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Projetos de Resolução
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05/12/2017
Projeto de Resolução Nº 1166/XIII/3ª - Pela valorização da calçada portuguesa, o apoio à candidatura a Património Cultural Imaterial da Humanidade e a valorização da profissão de calceteiro
A calçada portuguesa, como hoje a conhecemos, foi iniciada em meados do séc. XIX. No entanto, foi no Séc XIV que se iniciou o calcetamento das ruas de Lisboa, sendo uma herança da cultura e da tecnologia de construção dos romanos.

Com efeito, o Rei D. João II mandou empedrar a Rua Nova da capital, com granito da região do Porto, e D. Manuel I concluiu esta obra, conforme comprovam as cartas régias de 20 de agosto de 1948 e de 8 de maio de 1500 assinadas por este.

Com os terramotos de 1531 e de 1551 dá-se um impulso a novos arruamentos, mas é principalmente com o grande terramoto de 1755 que tem início um grande projeto não só de recuperação de edifícios, mas também de abertura de novas ruas e de recuperação de antigas.

O governador do Castelo de S. Jorge, o Tenente-General Eusébio Furtado, foi o grande impulsionador da calçada com as características mais próximas da que hoje é utilizada quando, em 1842, mandou transformar a fortaleza e os arredores em locais de passeio calcetado. Este trabalho foi feito por reclusos e o desenho utilizado foi de traçado simples, mas a obra tornou-se de certa forma singular para a época, que vários cronistas portugueses escreveram sobre o assunto.

Posteriormente, foi pavimentada a Praça do Rossio, numa extensão de 8712 metros quadrados. Rapidamente este tipo de pavimento propagou-se pela cidade e pelo restante território, associado a um ideal de moda e bom gosto, dando origem a autênticas obras-primas, tendo depressa ultrapassado fronteiras. Os mestres calceteiros portugueses eram solicitados para realizar e ensinar estes trabalhos.

A calçada portuguesa caracteriza-se pela aplicação das pedras, geralmente de calcário branco e preto, embora também se use cinzento, amarelou ou rosa, que podem ser usadas para formar padrões decorativos.

Hoje em dia é utilizada no calcetamento de áreas pedonais, praças, parques e pátios, mas também em espaços interiores públicos e privados.

A calçada portuguesa é uma expressão artística, um elemento do património cultural, tradicional e distintivo de Portugal e muito concretamente de Lisboa, apesar de existirem expressões de calçada portuguesa por todo o país e também pelo mundo, com presença em todos os continentes, assumindo-se assim também como um elemento de divulgação da nossa cultura.

É um elemento que valoriza a imagem do país e confere às cidades uma beleza e luminosidade únicas, dignificando o espaço público, tornando-o mais atrativo. Alia as caratecrísticas da durabilidade, de grande beleza estética, podendo, sempre que houver necessidade, ser renovada ou reconstruída. Tem ainda benefícios ambientais, comparando com outros tipos de pavimento, por regular a temperatura e aumentar a permeabilidade do solo, contribuindo para um melhor escoamento das águas.

A sua originalidade confere-lhe um estauto muito particular, pois cada calçada é única devido à diversidade dos motivos utilizados, mas também porque o seu efeito final depende da produção e da mestria do artífice.

Apesar de todas estas características, há problemas habitualmente associados à calçada, como o piso escorregadio, as pedras soltas, a dificuldade de locomoção principalmente de pessoas com mobilidadae reduzida ou condicionada e danos no calçado.

No entanto, estes problemas não são necessariamente uma característica do piso em si, mas devem-se fundamentalmente à forma como a calçada é colocada, à falta de manutenção e de trabalhadores especalizados e ao estacionamento de veículos em cima dos passeios, o que faz com que se deteriore com mais facilidade.

Importa também referir que é possível fazer um excelente trabalho com a calçada portuguesa, permitindo um piso confortável, seguro, liso e sem causar quaisquer problemas de mobilidade, com a devida formação e utilizando diversas técnicas e materiais para otimizar este pavimento melhorando a sua aderência como, por exemplo, incluir pedra basáltica rugosa e adaptar e corrigir a calçada nos pontos mais problemáticos. Estas técnicas têm sido utilizadas nos útimos tempos e têm obtido bons resultados.

No entanto e apesar de todos estes factos, existe alguma tendência no sentido da substituição da tradicional calçada portuguesa por outros tipos de pavimento, como o cimento branco e a pedra de lioz.

Convém realçar que o pavimento que muitas vezes vem substituir a calçada apresenta problemas por ser impermeável, escorregadio, por se desfazer com a chuva e com o estacionamento desregrado de veículos em cima desse pavimento.

No que diz respeito à extração da pedra, calcário ou outra utilizada em pavimentos, importa ter presente o imprescindível cumprimento das regras de boas práticas, procurando respeitar as questões de segurança, de sustentabilidade e de proteção ambiental, procurando reduzir o mais possível o impacto desta atividade no ambiente e os incómodos para as populações locais.

Falando de calçada portuguesa, não se pode obviamente esquecer a profissão de calceteiro, uma profissão árdua e desgastante, genuinamente portuguesa e intimamente ligada ao nosso património cultural, que deve ser valorizada, dignificada e estimulada, pois são os calceteiros que fazem da calçada portuguesa uma obra de arte apreciada em todo o mundo.

Tratando-se a calçada portuguesa de um processo de criação artística assente numa tradição cultural, é fundamental apostar na formação de calceteiros, sob pena de se perder a experiência e o conhecimento da arte de calcetar.

Nesse sentido, em 1986 foi criada a Escola de Calceteiros pela Câmara Municipal de Lisboa, na Quinta Conde dos Arcos, devido à preocupação de perder os conhecimentos sobre calcetar e precisamente com o objetivo de preservar e difundir estes conhecimentos, renovar o efetivo de calceteiros municipais e divulgar a arte de calcetamento. Desde então, têm sido formados profissionais que, aprendendo os saberes dos mestres, vão assegurando a sobrevivência da calçada portuguesa.

Como forma de homenagem a este ofício, em 2006 foi inaugurado o "Monumento ao Calceteiro" da autoria de Sérgio Stichini na Rua da Vitória que, após ter sido vandalizado, foi recuperado e encontra-se atualmente na Praça dos Restauradores.

Perante todas as caraterísticas e benefícios da calçada portuguesa está neste momento a ser preparada a candidatura a Património Cultural Imaterial da Humanidade da UNESCO pela Associação Calçada Portuguesa, da qual fazem parte a Câmara Municipal de Lisboa, a Associação Portuguesa dos Industriais de Mármores, Granitos e Ramos Afins (ASSIMAGRA), a União das Cidades Capitais Luso-Afro-Américo-Asiáticas (UCCLA) e o Grupo Português da Associação Internacional para a Proteção da Propriedade Intelectual (AIPPI).

Esta candidatura deverá mover-nos a todos pois é um património de todos os portugueses que importa preservar e valorizar.

Reconhecendo que muitas das responsabilidades relacionadas com a calçada portuguesa, como a sua colocação e manutenção, são competência do poder local, o que o Partido Ecologista Os Verdes pretende trazer à discussão, através do presente Projeto de Resolução, é a valorização da calçada portuguesa, da profissão de calceteiro e o apoio da candidatura a Património Cultural Imaterial da Humanidade, matérias que podem e devem ser objeto de intervenção por parte do Governo, uma vez que se trata de um património de todos nós.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, os deputados do Partido Ecologista Os Verdes, apresentam o seguinte Projeto de Resolução:

A Assembleia da República recomenda ao Governo que desenvolva as diligências necessárias com vista:

1. À valorização e defesa da calçada portuguesa, uma expressão artística tradicional e distintiva de Portugal.

2. À valorização e dignificação da profissão de calceteiro, genuinamente portuguesa e intimamente ligada ao património cultural do nosso país.

3. Ao apoio à candidatura da calçada portuguesa a Património Cultural Imaterial da Humanidade da UNESCO.


Palácio de S. Bento, 5 de dezembro de 2017
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