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Projetos de Resolução
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06/04/2018
Projeto de Resolução Nº 1493/XIII/3ª - Apoio à agricultura familiar como forma de garantir a gestão e manutenção do espaço rural
O ano de 2017 foi, ao nível de incêndios florestais, o pior ano de que há memória, e na memória ficarão as consequências catastróficas provocadas pelos incêndios que ocorreram na zona centro e norte do país, designadamente a perda de vidas humanas - mais de uma centena - os danos e prejuízos em milhares de habitações, a destruição total ou parcial de centenas de empresas, as milhares de explorações agrícolas afetadas, para além dos mais de quinhentos mil hectares de área florestal dizimada pelas chamas.

Os incêndios de 2017 provocaram assim, impactos incalculáveis a nível social, económico e ambiental que irão perdurar por um horizonte temporal extenso se não forem tomadas medidas adequadas para os territórios afetados diretamente, mas igualmente medidas transversais e nacionais que, de forma integrada e sistémica, possam mitigar estes impactos e evitar que no futuro ocorram catástrofes com esta dimensão.

Ficou evidente com os incêndios do verão de 2017, que tem de ser invertido o paradigma e as opções políticas seguidas pelos sucessivos governos. Ao longo de décadas as políticas têm sido contrárias às reais necessidades do interior e das zonas rurais, em particular, invocando-se os défices, os tratados orçamentais e os pactos de estabilidade e entre outros argumentos de cariz meramente economicista.

O desinvestimento em infraestruturas e equipamento, o encerramento de serviços públicos como escolas, centros de saúde, zonas agrárias, esquadras e postos das forças de segurança, postos e estações dos CTT, tribunais e tantos outros serviços associados à reduzida ou inexistente oferta de transporte público e coletivo, tem empurrado as pessoas para os centros urbanos, em particular para o litoral. Políticas que deram um claro contributo para esvaziar mais o mundo rural e para lhe ditar uma sentença de abandono e, por essa via, agravando a fragilização do espaço onde a floresta e os matos se inserem, tornando-o mais vulnerável aos incêndios.

A presença de pessoas no mundo rural e as suas atividades multifuncionais e multisetoriais são, desde logo, o garante da gestão deste território e da prevenção de incêndios, que cada vez mais, têm assolado o nosso país, em resultado das alterações climáticas, associadas ao desordenamento e abandono do território, bem como às crescentes e extensas áreas de monocultura de eucalipto ligados aos interesses das celuloses.

Embora os incêndios de 2017 tenham, para além das áreas florestais, devastado espaços agrícolas e urbanos, é notório que as áreas ocupadas por atividades agrícolas tiveram um papel importante e significativo para evitar que a dimensão e as respetivas consequências fossem ainda maiores àquelas que se verificaram.

O papel de tampão que as áreas agrícolas protagonizam na defesa da floresta tem vindo progressivamente a diminuir e a ser eliminado, em resultado da política da União Europeia e de sucessivos governos, que conduziu à estagnação da produção agrícola nacional, quer em volume quer em valor, à degradação do rendimento agrícola para a grande maioria dos agricultores, à perda de perto de 550 000 trabalhadores da atividade agrícola, à eliminação de cerca de 400 000 explorações agrícolas e a uma maior dependência alimentar do exterior.

O abandono das áreas agrícolas e de pastagem, decorrente de políticas de desvalorização da produção nacional, retirou território de intermitência e de proteção da floresta e esvaziou uma boa dose de capacidade de vigilância da floresta que as próprias populações, naturalmente, realizavam.

Apesar do crescente abandono e das inúmeras dificuldades, algumas explorações agrícolas, a maioria de pequena e média dimensão, aliada à mão de obra familiar, têm resistido e sobrevivido, continuando a ter um papel preponderante, em particular no centro e norte do país, contribuindo para tornar o mundo rural um espaço ainda vivo com todas as sinergias positivas que daí advêm.

A agricultura familiar pela sua natureza multidisciplinar e multifuncional, para além de constituir o pilar fundamental da nossa alimentação, é também o suporte basilar da evolução da sociedade portuguesa ao nível económico, da coesão social, da defesa do ambiente, do território e da identidade cultural.

A pequena agricultura, por vezes complementada com o rendimento de outras atividades, onde as mulheres detêm um papel determinante e estruturante na gestão e na exploração, tem contribuindo para dinamizar as economias locais, através de formas de comércio tradicional ou de proximidade como são os mercados e vendas diretas, permitindo perpetuar o saber ancestral e valorizar os recursos naturais e o território na produção de alimentos, garantes da soberania e segurança alimentar.

Contudo apesar do reconhecimento da agricultura familiar no desenvolvimento rural, esta tem sido esquecida e ignorada pelas políticas nacionais e da UE, enfrentando, por isso, enormes dificuldades designadamente no que se refere:
- Ao escoamento dos seus produtos, uma vez que os pequenos e médios agricultores têm sido excluídos dos grandes circuitos da distribuição agroalimentar;
- À inexistência de preços justos à produção, que agravam a perda de rendimento dos agricultores, nomeadamente dos pequenos e médios;
- Ao aumento dos custos de produção;
- A medidas fiscais desadequadas às pequenas explorações e elevadas contribuições para a segurança social;
- Ao cerco por parte do grande agro-negócio multinacional que hoje representa interesses que vão desde o sector financeiro e as suas atividades altamente especulativas, até ao sector da indústria química e biológica;
- Ao desligamento dos apoios à produção que prejudicaram os pequenos produtores e desincentivaram a própria produção;
- Às dificuldades em aceder a linhas de crédito e em fazer seguros para as suas produções contra intempéries;
- Ao reduzido apoio ao movimento associativo e cooperativo.

Entre tantas outras dificuldades pelas quais a agricultura familiar tem passado e que poderiam ser aqui explanadas, os incêndios do verão passado vieram reforçar as dificuldades já existentes, assim como geraram outros problemas, em particular nas explorações afetadas diretamente, com danos significativos e perdas consideráveis de rendimentos.

A agricultura familiar pelo seu papel multifuncional e transversal e o seu contributo ao nível económico, social, cultural e ambiental, tem de ser considerada e encarada com “olhos de ver”, uma vez que representa a atividade que melhor pode contribuir para a gestão e sustentabilidade do território, para a manutenção da diversidade das espécies, para prevenir o flagelo dos incêndios e de combate e adaptação às alterações climáticas.

Tendo em consideração os impactos dos incêndios de 2017, as dificuldades pelas quais as pequenas e médias explorações agrícolas de natureza familiar têm passado ao longo dos anos e o seu papel relevante como bem e serviço público da agricultura familiar na defesa do mundo rural,
Os deputados do Partido Ecologista Os Verdes, apresentam nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, o seguinte Projeto de Resolução:

A Assembleia da República recomenda ao Governo que:

1- Promova medidas para dinamizar e revitalizar os mercados locais e regionais, como praças, mercados, feiras, no sentido de escoar os produtos provenientes da agricultura familiar;

2- Incentive o comércio de proximidade, nomeadamente os estabelecimentos de restauração a adquirir produtos locais e regionais provenientes de pequenas e médias explorações agrícolas;

3- Implemente medidas para garantir o escoamento da produção agrícola familiar a preços justos;

4- Agilize fiscalmente a venda direta de forma a reduzir os custos e a respetiva burocratização;

5- Nas cantinas públicas e cantinas financiadas pelo estado seja dada preferência à aquisição de bens alimentares para a confeção de refeições, oriundos da produção agrícola familiar local e regional;

6- Regulamente e fiscalize a atividade das grandes superfícies nomeadamente quanto aos preços praticados, aos prazos de pagamento a fornecedores, e aplique quotas mínimas de comercialização de bens agroalimentares de produção nacional e local;

7- Lance um debate sobre a certificação alternativa ao nível alimentar, como é o caso da certificação participativa que está a ser implementada nas relações entre o produtor e o consumidor em vários países europeus;

8- Garanta apoio técnico às pequenas e médias explorações agrícolas familiares, nomeadamente através das organizações de produtores e cooperativas;

9- Reponha os apoios à eletricidade verde;

10- Apoie as explorações de agricultura familiar e as suas organizações na transformação de produtos agropecuários e florestais;

11- Fomente e apoie as pequenas e médias explorações agrícolas na aquisição de pequenos ruminantes, em particular de raças autóctones;

12- Crie apoios, simplificados e a fundo perdido, para investimentos nas pequenas explorações agrícolas familiares;

13- Adote como princípio “produzir local, consumir local” como forma de desenvolver o mundo rural.

Leia aqui o Projeto de Resolução de Os Verdes.
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