A habitação é um direito consagrado na Constituição da República Portuguesa desde 1976 e faz parte dos direitos sociais, estando igualmente consagrada na Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas e em vários outros compromissos internacionais a que Portugal está vinculado.
O artigo 65º da lei fundamental do país determina que “Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar” incumbindo ao Estado assegurar o direito à habitação. A Constituição da República Portuguesa acrescenta ainda que “O Estado adotará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria”.
Neste contexto, o arrendamento assume uma função social de relevo e o Estado deverá adotar medidas legislativas para que o mercado incentive a oferta em quantidade, qualidade e preço, de modo a satisfazer a procura e a concretização deste direito fundamental.
No entanto, a habitação tem constituído um importante sector de negócios e tem estado sujeita aos interesses dos especuladores e, nos últimos anos, tem-se vindo a assistir a um aumento brutal das rendas e ao despejo de milhares de famílias das suas habitações, resultado da alteração efetuada pelo PSD e CDS ao Regime Jurídico do Arrendamento Urbano, através da Lei nº 31/2012 de 14 de agosto.
Segundo dados do Governo, o número de despejos tem vindo a aumentar desde 2013 e, nos primeiros nove meses de 2017, foram despejadas em média cinco famílias por dia, número que terá tendência a aumentar se nada se fizer para travar a referida legislação.
De facto, podemos mesmo dizer que esta lei, comum e legitimamente designada por “lei dos despejos”, nunca procurou promover o arrendamento urbano, antes procurou introduzir medidas de facilitação dos despejos, como é exemplo a criação do Balcão Nacional do Arrendamento, e servir os interesses ligados aos mercados imobiliários, que mais não representa do que um instrumento ao serviço do especulador.
Esta lei representa, assim, uma evidente negação e violação do direito à habitação e uma completa liberalização das rendas, que se tem vindo a traduzir no despejo de milhares de famílias das suas casas e no despejo e encerramento de muitas micro, pequenas e médias empresas de vários sectores, de coletividades e de associações populares.
É de referir que muitas destas empresas, associações e coletividades fazem parte da história e da memória coletiva das localidades, dão-lhes vida e dinamismo e são obrigadas a encerrar portas, pondo em risco muitos postos de trabalho.
Importa ainda destacar que a revisão do Regime Jurídico do Arrendamento Urbano inseriu-se na linha da ofensiva que o Governo PSD/CDS perpetrou aos direitos dos portugueses, incluindo direitos constitucionais, como é o caso da habitação, não tendo a mínima preocupação com a concretização deste direito e com a qualidade de vida das pessoas.
Ou seja, esta lei veio penalizar os inquilinos, criando insegurança, instabilidade social e uma pressão acrescida, ao mesmo tempo que, também pela mão do PSD/CDS, foram agravadas as condições de vida e diminuídos os rendimentos de muitas famílias. Em suma, a Lei nº 31/2012 tornou mais distante o acesso à habitação e, para muitos milhares de portugueses, uma habitação condigna é ainda um sonho remoto, o que é absolutamente inconcebível.
Falamos do direito à habitação e é urgente mais responsabilidade, mais sensibilidade e justiça social, uma vez que o arrendamento não pode ser visto apenas sob o ponto de vista do potencial económico que pode representar.
Acresce ainda que o crescimento do turismo se tem refletido no aumento da disponibilização de imóveis para esse fim, quer seja através da aquisição, quer seja do arrendamento, o que acaba por retirar milhares de habitações do mercado de arrendamento habitacional, diminuindo a oferta e aumentando a especulação e os preços, sendo as rendas praticadas absolutamente proibitivas para a esmagadora maioria das famílias, o que representa uma agudização do problema.
A realidade comprova que este regime jurídico nunca procurou proteger os inquilinos de forma séria, nem reforçar o direito à habitação por parte das famílias, nem proteger as pequenas empresas. Representou antes uma completa desresponsabilização do Estado no cumprimento de um direito constitucional e um favorecimento de interesses ligados ao sector imobiliário.
Até as exceções que foram salvaguardadas no período transitório, contemplando os inquilinos mais idosos, com deficiência ou com menores capacidades do ponto de vista económico, nunca foram suficientes para que as pessoas não estivessem sujeitas a aumentos pois, apesar de ter sido estabelecido um limite máximo, a realidade é que pessoas com rendimentos baixos não conseguem suportar os respetivos aumentos.
Em síntese, com esta lei, o arrendamento urbano foi confiado a um mercado totalmente liberalizado, fomentando as injustiças sociais, devido à redução e ao brutal encarecimento da oferta, numa enorme agressividade para com os inquilinos.
Desta forma, o diploma que está atualmente em vigor não veio resolver nenhum problema, apenas agravou a situação e podemos concluir que o Estado não está a cumprir as suas obrigações em termos de definição e concretização de uma política de habitação em conformidade com a Constituição da República Portuguesa.
Perante os factos, para o Partido Ecologista Os Verdes a Lei 31/2012 de 14 de agosto representa um verdadeiro ataque ao direito à habitação e uma completa desresponsabilização do Estado nesta matéria, que importa reverter.
A verdade é que, desde que esta lei entrou em vigor, tem sido premente a necessidade de proceder à sua revogação. Entretanto, foram introduzidas algumas alterações à legislação vigente, em dezembro de 2014 e em abril de 2017, no sentido de assegurar uma resposta imediata às situações mais gravosas e de evitar efeitos ainda mais perversos. Sucede, que como se está a verificar, essas alterações, apesar de positivas, não são suficientes para travar os despejos de arrendatários já abrangidos pelo novo regime de arrendamento urbano.
Face ao exposto, é urgente ir mais longe e concretizar efetivamente o direito à habitação, dinamizando o arrendamento de forma sustentável, justa e credível e garantindo estabilidade e segurança aos arrendatários, o que passa, desde logo, pela revogação da revisão do Regime Jurídico do Arrendamento Urbano aprovado pela Lei nº 31/2012 de 14 de agosto, com a preocupação de salvaguardar as normas que entretanto foram publicadas e que procuram repor alguma justiça, nomeadamente o diploma que aprova o regime jurídico das obras em prédios arrendados ou a Lei 42/2007, que veio estabelecer o regime de reconhecimento e proteção de estabelecimentos e entidades de interesse histórico e cultural ou social.
É tempo de o Estado assumir a sua responsabilidade constitucional em matéria de arrendamento, mostrando-se preocupado com os arrendatários, quer sejam famílias, coletividades ou estabelecimentos, sendo esta a oportunidade de corrigir os graves erros cometidos com a aprovação da lei dos despejos, que agora se propõe revogar, mas também garantir a suspensão da atualização anual das rendas.
Assim, ao abrigo das disposições Constitucionais e Regimentais aplicáveis, os Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes apresentam o seguinte Projeto de Lei:Artigo 1º.
(Objeto)
A presente Lei procede à revogação da Lei nº. 31/2012, de 14 de agosto, que alterou o Regime Jurídico do Arrendamento Urbano.
Artigo 2º.
(Revogação)
1 – É revogada a Lei 31/2012, de 14 de agosto, que procedeu à revisão do Regime Jurídico do Arrendamento Urbano.
2 – São igualmente revogadas todas as normas que decorram da vigência da Lei 31/2012, de 14 de agosto, com exceção do artigo 2º. da Lei 79/2014, de 19 de dezembro e do artigo artigo 5º. da Lei 43/2017, de 14 de junho, que alteraram várias disposições do Código Civil, bem como dos seguintes diplomas:
a) Decreto-Lei 157/2006, de 8 de agosto, que procede à aprovação do Regime Jurídico das Obras em Prédios Arrendados;
b) Lei 42/2017, de 14 de junho, que reconhece e protege os estabelecimentos e entidades de interesse histórico e cultural ou social;
Artigo 3º.
(Suspensão da atualização anual de rendas)
Independemente do tipo de contrato, fica suspensa qualquer atualização anual das rendas.
Artigo 4º.
(Entrada em vigor)
A presente Lei entra em vigor 8 dias após a sua publicação.
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