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11/05/2018 |
Projeto de Resolução Nº 1609/XIII/3ª - Garantia de uma escola pública e inclusiva em toda a escolaridade obrigatória |
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A educação é um direito humano fundamental e assume um papel preponderante na promoção da inclusão, da integração e da equidade dos cidadãos e na garantia da efetivação de outros direitos.
A educação inclusiva tem de ser uma realidade nas escolas e na sociedade, e não pode ser encarada apenas como um fim, mas como um meio para a inclusão em todos os domínios da vida. Uma escola inclusiva é o meio mais eficaz para combater comportamentos discriminatórios.
Todos os alunos devem ter as mesmas oportunidades para aprender, construir competências e desenvolver capacidades, possibilitando-lhes uma melhoria da sua qualidade de vida e permitindo mais facilmente a sua inclusão na escola e na sociedade.
A construção de uma escola inclusiva evoca a necessidade de criação de condições e a garantia de apoios adequados para que todos os alunos possam aprender juntos, partilhando os mesmos contextos educativos.
Nesse sentido, Portugal tem vindo a assumir, há várias décadas, compromissos internacionais em matéria de política para uma educação inclusiva. A título de exemplo, assinou a Declaração de Salamanca, em 1994, visando a implementação de medidas organizativas relativamente a pessoas com necessidades educativas especiais; ratificou, em 2006, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e, em 2015, assinou a Declaração de Incheon, no Fórum Mundial de Educação, onde foram reafirmados os compromissos assumidos em 1990 em Jomtien, e em 2000 em Dakar, estabelecendo-se o cumprimento de metas educativas até 2030, com vista a alcançar uma educação de qualidade inclusiva e equitativa e à educação ao longo da vida para todos, como definido nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
No âmbito da União Europeia, também há um conjunto de documentos sobre políticas educativas, designadamente o Livro Branco sobre Educação e Formação.
A Constituição da República Portuguesa, por sua vez, consagra, nos seus artigos 73º e 74º que “Todos têm direito à educação e à cultura” e que “Todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar”, cabendo ao Estado promover “a democratização da educação e as demais condições para que a educação, realizada através da escola e de outros meios formativos, contribua para a igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação democrática na vida coletiva”.
Não obstante todos os princípios vertidos em instrumentos internacionais e na legislação portuguesa, a situação atual evidencia-nos que a escola inclusiva para todos não é ainda uma realidade e que há muito por fazer.
O Decreto-Lei nº 319/91, de 23 de agosto, na sequência e em articulação com a Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei nº 46/86), foi a primeira legislação que surgiu em Portugal, especificamente ao nível do sistema educativo como instrumento orientador em matéria de medidas educativas especiais, acabando por ser revogado através do Decreto-lei nº 3/2008, de 7 de janeiro, que definiu os apoios especializados a prestar na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário dos sectores públicos, particular e cooperativo.
Importa salientar que esta revogação ocorreu contra a opinião generalizada da comunidade educativa e de várias entidades da área, como a Sociedade Portuguesa de Pedopsiquiatria, o Fórum de Estudos de Educação Inclusiva (FEEI) e a Associação Portuguesa de Deficientes (APD).
Esta contestação foi gerada devido à implementação de algumas medidas, como a adoção da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) como único instrumento para avaliar crianças e jovens com direito a apoio no âmbito da Educação Especial, excluindo todos os que não apresentavam dificuldades provenientes de situações clinicamente comprovadas ou deficiências de caráter permanente ou prolongado, num claro retrocesso no que diz respeito ao conceito de escola inclusiva. Além disso, criou espaços segregados, quando se sabe que as crianças e jovens têm um desenvolvimento melhor pelo facto de aprenderem em conjunto.
Como se não bastasse, após o alargamento da escolaridade obrigatória para 12 anos, ou seja, até ao 12º ano ou até aos 18 anos, que entrou em vigor a partir do ano letivo 2012/2013 (Lei nº 85/2009), o Governo aprovou a Portaria nº 275-A/2012, de 11 de setembro, que se revelou um instrumento desadequado, de segregação e de discriminação de alunos com necessidades educativas especiais, através da definição de um modelo único, através do Currículo Específico Individual (CEI), determinando que a partir do 10º ano estes alunos teriam 25 horas letivas, permanecendo apenas 5 horas na turma com os colegas e cumprindo as restantes 20 horas em instituições e contextos separados, afastados dos restantes alunos, num claro retrocesso nas políticas de educação inclusiva e numa evidente desresponsabilização do Ministério da Educação das suas incumbências.
O Partido Ecologista Os Verdes considera que, ao alargamento da escolaridade obrigatória, que coloca desafios importantes, deve corresponder o respectivo investimento, permitindo a valorização dos alunos, a garantia da igualdade de oportunidades e a dignidade da vida destes alunos, não podendo nunca representar uma desvalorização da qualidade pedagógica e do percurso inclusivo destes jovens.
Finalmente, em 2015, após três anos de grande contestação por parte da comunidade educativa, a Portaria nº 275-A/2012 foi revogada pela Portaria nº 201-C/2015, de 10 de julho, permitindo corrigir um erro e uma injustiça.
No entanto, apesar de alguns avanços e recuos, a escola pública e inclusiva tem vindo a ser alvo de sucessivos e constantes ataques.
Desta forma, em Portugal, nos ultimos anos, foram impostas políticas que puseram em causa os princípios da educação inclusiva, fundamentais para todos os alunos, particularmente ao nivel das necessidades educativas especiais.
Exemplo disso é o sistemático desinvestimento na escola pública, aprofundado de forma brutal durante os quatro anos de vigência do Governo PSD/CDS, ignorando por completo o papel e a função do Estado de cumprir os princípios constitucionais de uma escola pública, democrática, de qualidade e inclusiva, que resultou na sua fragilização, e que foi sentido de forma muito mais profunda na Educação Especial.
As consequências são bem visíveis: carência de docentes de Educação Especial, apesar de solicitados pelas escolas, com base nas necessidades, mas não colocados, assim como de psicólogos, terapeutas da fala, intérpretes de língua gestual, terapeutas ocupacionais e outros técnicos de Educação Especial e de assistentes operacionais, dificuldade de trabalho em turmas com elevado número de alunos, falta de recursos materiais, cortes no acesso a apoios determinantes, entre outras.
De facto, durante os quatro anos do Governo PSD/CDS, houve uma redução do financiamento público no ensino básico e secundário de mais de 2 mil milhões de euros e, concretamente na Educação Especial, essa redução ultrapassou os 50 milhões de euros.
Importa destacar que hoje são muitos os alunos com necessidades educativas especiais que frequentam as escolas públicas. Segundo dados revelados pela Direção-Geral de Estatísticas de Educação e Ciência (DGEEC), cerca de 87% dos alunos com necessidades especiais de educação frequentam os estabelecimentos públicos, tendo estes alunos aumentado em quase todos os níveis escolares. Logo, a um aumento dos alunos com necessidades educativas especiais, não pode corresponder uma redução de meios.
Portugal é ainda um país com uma taxa baixa de inclusão dos alunos no sistema educativo, subsistindo nas escolas um número significativo de alunos com necessidades educativas especiais em espaços físicos ou curriculares segregados.
Esta situação é inaceitável e está longe de cumprir com os compromissos assumidos, negando uma educação pública e inclusiva para todos, o que faz com que a inclusão, por falta de meios, seja posta em causa todos os dias.
Estes problemas sentem-se de forma mais acentuada no ensino secundário - 10º, 11º e 12º anos -que, apesar de ter passado a ser ensino obrigatório, está ainda longe de conseguir dar resposta às necessidades destes jovens, sendo as escolas com este grau de ensino completamente esquecidas.
Assim, chegamos ao dia de hoje e constatamos, com grande preocupação, que estamos longe de alcançar a educação para todos. O caminho que temos de fazer é o da inclusão, através de uma escola capaz de responder à diversidade e que garanta o direito à educação, em igualdade de oportunidades, a todas as crianças e jovens com necessidades educativas especiais.
Face ao exposto, uma escola inclusiva continua a impor-se com um imperativo, em respeito pelo cumprimento dos objetivos e princípios fundamentais da Constituição da República Portuguesa e da Lei de Bases do Sistema Educativo, e de demais instrumentos.
Estamos perante um grande desafio e é, assim, necessário eliminar todas as formas de exclusão, as disparidades e as desigualdades, independentemente do grau de ensino e da condição dos alunos, impondo-se alterações significativas no sistema de ensino/aprendizagem e respostas concretas que garantam o direito pleno à educação.
Uma escola que seja verdadeiramente um instrumento de integração e de inclusão e que tenha em conta as especificidades dos alunos, deve ser garantida ao longo de todo o percurso escolar, cabendo ao Estado assegurar um ensino público de qualidade, inclusivo e democrático.
A concretização desse ensino só se conseguirá com um efetivo investimento na educação e com a implementação de um conjunto de medidas, como a garantia de meios humanos em quantidade adequada e com competência para responder às exigências colocadas por cada aluno, a redução do número de alunos por turma (devendo as turmas ser ainda mais reduzidas quando integram alunos com necessidades especiais), a formação de diversos agentes educativos, a constituição de equipas multidisciplinares, a garantia de condições para a intervenção precoce e consequente acompanhamento ao longo do percurso educativo, a adaptação dos edifícios e equipamentos, uma ação social escolar que permita uma efetiva igualdade de oportunidades e a capacidade de autonomia e de organização das escolas para criar contextos favoráveis à inclusão.
É, assim, premente que todos os alunos, independentemente da sua condição, possam aprender na escola pública, com igualdade de oportunidades, com a valorização e o respeito pela pluralidade e diversidade no contexto educativo, com vista à autonomia, integração social e desenvolvimento de todas as suas potencialidades e capacidades físicas e intelectuais, cabendo ao Estado concretizar a efetivação do direito ao ensino para todos, em toda a escolaridade obrigatória e, consequentemente, o Governo deverá encetar esforços no sentido de assegurar melhores condições para os alunos aprenderem e para os professores ensinarem.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, os deputados do Partido Ecologista Os Verdes apresentam o seguinte Projeto de Resolução propondo que a Assembleia da República recomende ao Governo que:
1. Assuma como prioridade a promoção de uma educação pública de qualidade inclusiva, abrangendo toda a escolaridade obrigatória, como consagrado na Constituição da República Portuguesa.
2. Proceda ao levantamento dos alunos identificados com necessidades educativas especiais e com deficiência, em toda a escolaridade obrigatória, indicando esses dados por grau de ensino.
3. Proceda à contratação dos trabalhadores necessários para a garantia de uma educação inclusiva, nomeadamente professores de Educação Especial, assistentes operacionais, psicólogos, intérpretes e professores de Língua Gestual Portuguesa, terapeutas da fala e ocupacionais, fisioterapeutas e outros técnicos de Educação Especial para as escolas públicas, dando especial atenção às escolas com ensino secundário, tendo em conta as graves carências nesta matéria.
4. Assegure que os estabelecimentos de ensino disponibilizam os meios materiais indispensáveis à garantia de uma educação inclusiva.
5. Diligencie no sentido da promoção de uma participação mais efetiva por parte dos pais e encarregados de educação no processo educativo dos alunos.
6. Prossiga os procedimentos necessários com vista à redução do número de alunos por turma.
7. Prossiga os procedimentos necessários com vista à adaptação dos edifícios e equipamentos, com vista à eliminação de quaisquer barreiras ou constrangimentos que impeçam a inclusão dos alunos.