedido de doente que sofra de doença mental ou psíquica, ou que seja considerado incapaz de compreender a sua situação e de tomar sozinho decisões sobre a sua vida, nos termos gerais do direito.
4 – O pedido do doente tem de preencher, cumulativamente, as seguintes condições:
a) ser sério – tem de se revelar sincero e verdadeiro;
b) ser livre – não pode ser condicionado, influenciado ou coagido por outrem;
c) ser pessoal – tem de corresponder à vontade manifestada pela própria pessoa;
d) ser reiterado – tem de ser manifestado, pelo menos, quatro vezes por escrito;
e) ser instante – tem de ser atual e não pode ser diferido no tempo;
f) ser expresso – tem de ser claro e inequívoco, não podendo ficar implícito ou subentendido;
g) ser consciente – tem de provir de pessoa plenamente capaz de compreender e decidir;
h) ser informado – tem de revelar plena compreensão sobre os procedimentos e consequências que decorrem do pedido, previamente informados e explicados por médico.
5 – Os requisitos para a realização do pedido, previstos no presente artigo, são atestados por uma Comissão de Verificação, prevista no artigo 7º da presente lei.

Artigo 5º
Forma do pedido do doente
1 – O pedido do doente é feito obrigatoriamente sob a forma escrita, mediante preenchimento de formulário, a aprovar por portaria, disponibilizado pelo estabelecimento de saúde do Serviço Nacional de Saúde onde é acompanhado e tratado, e é assinado na presença do médico que acompanha o doente, adiante designado por médico titular, o qual atesta ter presenciado o ato de assinatura.
2 – No caso de o doente não saber ou não poder assinar o pedido expresso, aplicam-se as regras do reconhecimento de assinatura a rogo na presença de profissional legalmente competente, bem como do médico titular.
3 – Antes do ato de assinatura do pedido pelo doente, e considerando a sua situação clínica, o médico titular informa-o das possibilidades de evolução e da irreversibilidade da lesão ou da doença, das consequências e do sofrimento envolvido, das alternativas terapêuticas e de todas as possibilidades de mitigar as dores e o sofrimento, informação essa que o doente atesta ter recebido através do preenchimento de um campo que consta obrigatoriamente do formulário.
4 – No caso de o médico ser objetor de consciência, nos termos do artigo 12º da presente lei, deve informar o doente desse facto bem como do direito que lhe assiste de falar com outro médico sobre essa matéria, tendo ainda o dever de comunicar a intenção do doente à Direção do estabelecimento de saúde, a qual pedirá, através dos respetivos serviços, que seja designado um médico para consultar e acompanhar o doente em caso de formulação do pedido.
5 – O pedido do doente é dirigido à Comissão de Verificação competente, nos termos do nº 2 do artigo 7º da presente lei, no sentido de aferir se estão verificados todos os pressupostos legais e médicos para concretizar a decisão do doente.

Artigo 6º
Procedimento inicial no estabelecimento de saúde
1 – O médico titular procede à entrega do pedido do doente à Direção do estabelecimento de saúde.
2 - Após receber o pedido do doente, devidamente preenchido, assinado e datado, a Direção do estabelecimento de saúde deve:
a) perguntar ao doente que familiares, ou outras pessoas, devem ser informadas do pedido realizado, e proceder a esses contactos;
b) solicitar um relatório ao médico titular, que contenha obrigatoriamente informação sobre o estado clínico do doente, sobre se este se encontra em profundo estado de sofrimento por padecer de doença grave, incurável e sem expectável esperança de melhoria clínica, encontrando-se em estado terminal ou com lesão amplamente incapacitante e definitiva, e sobre se tem alguma razão para acreditar, fundamentadamente, que o doente não realizou o pedido de forma séria, livre, pessoal, consciente e informada.
3 – A Direção do estabelecimento de saúde remete o pedido do doente à Comissão de Verificação competente, juntamente com o parecer do médico titular, previsto na alínea b) do número anterior.

Artigo 7º
Comissões de Verificação
1 – São criadas, por portaria, Comissões de Verificação, uma por cada área de Administração Regional de Saúde, com competência para avaliar se o pedido do doente cumpre as condições, os critérios e os procedimentos legalmente exigidos, bem como para garantir a transparência e o rigor do processo, os direitos do doente e dos profissionais de saúde.
2 – O pedido do doente é dirigido à Comissão de Verificação correspondente à área regional do estabelecimento de saúde em que o doente é acompanhado e tratado.
3 – Cada Comissão de Verificação é constituída por sete pessoas de reconhecido mérito, com mais de 10 anos de exercício profissional, observando-se a seguinte composição:
a) Três médicos;
b) Dois enfermeiros;
c) Dois juristas.
4 – Os membros de cada Comissão de Verificação são nomeados da seguinte forma:
a) Dois médicos e dois enfermeiros, pela respetiva Administração Regional de Saúde;
b) Um médico e um enfermeiro, pelas respetivas Ordens Profissionais;
c) Um jurista pela Ordem dos Advogados;
d) Um magistrado do Ministério Público pelo Conselho Superior do Ministério Público.
5 – Cada uma das entidades referidas no número anterior, para além do membro efetivo, nomeia um membro suplente em número igual, que substitui o primeiro nas suas ausências.
6 – As Comissões de Verificação podem funcionar com um mínimo de 5 membros presentes, de entre os quais têm que estar, obrigatoriamente, dois médicos, um enfermeiro e um jurista.
7 - As Comissões de Verificação deliberam sem abstenções, exigindo-se uma maioria qualificada de dois terços.
8 – O mandato da Comissão de Verificação é de cinco anos.
9 – A nomeação de novos membros deve ocorrer com a antecedência mínima de um mês antes de terminar o mandato da Comissão de Verificação em funções.
10 – Até à nomeação de novos membros, mantêm-se em funções os membros da Comissão de Verificação em exercício.
11 – Os mandatos são renováveis no máximo até duas vezes, podendo ser consecutivos.
12 - Estão impedidos de ser nomeados para as Comissões de Verificação os médicos ou enfermeiros que se declararem objetores de consciência, nos termos da presente lei.
13 – O Governo regula, por portaria, a forma e os meios de apoio ao funcionamento das Comissões de Verificação.

Artigo 8º
Procedimento da Comissão de Verificação
1 – A Comissão de Verificação reúne após a receção do pedido do doente e do relatório do médico titular, nos termos no nº 3 do artigo 6º da presente lei, com vista à apreciação e à verificação da conformidade legal do pedido e do respetivo processo.
2 – A Comissão de Verificação solicita um relatório a um médico psiquiatra reconhecido, que não declare ser objetor de consciência, de modo a atestar se estão ou não cumpridas as condições previstas no nº 3 do artigo 4º da presente lei.
3 – Após conclusão e receção do relatório de avaliação do médico psiquiatra, a Comissão de Verificação remete-o para o médico titular, reunindo de seguida com este último.
4– Caso a Comissão de Verificação entenda necessário, pode pedir outros relatórios de avaliação médica da situação do doente.
5 – Após a emissão de todos os pareceres e relatórios solicitados, e considerada verificada, até então, a conformidade do pedido do doente, a Comissão de Verificação agenda uma data para que o doente reitere expressamente o seu pedido, com observância do disposto nos nº 1 a 3 do artigo 5º da presente lei, na presença obrigatória do médico titular, de um elemento da Comissão de Verificação, e, caso o doente o pretenda, de um familiar ou amigo.
6 – Só mediante relatório favorável do médico titular e avaliação psiquiátrica que considere o doente capaz de formular livre e conscientemente o seu pedido, pode a Comissão de Verificação deliberar favoravelmente sobre o pedido do doente, se considerar preenchidos todos os demais requisitos legais, seguindo-se a conclusão do procedimento, nos termos do artigo 10º da presente lei.
7 – No caso de a Comissão de Verificação não considerar cumpridos todos os requisitos legais ou clínicos, informa desse facto o doente, o médico titular e a Direção do estabelecimento de saúde, fundamentando objetivamente a sua decisão de deliberar desfavoravelmente sobre o pedido do doente, e, sem prejuízo do disposto no artigo 9º, procede ao arquivamento do processo.

Artigo 9º
Reanálise do pedido do doente
1 - Conhecida a fundamentação da decisão, se a Comissão de Verificação tiver deliberado desfavoravelmente sobre o pedido do doente, este pode pedir, no prazo de 15 dias a contar da notificação da decisão, a reanálise do pedido, apenas por uma vez, fundamentando por escrito as suas razões ou pedindo reavaliação médica no caso da recusa se fundar num dos relatórios médicos.
2- No caso previsto no número anterior, a Comissão de Verificação reanalisa o processo fundamentando objetivamente a decisão tomada.

Artigo 10º
Conclusão do procedimento
1 – A deliberação favorável da Comissão de Verificação sobre o pedido do doente é comunicada ao médico titular, à Direção do estabelecimento de saúde e ao doente, o qual deve reiterar expressamente o pedido, com observância do disposto nos nº 1 a 3 do artigo 5º da presente lei, sendo este remetido à Comissão de Verificação pela Direção do estabelecimento de saúde.
2 – Após a reiteração do pedido, o médico titular marca a data e a hora para a concretização da morte medicamente assistida, ouvindo o doente e a Direção do estabelecimento de saúde, a qual dará conhecimento à Comissão de Verificação.
3 – A morte medicamente assistida só pode ser realizada em estabelecimento de saúde público do Serviço Nacional de Saúde.
4 – O doente é informado pelo médico titular sobre as características e os efeitos da substância letal a administrar, bem como da possibilidade de ser o médico titular a administrá-la ou de ser o próprio doente a fazê-lo sob supervisão médica.
5 – É ao doente que compete escolher quem administra a substância letal, nos termos do número anterior.
6 – Para além da presença obrigatória do médico titular e de outros profissionais de saúde que o auxiliam, é ao doente que compete escolher as pessoas que pretende que assistam ao momento da morte medicamente assistida, respeitando o número limite definido pela Direção do estabelecimento de saúde onde o ato é praticado.
7 – Na data e hora marcada, nos termos do nº 2 do presente artigo, o doente manifesta pela última vez a sua vontade de antecipar a morte, bem como a escolha do procedimento a utilizar, assinando essa declaração de vontade, de acordo com o nº 1 e do nº 2 do artigo 5ª da presente lei.
8 – Após a verificação da morte, é certificado o óbito e enviada cópia para a Comissão de Verificação, conjuntamente com relatório assinado pelo médico titular no qual são descritos os procedimentos e as ocorrências verificadas no ato de morte medicamente assistida, bem como a identificação de todas as pessoas presentes.
9 – No caso de a Comissão de Verificação detetar algum incumprimento das disposições legais, comunica o facto ao Ministério Público.

Artigo 11º
Revogação do pedido
1 – O doente pode revogar o pedido a qualquer momento do processo, sem necessidade de fundamentação e sem obedecer a quaisquer exigências formais.
2 – A revogação do pedido põe fim imediato ao processo e não permite requerer a sua reabertura, mas não anula a possibilidade de posteriormente poder ser iniciado novo processo com novo pedido.
3 – A revogação do pedido do doente é sempre comunicada, pelo médico titular, à Comissão de Verificação.

Artigo 12º
Objeção de consciência
1 - É assegurado aos médicos, enfermeiros e demais profissionais de saúde o direito à objeção de consciência relativamente a quaisquer atos respeitantes à morte medicamente assistida.
2 - A objeção de consciência é manifestada em documento assinado pelo objetor, o qual deve ser apresentado, conforme os casos, ao diretor clínico ou ao diretor de enfermagem de todos os estabelecimentos de saúde onde o objetor preste serviço e em que seja possível praticar a morte medicamente assistida.
3 - A declaração de objeção de consciência tem caráter reservado, é de natureza pessoal, e em caso algum pode ser objeto de registo ou publicação ou fundamento para qualquer decisão administrativa.
4 – Para além da situação prevista no nº 4 do artigo 5º, se o médico titular se declarar objetor de consciência no decurso do processo, tem o dever de comunicar imediatamente esse facto à Comissão de Verificação e ao doente, garantindo-se a este o direito de optar por outro médico que proceda ao seu acompanhamento, devendo a Direção do estabelecimento de saúde pedir, através dos respetivos serviços, que seja designado um médico para consultar e acompanhar o doente.

Artigo 13º
Comissão de Avaliação
1 - O Governo cria, através de portaria, uma Comissão de Avaliação do regime legal previsto na presente lei, com vista, designadamente, a recolher dados estatísticos, a aferir das práticas resultantes da aplicação da lei ou a sugerir alterações legislativas que se revelem mais adequadas.
2 – A Comissão de Avaliação elabora relatórios dirigidos à Assembleia da República e ao Governo.
3 – As Comissões de Verificação têm o dever de colaborar com a Comissão de Avaliação, facultando-lhe toda a informação por esta solicitada.
4 - A Comissão de Avaliação é composta por três representantes indicados pela Assembleia da República, três indicados pelo Governo, e um indicado pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.
5 - O mandato dos membros da Comissão de Avaliação é de quatro anos.

Artigo 14º
Salvaguarda dos profissionais de saúde
Os profissionais de saúde que participem no processo de morte medicamente assistida, nos termos da presente lei, não podem ser alvo de qualquer sanção disciplinar de foro deontológico.

Artigo 15º
Regulamentação
O Governo regulamenta a presente lei no prazo de 6 meses.

Artigo 16º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Acompanhe aqui a evolução deste Projeto do PEV.
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