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27/04/2018
PROJETO DE LEI Nº 855/XIII/3ª - PROCEDE À QUINTA ALTERAÇÃO À LEI QUADRO DAS CONTRAORDENAÇÕES AMBIENTAIS, PARA CONSAGRAR O PRINCÍPIO DO NÃO AVISO PRÉVIO DE AÇÕES DE INSPEÇÃO E FISCALIZAÇÃO
Os episódios recorrentes de poluição visível no rio Tejo têm posto a nu a forma como muitas atividades económicas não estão compatibilizadas com a preservação dos ecossistemas.

O Relatório da Comissão de Acompanhamento sobre a Poluição do Tejo, apresentado em novembro de 2016, demonstrou uma inequívoca
responsabilidade de diversas fontes poluidoras, designadamente, decorrentes de descargas de indústrias (com particular destaque para a Celtejo e a Centroliva), de suiniculturas ou de estações de tratamento de águas residuais urbanas que não funcionam devidamente. A acrescentar a estas causas não é de ignorar também a carga de poluição proveniente de Espanha neste rio internacional, bem como a sobrecarga que decorre da contaminação já transportada pelos afluentes do Tejo em território nacional. O risco de caudais insuficientes para garantir o equilíbrio ecológico do rio e o risco de contaminação por uma central nuclear obsoleta e perigosa como Almaraz são, igualmente, problemas sérios com os quais o Tejo se confronta.

Em janeiro deste ano, uma espuma espessa e acastanhada cobriu uma faixa do Tejo, a montante do açude de Abrantes, tendo causado uma onda de generalizada indignação. A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) veio a revelar resultados de análises efetuadas, a partir das quais foram detetados níveis de celulose 5 mil vezes acima do normal. Tendo em conta que foi assumido que a Celtejo é responsável por 90% das descargas das celuloses no rio Tejo, a relação causa-efeito ficou evidenciada, tendo o Governo assegurado que se tratava de uma acumulação de matéria orgânica não pontual a partir de uma descarga, mas de um longo período laboração industrial. Na sequência desses resultados, o Governo determinou o impedimento de descargas da Celtejo por um período de dias e depois disso reduziu a possibilidade das suas emissões para o rio, garantindo que iria proceder à revisão das licenças atribuídas, em função da capacidade recetora do meio.

Os Verdes sempre disseram que o rio Tejo não pode constituir uma estação de tratamento de efluentes industriais! As indústrias é que têm de estar dotadas de estações de tratamento adequadas para que as suas descargas não constituam fatores de contaminação do rio. A verdade é que este ecossistema é demasiado relevante do ponto de vista ambiental, social e económico. Não podemos esquecer que para além da biodiversidade e do necessário equilíbrio ecológico que se impõe preservar, o rio Tejo é também palco principal ou envolvente de um conjunto de atividades, que se querem sustentáveis, que são o sustento de várias famílias e que geram dinâmicas locais e regionais importantes, como a pesca, a agricultura familiar, as práticas desportivas ou de lazer, ou o turismo.

Estes índices de poluição têm trazido à discussão o problema da adequabilidade das licenças de descarga atribuídas às indústrias, tendo-se revelado incompreensível, por exemplo, o facto de a APA ter alterado, em 2016, a licença da Celtejo no sentido de permitir o aumento das descargas efetuadas por esta empresa, tendo em conta que a mesma não cumpria os parâmetros da licença anterior. O mesmo é dizer que a licença foi adaptada em função dos interesses da empresa e negligenciando o sistema ecológico do Tejo, ainda por cima com uma situação de seca como a que se viveu em 2017, o que desprotegeu o rio ao nível do seu caudal. Isto, ainda por cima, numa altura em que a intervenção na ETARI da indústria de pasta de papel, já com tratamento terciário, não se encontrava concluída, pese embora a exigência de antecipação da sua conclusão que, à partida, estava só prevista para 2021.

Para além disso, estes índices recorrentes e elevados de poluição também têm trazido à discussão a questão das ações de fiscalização e de inspeção ambientais. O sentimento generalizado é que estas ações são claramente insuficientes e que os recursos para as empreender estão muito aquém do necessário. São os cidadãos locais, conscientes e interventivos que muitas vezes têm dado o alerta público de fenómenos de poluição visível (quer no Tejo, quer nos seus afluentes). A ideia que muitas vezes transparece é que as entidades oficiais correm, de certa forma, atrás do prejuízo e que a função preventiva, que a fiscalização e a inspeção deveriam ter, acaba por ficar desvalorizada.

A IGAMAOT (Inspeção Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território) garantiu, em audiência na Assembleia da República, que em 2017 foram realizadas ao longo do rio Tejo 245 inspeções, das quais resultaram 115 autos de notícia. O que muitas vezes acontece, contudo, é que de vários processos resultam coimas, mas quando se interpõem recursos em tribunal, não é invulgar que a decisão judicial anule a coima ou a reduza substancialmente. Por exemplo, como afirmou o Inspetor-Geral da IGAMAOT em Santarém, em resposta a uma preocupação dos Verdes, um dos casos que aconteceu com a Celtejo consubstanciou-se numa coima de 12.500 euros, sendo que o tribunal reduziu esse valor para 6.000 euros e ainda decidiu substituir o pagamento da coima por uma repreensão ou admoestação à empresa. Esta questão remete-nos também para a necessidade de uma educação ambiental generalizada, a diversos níveis, especialmente numa altura em que se pede responsabilidade social e ambiental dos mais diversos agentes, num período em que o mundo está a mudar por efeito de fenómenos gravosos como a perda acelerada de diversidade biológica (com consequências muito sérias nos serviços de ecossistema) e com o fenómeno progressivamente acentuado das alterações climáticas.

É certo que existe um conjunto de vertentes por onde importa atuar para gerar mais eficácia aos sistemas de prevenção e de atuação com vista à redução da poluição. O reforço de meios humanos e técnicos é, sem dúvida, uma vertente fundamental, porque deles dependem a operacionalidade e a capacidade de reforço do número de ações de vigilância, de fiscalização e de inspeção. Os Verdes têm insistido para que esses meios sejam intensificados, e consideramos esse reforço como um investimento na sustentabilidade do país e não como uma despesa vã ou um encargo para a nação.

Por outro lado, no relatório da Comissão de Acompanhamento sobre a Poluição do Tejo dá-se, ainda, nota de uma dificuldade legal que está criada e que dificulta a obtenção de prova no que respeita a ações de fiscalização e de inspeção. Aí refere-se o seguinte:

«existem dificuldades que obstam à obtenção de prova analítica e que se relacionam com os aspetos a seguir indicados:

o falta de garantia de salvaguarda dos equipamentos que têm que estar em funcionamento durante um período de 24 horas sempre que a descarga ocorre em regime contínuo,
o obrigatoriedade de dar conhecimento aos responsáveis da instalação que procede à descarga, o que pode condicionar as características do efluente rejeitado naquele período e comprometer a representatividade da amostra.»

Com efeito, esta questão do aviso prévio às instalações / empresas fiscalizadas ou inspecionadas é uma questão relevante, uma vez que os resultados podem ser condicionados pelo conhecimento da realização da atividade e pela capacidade de preparação da entidade fiscalizada ou inspecionada para ajustar as descargas ou emissões e comprometer a representatividade das amostras recolhidas.

A entrada livre nas instalações onde se exercem as atividades sujeitas a medidas de fiscalização ou inspeção, bem como o dever de total cooperação por parte dos responsáveis por essas instalações estão bem expressas na lei (art 40º do Decreto-Lei nº 46/94, de 22 de fevereiro, art 70º do Decreto-Lei nº 236/98, de 1 de agosto, art 93º da Lei nº 58/2005, de 29 de dezembro, artigo 16º do Decreto-Lei nº 276/2007, de 31 de julho). O que não se compreende é que o princípio estabelecido seja o da publicitação ou o da notificação da atividade de inspeção. Ou seja, preferencialmente dá-se nota ao responsável das instalações inspecionadas e a exceção é a não notificação. É exatamente isso que dita o artigo 18º do Despacho nº 10466/2017, de 30 de novembro de 2017:

«Art 18º
Comunicações e notificações
1 – O início do procedimento de inspeção deve ser antecedido de comunicação escrita, preferencialmente por via eletrónica, do Inspetor-Geral às entidades visadas.
2 – Exetuam-se do número anterior os casos em que a comunicação ali referida seja suscetível de pôr em causa o objetivo da ação de inspeção a desenvolver, bem como quando a atuação inerente à área de intervenção assim o exija.
3 – Da comunicação deve constar o tipo de ação de inspeção a realizar, os objetivos gerais, a data prevista para o início, a equipa designada para o efeito e outras informações consideradas relevantes.
(…)»

O princípio deveria ser exatamente o inverso, ou seja, o princípio da não notificação ou comunicação, excetuando-se os casos em que a inspeção pudesse ficar condicionada, incompleta ou prejudicada se esse aviso prévio não tiver lugar. Para que isso seja cabalmente possível, o Governo deverá completar a definição dos valores limite de emissões para ser autorizada não unicamente a recolha de amostras representativas do ciclo de produção diário da empresa, com a recolha de 24 amostras (hora a hora) que depois são misturadas para obter a amostra composta, mas também, em alternativa, a recolha de amostras pontuais (obtidas em dias e horas diferenciados) que permitam aferir se a empresa viola, de forma reiterada, os valores limite de emissão que estão estabelecidos.

A consagração na lei do princípio do não aviso prévio das atividades e medidas de inspeção e fiscalização ambientais é o objetivo da presente iniciativa legislativa dos Verdes. Contudo, embora tenha sido todo um processo relacionado com a necessidade de cuidar dos nossos recursos hídricos que esteve na origem desta iniciativa, não faria sentido que este princípio ficasse confinado ao setor da água, devendo ser alargado a toda a dimensão de intervenção ambiental, onde se aplique, e de atividades com impacto ambiental. Justamente por isso, o PEV opta por consagrar esse princípio na Lei Quadro das Contraordenações Ambientais.

Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis o Grupo Parlamentar Os Verdes apresenta o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1º
Objeto
A presente lei procede à quinta alteração à Lei Quadro das Contraordenações Ambientais, de modo a estabelecer o princípio da não comunicação e notificação às entidades visadas em atividades de inspeção e fiscalização.

Artigo 2º
Alteração à Lei nº 50/2006, de 29 de agosto
O artigo 18º da Lei nº 50/2006, de 29 de agosto, alterada pela Lei nº 89/2009, de 31 de agosto, pela Leiº 114/2015, de 28 de agosto, e pelo Decreto-Lei nº 42-A/2016, de 12 de agosto, passa a ter a seguinte redação:

«Artigo 18.º
Direito de acesso
1 – Os procedimentos de inspeção e de fiscalização não devem ser antecedidos de comunicação ou notificação às entidades visadas ou aos responsáveis pelas instalações e locais a inspecionar.
2 – Excetuam-se do número anterior os casos em que, justificadamente, a comunicação prévia constitua um requisito fundamental para que a atividade de inspeção ou de fiscalização não fique condicionada ou prejudicada.
3 – (anterior nº 1)
4 – (anterior nº 2)
5 – (anterior nº 3)
4 – (anterior nº 4)

Artigo 3º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Acompanhe aqui a evolução deste Projeto de Os Verdes.
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