A defesa do consumo e da produção alimentar local é uma máxima ecologista que nos orienta para uma sociedade onde a produção deve ser feita em função das necessidades de consumo (e não do esbanjamento e dos interesses economicistas), com enormes vantagens ambientais, sociais e económicas, fundamentalmente se pensarmos na desnecessidade de transporte - sobretudo de longo curso - e na redução de emissões de CO2, nas vantagens para os pequenos produtores, na possibilidade de dinamização das zonas rurais, na garantia de melhor qualidade dos produtos, bem como nos recursos naturais que podem ser preservados por não ficarem sob o jugo de um modelo de produção intensiva.
Nesta perspetiva, o aumento que se tem verificado ao nível do comércio / transporte de animais vivos constitui um caminho inverso àquele que deveria estar a ser trilhado. A criação de animais (com as regras ambientais efetivamente aplicadas e recusando a produção intensiva, que em muito contribui para a emissão de gases com efeito de estufa), o abate de animais e a preparação / transformação de carne devem ser fases realizadas o mais próximo possível umas das outras, num circuito produtivo e comercial de proximidade. Não é desejável que os animais sejam transportados de país para país, horas a fio, em condições muitas vezes deploráveis.
Efetivamente, importa também salientar que o transporte de animais vivos compromete facilmente o bem-estar animal, tendo em conta que transportar um ser vivo senciente não é o mesmo que transportar uma carga de barras de chocolate ou de garrafas com bebida, como afirmou Keith Taylor, enquanto deputado do Grupo Verde do Parlamento Europeu. O transporte de animais, especialmente de longo curso, tem implicações sérias para aqueles e interfere na própria qualidade da carne a consumir. Do ponto de vista ambiental o transporte, especialmente de longo curso, tem sempre implicações reais, mas do ponto de vista ético o transporte de animais vivos para abate é, obviamente, bem mais complicado e inaceitável do que o transporte de carne ou dos seus derivados.
O Regulamento (CE) nº 1/2005 do Conselho, de 22 de dezembro de 2004, relativo à proteção dos animais durante o transporte e operações afins, assume como objetivo devido que, tendo em conta o bem-estar animal, «deverá limitar-se tanto quanto possível o transporte de animais em viagens de longo curso», uma vez que «as viagens de longo curso são suscetíveis de ser mais nocivas para o bem-estar dos animais do que as curtas».
Essa limitação e redução não tem sido, contudo, objetivamente garantida. Muito pelo contrário, entre 2005 e 2009 (que abrange já um primeiro período de vigência do regulamento referido) o número de animais transportados cresceu substancialmente ao nível europeu (8% no caso dos bovinos, 70 % nos suínos, 3 % nos ovinos) e continuou a subir nos anos seguintes. Em Portugal também se tem assistido a um aumento substancial de embarque de bovinos e ovinos para destinos longínquos, designadamente para o Médio Oriente e Norte de África, sendo que em 2016 as exportações do setor pecuário subiram 32% face ao ano anterior e no setor bovino 86%.
Quando falamos deste transporte de animais, falamos de viagens, designadamente por via marítima, que duram frequentemente 6 dias, 12 dias, ou mais de 20 dias, e quantas vezes, segundo relatos e reportes feitos, em condições de sobrelotação, sem a necessária ventilação, sem condições de segurança e higiene por exemplo em relação aos dejetos dos animais, havendo uns que chegam ao destino com sérios ferimentos e alguns mesmo mortos. Ora, por aqui se percebe a razão de ser da preocupação no que respeita à relação do transporte de animais vivos com a necessária preservação do bem-estar animal, mas também é de salientar que este transporte pode aumentar o risco de transmissão e de propagação de doenças e causar níveis de stress e de sofrimento aos animais, os quais acabam por influir na qualidade e na segurança da carne que chega aos consumidores.
A própria Comissão Europeia, a propósito da aplicação do Regulamento (CE) nº 1/2005 do Conselho, tem advertido para o facto de persistirem problemas sérios no que diz respeito ao bem-estar animal durante o transporte, relacionando esse facto com o não cumprimento das regras e com uma má aplicação do Regulamento nos Estados--Membro, manifestando preocupação com um conjunto de relatórios sobre a utilização de veículos inadequados para o transporte de animais vivos, tanto por via terrestre quanto marítima. Tem também salientado aquilo que é inegável: que o regulamento não concretizou plenamente um seu pretenso objetivo de limitação do transporte de animais.
O transporte de animais vivos está regulado, em termos de legislação nacional, basicamente pelo Decreto-Lei nº 265/2007, de 24 de julho, no que se refere à circulação em território nacional (dentro do continente e com as Regiões Autónomas), e pelo Decreto-Lei nº 142/2006, de 27 de julho, que cria o Sistema Nacional de Informação e Registo Animal, o qual estabelece condicionantes e regras a observar no transporte e circulação animal.
São, entretanto, visíveis as denúncias que têm sido tornadas públicas por ativistas, relativas ao incumprimento de regras no que respeita a embarque, transporte e desembarque de animais. Por exemplo, a PATAV denunciou, há pouco tempo, as condições insuficientes de transporte marítimo de milhares de bovinos e ovinos para Israel.
Tendo em conta o que ficou exposto e considerando a importância de agir no sentido de diminuir, por um lado, e de melhorar, por outro, as condições de transporte de animais vivos, o Grupo Parlamentar Os Verdes apresenta o seguinte Projeto de Resolução:A Assembleia da República resolve, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, recomendar ao Governo que:
1 – Elabore, através da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária, um relatório específico a apresentar à Assembleia da República sobre a aplicação das regras dispostas no Regulamento (CE) nº 1/2005 do Conselho, de 22 de dezembro de 2004, bem como da legislação nacional relativa ao transporte de animais vivos, contendo designadamente:
a) A evolução do número de transportes de animais vivos e do volume de transporte;
b) O reporte dos transportes de longo curso e o respetivo número de horas de viagem;
c) A recorrência da exigência de guia sanitária de circulação para o transporte de animais vivos;
d) O reporte de animais que chegaram ao destino feridos e/ou mortos, quer em exportação, quer em importação;
e) Número de controlos, fiscalizações e inspeções realizadas e respetivo resultado.
2 – Seja autorizado, como regra, o limite máximo de 8 horas para o tempo de viagem de animais destinados a abate, quer por via rodoviária, quer por via marítima.
3 – Nos casos de autorização excecional de viagem superior a 8 horas, haja uma correspondente redução substancial do volume de transporte.
4 – Promova ações de sensibilização e de formação, junto dos produtores e dos transportadores, sobre a tratamento adequado de animais e a promoção do bem-estar animal.
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