A saúde oral é essencial para o bem-estar e a qualidade de vida de cada cidadão, cabendo ao Estado a principal responsabilidade no que respeita à sua promoção e à criação de condições para a universalidade e equidade no seu acesso.
Em Portugal, a situação da saúde oral é preocupante e o acesso aos cuidados médicos ainda muito desigual, encontrando-se o nosso país abaixo da média europeia no que diz respeito à implementação de políticas de acesso aos cuidados de saúde, sejam elas de prevenção ou de tratamento. As taxas de tratamento dentário ainda são das mais baixas, se comparadas com o resto da Europa, o que se relaciona não só com as existentes desigualdades e exiguidades de acesso a cuidados médicos nesta área no Serviço Nacional de Saúde (SNS), como também com o facto da maior parte dos tratamentos realizados serem efetuados em consultórios privados, o que constitui, por si só, uma barreira na acessibilidade, por ser inacessível para um largo número de cidadãos.
O acesso aos cuidados dentários ou cuidados de saúde oral em Portugal não é, ainda, uma realidade para todos os utentes, não estando garantido o seu carácter universal, como está consagrado na Constituição da República Portuguesa.
Esta é uma das carências atuais do SNS. Como dá a entender o Relatório Portugal: Perfil de Saúde do País 2017, State of Health in the EU, do European Observatory on Health Systems and Policies (OCDE), apesar de todos os avanços que se verificaram no SNS e da cobertura generalizada ao território nacional dos cuidados de saúde primários, existe uma área ainda bastante insipiente que é, justamente, a da Medicina Dentária. Apesar de a saúde oral em Portugal estar inserida em programas de cuidados de saúde primários, a maioria desses serviços de medicina dentária continuam a ser prestados pelo sector privado. Se a resposta não existir no setor público, ou existir de forma muito escassa, é evidente que não é disponibilizada solução a muitos cidadãos.
De resto, as conclusões do terceiro Barómetro da Saúde Oral, desenvolvido pela Ordem dos Médicos Dentistas (2017) em torno dos hábitos, acesso, perceções e motivações da população portuguesa face à oferta de cuidados de saúde dentários aponta a incapacidade de pagamento de consultas e tratamentos dentários em clínicas e consultórios privados como um dos fortes fatores de inibição e impossibilidade de acesso a um médico dentista.
Os programas específicos de promoção da saúde oral em Portugal destinaram-se no início a dar resposta a um problema de saúde com forte expressão junto da população infantil e juvenil. Foi criado o Programa Nacional de Promoção da Saúde Oral (PNPSO) com vista a reduzir a incidência e a prevalência das doenças orais nas crianças e nos jovens com idade inferior a 18 anos. Foram estes os primeiros beneficiários do programa cheque-dentista.
De acordo com o Estudo Nacional de Prevalência das Doenças Orais efetuado em 2005, a evolução registada, com base na aplicação do Programa e, tomando por base alguns indicadores-chave, foi a seguinte: 51 % de crianças de 6 anos livres de cárie em 2005, face aos 33 % apurados em 2000; índice de CPO (número médio de dentes cariados, perdidos e obturados) entre os 12 e 15 anos de, respetivamente 1,48 % e 3,04 % em 2005 face aos valores de 2,95 % e 4,72 % registados em 2000.
Em 2008, foi determinado o alargamento do programa cheque-dentista a dois outros grupos populacionais considerados vulneráveis - as grávidas em vigilância pré-natal no SNS e aos idosos beneficiários do complemento solidário - e o desenvolvimento de uma estratégia de intervenção orientada para a prestação de cuidados de saúde oral a um número superior de crianças e jovens. Posteriormente, em 2010, o programa foi alargado às pessoas infetadas com o VIH/SIDA beneficiárias do SNS e, em 2014, às pessoas necessitadas de intervenção precoce no cancro oral com especial enfoque no grupo de risco (homens, fumadores, com idade igual ou superior a 40 anos e com hábitos alcoólicos).
O Despacho nº 12889/2015, de 9 de novembro, do Ministro da Saúde prevê o incentivo à aplicação do PNPSO aos jovens de 18 anos que tenham beneficiado do programa e concluído o plano de tratamentos aos 16 anos, bem como um ciclo de tratamentos aos utentes infetados pelo vírus do VIH/SIDA que já tenham sido abrangidos anteriormente e que não fazem tratamentos há mais de 24 meses.
No mesmo Despacho, incentiva-se a adesão de crianças de 7, 10 e 13 anos com necessidades de saúde especiais, nomeadamente portadores de doença mental, paralisia cerebral, trissomia 21, entre outras que não tenham sido abrangidas pelo PNPSO e sempre que não seja expectável a colaboração numa consulta de saúde oral prevê o seu encaminhamento para os serviços de estomatologia dos hospitais da sua área de residência.
Mais recentemente, o Despacho nº 8591-B/2016 do Secretário de Estado Adjunto e da Saúde determina a implementação de consultas de saúde oral nos cuidados de saúde primários, no âmbito do PNPSO, de forma faseada, através de experiências piloto. Neste caso têm acesso os doentes portadores de diabetes, neoplasias, patologia cardíaca ou respiratória crónica, insuficiência renal em hemodiálise ou diálise peritoneal e os transplantados, inscritos nos Agrupamentos de Centros de Saúde onde decorrem as experiências-piloto.
Em termos avaliativos, o Programa Nacional de Saúde Oral apresenta, por um lado, ainda uma fraca complementaridade entre a prevenção assegurada pelo SNS e os serviços terapêuticos (garantida por parcerias com clínicas privadas, através do cheque-dentista), bem como a total ausência a longo prazo de acompanhamento após a intervenção dos profissionais de saúde oral.
Por outro lado, a cobertura destes projetos-piloto é ainda muito insipiente e não é nacional, pelo que estas experiências ficam muito aquém do necessário e importa que sejam rapidamente disponibilizadas a todos os utentes, independentemente da região onde residam. Esta universalidade só será garantida quando o acesso à medicina dentária, enquanto direito à saúde, estiver acessível a todos os cidadãos no SNS. Esse é o objetivo do projeto de lei que os Verdes agora apresentam.
A criação de condições, por parte do Estado, para a universalidade, gratuitidade e equidade no seu acesso deve ser uma prioridade da saúde pública. A saúde bucodental é parte integrante da saúde geral dos indivíduos e a maioria das doenças orais são evitáveis, desde que sejam disponibilizadas as necessárias medidas básicas de prevenção e tratamento.
O que os Verdes consideram é que as experiências-piloto testadas em 2016 e 2017 devem ser generalizadas, de modo a prosseguirmos, em Portugal, um caminho de existência de resposta no SNS de promoção de prevenção e tratamento de saúde oral, o que implica a adequação das unidades de saúde ao objetivo pretendido, bem como a contratação de profissionais habilitados.
Quanto a este último aspeto, os Verdes consideram que não é admissível que os profissionais tenham um vínculo precário, tratando-se de uma resposta que se quer permanente, sendo um imperativo a criação da carreira de médico-dentista, a qual é prevista no presente projeto de lei.
Uma das falhas que também é apontada às experiências-piloto existentes, e já referidas, é a falta de informação e o desconhecimento que vários cidadãos, que integram os grupos contemplados pelo PNPSO, o que os impossibilita de aceder aos cuidados de que são beneficiários. O PEV procura, no presente projeto de lei, dar também resposta a estas falhas.
Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar Os Verdes apresenta o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1º
Objeto
A presente Lei visa universalizar o acesso dos utentes do serviço nacional de saúde (SNS) aos cuidados de saúde oral.
Artigo 2º
Universalização
1 - O Governo promove a generalização, a todos os Agrupamentos de Centros de Saúde, das experiências-piloto existentes no âmbito do Programa Nacional de Promoção da Saúde Oral.
2 – No prazo de quatro anos deve estar garantida a cobertura nacional e permanente da valência de saúde oral nos cuidados primários de saúde, acessível a todos os utentes do SNS.
Artigo 3º
Contratação de profissionais
Para efeitos do cumprimento do artigo 2º, o Governo cria a carreira de médico-dentista no Serviço Nacional de Saúde, promovendo a contratação dos profissionais necessários à universalização do acesso dos utentes do SNS aos cuidados de saúde oral.
Artigo 4º
Divulgação
O Governo garante a informação e a divulgação aos utentes do SNS da existência da valência de saúde oral nos cuidados primários de saúde da respetiva área de residência.
Artigo 5º
Regulamentação
O Governo regulamenta a presente Lei no prazo de cinco meses.
Artigo 6º
Entrada em vigor
A presente Lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Acompanhe aqui a evolução deste Projeto.