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17/07/2017
Projeto de Lei nº581/XIII/ 2ª - Interdita a comercialização de utensílios de refeição descartáveis em plástico
Vivemos numa sociedade cada vez mais inundada de objetos descartáveis e de consumo rápido, que lança diariamente milhares de toneladas de resíduos não biodegradáveis para o meio ambiente. Desta situação resultam níveis de poluição descontrolados e bastante preocupantes.

De entre os materiais constituintes desta massa de resíduos encontram-se, cada vez mais, os plásticos convencionais (à base de petróleo), que tardam em degradar-se, podendo na maioria dos casos permanecer durante décadas ou mesmo séculos, invadindo o ambiente e os ecossistemas (em particular os mares e oceanos) com matérias persistentes e causando graves desequilíbrios.

Os plásticos podem constituir elementos tóxicos para os organismos vivos ou os ecossistemas, e, mesmo se não o forem, constituem elementos estranhos que vão alterando gradualmente a composição desses mesmos ecossistemas. Uma vez lançados em meio livre, os plásticos, através da ação dos agentes ambientais, dividem-se em microplásticos (micropartículas com diâmetros inferiores a 5 mm), que entram na cadeia alimentar com consequências para muitas espécies, incluindo o ser humano. Com efeito, é já comum falar-se no grave problema da contaminação dos oceanos por plásticos e na entrada, cada vez mais frequente, de microplásticos nas estruturas de organismos vivos, que facilmente chegam também a produtos alimentares para consumo humano. Recentes estudos demonstraram a presença de microplásticos no sal utilizado para cozinha, inclusivamente em marcas portuguesas (veja-se um estudo publicado na revista Scientific Reports, volume 7, em maio de 2017). Os cientistas, que procederam ao referido estudo, reportam que, para além do sal, estes componentes já foram detetados noutros alimentos como peixe, marisco e mesmo mel e cerveja. Os efeitos de longo prazo na saúde humana podem ser significativos e ainda mais preocupantes, tendo em conta que os atuais métodos de deteção de microplásticos não permitem identificar partículas menores que poderão mais facilmente ser absorvidas pelos organismos vivos.

Neste quadro, torna-se especialmente criticável o facto de o nosso atual modelo de «desenvolvimento» económico ser norteado pela ideia de que a prosperidade se pode associar ao consumo descartável, resultando na produção de uma grande quantidade de resíduos cada vez mais baseados em materiais não biodegradáveis ou persistentes, entre os quais o plástico é, cada vez mais, uma constante.

Os Verdes têm levado recorrentemente à Assembleia da República propostas para a redução de resíduos de embalagens, onde o plástico é dominante. Essas propostas passam sobretudo pela necessidade de o próprio mercado ser mais sustentável na disponibilização de produtos para consumo. A verdade é que muitas vezes o consumidor nem tem opção, sendo obrigado a trazer consigo um volume significativo e inútil de embalagens, por necessitar de um determinado produto que só está disponível embalado, e quantas vezes dupla e desnecessariamente embalado. O PEV considera que, com exceção dos casos em que a embalagem existe para preservar a qualidade do produto, já era tempo de o mercado se ter adaptado a uma necessidade de redução de resíduos de embalagens, por via da oferta que faz ao consumidor. Infelizmente, a maioria dos partidos com assento parlamentar (PSD, PS e CDS) não têm permitido a aprovação destas propostas ecologistas.

Outra tem sido a opção destas forças políticas: ou nada fazer, deixando o mercado regular-se como entender, ou, a fazer-se algo, que seja por via de aplicação de taxas que recaem sobre o consumidor! Foi isso que aconteceu com os sacos plásticos leves, aos quais foi aplicada uma taxa, por via da Lei nº 82-D/2014, de 31 de dezembro, regulamentada pela Portaria nº 286-B/2014, de 31 de dezembro. Não deixa de ser interessante perceber o que aconteceu, desde então. De facto, deixou-se praticamente de utilizar sacos de plástico leves em Portugal, mas importa ter consciência que isso se deveu ao facto de as unidades comerciais terem deixado, pura e simplesmente, de disponibilizar sacos de plástico leves. O que aconteceu foi que passaram a disponibilizar sacos de plástico mais resistentes (e não leves), e ainda ganharam com o «negócio» aquelas que passaram a cobrar o valor da taxa aos consumidores para sacos sobre os quais não recai qualquer taxa, transformando, portanto, o facto numa nova fonte de receita para a própria unidade comercial. Técnicas de negócio à parte (e, diga-se de passagem, sem o devido esclarecimento ao consumidor), o que nos importa salientar é que foi o facto de o mercado ter deixado de disponibilizar sacos de plástico leves aos consumidores, que levou a que fossem praticamente erradicados. Na perspetiva do PEV, outro teria sido o resultado no caso de os sacos de plástico leves terem continuado a ser disponibilizados, mesmo com uma taxa. Houve países em que num primeiro momento de aplicação da taxa, os consumidores se retraíram na utilização dos sacos, mas depois progressivamente foram voltando a utilizá-los, mesmo pagando a taxa.

Significa isto que a oferta que o mercado faz é determinante para nos dirigirmos para um caminho de maior sustentabilidade, e, neste caso concreto, de menor produção de resíduos. Através do presente Projeto de Lei, o PEV volta a colocar à discussão a temática dos resíduos, da oferta do mercado e da necessidade de prosseguirmos um caminho que garanta uma diminuição substancial de poluição causada por um consumismo abusivo e descartável. Desta feita, o PEV coloca a necessidade premente de reduzir os plásticos presentes nos resíduos sólidos urbanos e equiparados, através da eliminação da comercialização, e consequentemente da utilização, de utensílios de refeição em plástico e descartáveis.

Em Portugal, como em outros países, a utilização de copos, talheres ou pratos descartáveis e feitos de plástico é muito comum em festas e eventos (públicos e privados) e encontram-se à venda de uma forma massiva. Os copos descartáveis de plástico também são uma constante em máquinas automáticas de fornecimento de água, cafés e outras bebidas quentes presentes em locais de atendimento ao público, escritórios e noutros espaços, como em estabelecimentos de diversão noturna/bares onde não é raro servirem-se bebidas em copos descartáveis de plástico. Há, portanto, uma utilização muito generalizada desta «loiça» que se caracteriza por usar e deitar fora, contribuindo para aumentos muito significativos de resíduos e para níveis de poluição que não são de menosprezar.

Perante esta realidade, percebe-se a importância de valorizar soluções que transformem o «descartável» em «reutilizável», o que implica a utilização de material que possa ser lavado, desinfetado e reutilizado. Mas há uma questão que tem urgentemente de ser objeto de resposta, que se prende com a poluição causada pelos plásticos. A verdade é que é possível encontrar no mercado exemplos de «loiça» descartável composta maioritariamente por materiais biodegradáveis ou por fibras vegetais naturais, tais como soluções em papel/cartão, ou soluções produzidas, por exemplo, a partir de cana de bambu. Mais uma vez, evidencia-se que a oferta que o mercado faz ao consumidor é um dos maiores determinantes para prosseguir os objetivos pretendidos. É evidente que não podemos desconsiderar a importância de a sociedade ter consumidores que promovem escolhas sustentáveis e responsáveis, mas o papel dos agentes económicos tem sido completamente desvalorizado, quando estes não podem continuar arredados de um objetivo que deve ser de toda a sociedade.

Em França já se produziu legislação para proibir talheres, copos e pratos descartáveis em plástico convencional, no âmbito de escolhas de reorientação de política energética, poupando, assim, 30 mil toneladas de lixo, que os franceses estimam resultar do uso daqueles materiais.
Há um desígnio de deve unir todos os cidadãos, de todo o Planeta, quando se coloca a questão de o plástico já poder ter afetado 40% dos oceanos e de se recear que a médio prazo (em 2050) a quantidade de plástico nos mares possa vir a superar a quantidade de peixes!
O PEV considera que não temos muito mais tempo a perder, e que é tempo de responsabilizar todos os agentes para os desafios ambientais que temos pela frente, os quais, em bom rigor, se relacionam diretamente com a qualidade de vida e a saúde dos seres humanos e de todas as dimensões de vida no Planeta.

Nesse sentido, os Verdes propõem que se impeça a colocação no mercado de utensílios de refeição descartáveis em plástico convencional (à base de petróleo). É evidente que esse impedimento não pode dar-se de um dia para o outro, mas deve iniciar-se o caminho para o concretizar a curto prazo. Um período de adaptação é também importante para as empresas que atualmente fabricam estes produtos em plástico convencional, de modo a que possam adaptar-se à utilização de outros materiais para a produção dos mesmos objetos. O presente Projeto de Lei dá o sinal de partida para o cumprimento desse objetivo e determina que num prazo de 3 anos se deixe de comercializar em Portugal a dita «loiça» em plástico descartável.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar Os Verdes apresenta o seguinte Projeto de lei:

Artigo 1º
Objeto
A presente lei visa reduzir os resíduos de plástico libertados no ambiente, impedindo a comercialização de utensílios de refeição descartáveis em plástico.

Artigo 2º
Definições
Para efeitos do disposto no presente diploma considera-se que as expressões «utensílios de refeição descartáveis», «plástico», «materiais biodegradáveis» e «operadores económicos» devem ser entendidos nas condições a seguir indicadas:
a) Utensílios de refeição descartáveis - pratos, tigelas, copos, colheres, garfos, facas, palhinhas e palhetas de café, destinados a ser utilizados apenas uma ou poucas vezes em consumo de produtos alimentares;
b) Plástico - um polímero ou substância não biodegradável de origem fóssil, composta por moléculas caracterizadas por sequências de um ou mais tipos de unidades monoméricas;
c) Materiais biodegradáveis – materiais cujas características permitem uma decomposição física, térmica ou biológica de que resulte que a maioria do composto final acabe por se decompor em dióxido de carbono, biomassa ou água;

d) Operadores económicos – fabricantes, transformadores, importadores, distribuidores, fornecedores, vendedores de utensílios de refeição descartáveis.

Artigo 3º
Princípio geral
É proibida a comercialização, bem como a importação, de utensílios de refeição descartáveis em plástico.

Artigo 4º
Criação de soluções sustentáveis
1 - O Governo apoia, em cooperação com os operadores económicos, soluções alternativas para colocação no mercado de utensílios de refeição descartáveis produzidos a partir de matérias biodegradáveis ou compostáveis.
2 - O Governo promove, junto dos consumidores, incentivos à utilização de material não descartável, suscetível de reutilização.

Artigo 5º
Período de adaptação
Os operadores económicos dispõem de um período de três anos, a contar da data de entrada em vigor do presente diploma, para adaptação à proibição de comercialização de utensílios de refeição descartáveis em plástico.

Artigo 6º
Fiscalização
A fiscalização das regras estabelecidas no presente diploma compete à Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT).

Artigo 7º
Contraordenações
1 – A violação do disposto no artigo 3º constitui contraordenação ambiental muito grave, nos termos do disposto na lei-quadro das contraordenações ambientais, aprovada pela Lei nº 50/2006, de 29 de agosto, alterada pela Lei nº 89/2009, de 31 de agosto, pela Lei nº 114/2015, de 28 de agosto e pelo Decreto-Lei nº 42-A/2016, de 12 de agosto.
2 - Compete à IGAMAOT a instrução dos processos de contraordenação e ao inspetor-geral da IGAMAOT a aplicação das coimas, nos termos do número anterior.
3 - O produto da aplicação das coimas resultantes da prática das contraordenações a que se referem os números anteriores reverte:
a) Em 60% para o Estado;
b) Em 40% para a IGAMAOT.
4 - As coimas aplicadas nos termos do presente artigo são cobradas coercivamente em processo de execução fiscal, sendo competente a Autoridade Tributária.

Artigo 8º
Relatório de avaliação
1 - Um ano após a finalização do período de adaptação, previsto no artigo 5º, o Governo elabora um relatório de avaliação dos impactos ambiental e económico resultantes da aplicação do presente diploma.
2 - O relatório previsto no número anterior é enviado à Assembleia da República.

Artigo 9º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, Palácio de S. Bento, 17 de julho de 2017

Acompanhe aqui a evolução deste Projeto de Os Verdes.
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