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16/05/2018
Projeto de Resolução Nº 1619/XIII/3ª - Realização de um estudo rigoroso sobre a realidade do trabalho infantil em Portugal, com vista à sua total erradicação
O trabalho infantil é uma grave violação dos direitos da criança, priva-a da infância e prejudica o seu desenvolvimento, com consequências negativas ao longo da sua vida, reduzindo as perspetivas de crescer num ambiente saudável.

Todas as crianças têm o direito à proteção e à segurança, à dignidade e à integridade física, à educação, à saúde e à habitação, entre outros direitos que lhes permitam crescer num ambiente favorável ao pleno desenvolvimento das suas capacidades, de forma equilibrada, com qualidade de vida e sentirem-se felizes e realizadas, cabendo ao Estado, conforme consagrado na Constituição da República Portuguesa, garantir estas condições.

Apesar dos vários instrumentos e compromissos internacionais que instituem os direitos, a proteção e o bem-estar das crianças, como a Declaração Universal dos Direitos da Criança, adotada pela Organização das Nações Unidas, em 1959, onde se afirma que “a Humanidade deve à criança o melhor que tem para dar”, e a Convenção dos Direitos da Criança, adotada em 1989 e ratificada por Portugal em 1990, sendo, nos termos desta Convenção, uma obrigação dos Estados atender aos direitos das crianças, existem ainda, a nível mundial, situações muito graves de trabalho infantil.

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), atualmente há 152 milhões de menores vítimas de trabalho infantil no mundo inteiro e quase metade faz trabalhos perigosos que colocam em risco a sua saúde e segurança. Estas situações acontecem sobretudo nas economias pequenas e rurais, sendo a agricultura o sector com maior número de crianças a trabalhar, seguindo-se de atividades como a mineração, a manufatura e o turismo.

A erradicação do trabalho infantil até 2025 foi fixada como um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável pelas Nações Unidas: ODS 8 – “Tomar medidas imediatas e eficazes para erradicar o trabalho forçado, acabar com a escravidão moderna e o tráfico de pessoas, e assegurar a proibição e a eliminação das piores formas de trabalho infantil, incluindo recrutamento e utilização de crianças-soldado, e até 2025 acabar com o trabalho infantil em todas as suas formas”.

Em Portugal, a partir de finais dos anos 80 do seculo XX, a sociedade começou a estar mais sensibilizada e alerta para este fenómeno, começando a opor-se mais veementemente ao trabalho infantil e a exigir uma maior proteção e garantia do bem-estar e da qualidade de vida das crianças.

Ao Estado, perante a gravidade do problema, impôs-se um compromisso pela sua erradicação e, principalmente a partir da segunda metade da década de 90 começaram a ser adotadas medidas importantes para a eliminação deste flagelo.

Em 1999, Portugal ratificou a Convenção nº 182, adotada pela Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho, sobre as piores formas de trabalho das crianças.

Como forma de aferir a extensão e a natureza do trabalho infantil em Portugal, foi realizado, em 1998, um inquérito nacional junto das famílias com crianças em idade escolar, promovido pelo Departamento de Estatística do Trabalho, Emprego e Formação Profissional (DETEFP), pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), permitindo não só identificar a dimensão do problema, mas também definir melhor a estratégia de combate ao fenómeno.

Em 2001, voltou a realizar-se esse estudo, intitulado "Trabalho infantil em Portugal 2001" e, desde essa altura, portanto há 17 anos, este fenómeno não é estudado em Portugal, por uma fonte credível e oficial, o que limita o conhecimento sobre a situação nos dias de hoje, tal como tem vindo a alertar a Confederação Nacional de Ação sobre o Trabalho Infantil (CNASTI).

A verdade é que Portugal tem tido, nas últimas décadas, uma evolução notável relativamente ao combate ao trabalho infantil, mas este flagelo não desapareceu por completo, havendo ainda, infelizmente, situações de crianças a trabalhar, que importa conhecer, caracterizar e avaliar para intervir de forma adequada.

Apesar de não ser uma situação minimamente comparável com a que se passa noutros países, e não obstante a redução significativa do número de casos de trabalho infantil, a identificação e resolução deste problema apresenta-se como um imperativo, sendo imprescindível a realização de um novo estudo nacional porque, hoje, faltam elementos de diagnóstico e de acompanhamento e não podemos partir do princípio, abstrato, que está completamente resolvido e que é irreversível.

Em 2001, quase 49 mil crianças, dos 6 aos 15 anos, desenvolviam atividades económicas em Portugal, remuneradas ou não, mas mais de metade não o fazia regularmente. Estes dados revelaram um aumento de dois mil casos relativamente a 1998, tendo em conta os critérios da Organização Internacional do Trabalho (OIT), distinguindo-se os trabalhos leves (ajuda à família na agricultura, no comércio ou na restauração, num máximo de 15 horas semanais), do trabalho regular (até 35 horas semanais) e do trabalho perigoso (tarefas perigosas ou desempenhadas em locais perigosos com horários superiores a 35 horas, que possam ter efeitos negativos na saúde, na educação e no normal desenvolvimento da criança).

Este inquérito foi realizado a 27.600 famílias e aponta para a existência de 27.837 menores envolvidos em trabalhos leves, 7069 com trabalho regular e 14.008 com trabalhos perigosos. Cerca de metade das crianças trabalhava na agricultura, enquanto as restantes se dedicavam a sectores como a indústria, o comércio e a construção.

Importa referir que, muitas vezes, os menores acumulam a escola com o trabalho - remunerado ou não - o que, tendencialmente, levará a um pior desempenho ou a dificuldades acrescidas no percurso escolar.

É ainda de salientar que, de acordo com dados da então Inspeção Geral do Trabalho (atual ACT - Autoridade para as Condições do Trabalho), em 2006 foram sinalizados ao PETI (Programa para a Prevenção e Eliminação da Exploração do Trabalho Infantil), 890 casos de trabalho infantil propriamente dito e 126 casos de "piores formas de trabalho infantil", o que pode englobar crianças usadas na mendicidade, em atividades arriscadas, no tráfico de droga ou na exploração sexual.

A este propósito, não nos podemos esquecer que, há apenas oito anos, foi denunciada a existência de casos de trabalho infantil, envolvendo crianças entre os 12 e os 14 anos a trabalhar em pequenas indústrias de confeção no distrito de Braga.

Nos últimos anos, as situações de trabalho infantil caracterizam-se pelo trabalho informal, nas pequenas explorações familiares, nas tarefas do têxtil e do calçado, nas atividades agrícolas sazonais, entre outras, e cuja consequência é a criança trabalhar em detrimento dos tempos livres e dos tempos de estudo e até escolares.

Um aspeto fundamental para combater o trabalho infantil é assegurar condições de trabalho e de rendimentos às famílias, uma vez que a condição económica é um fator de risco, podendo a pobreza e as situações de crise potenciar este flagelo, pois as famílias poderão ver-se obrigadas a recorrer a esta prática e a contar com o trabalho das crianças para poderem para fazer face às dificuldades económicas, satisfazer necessidades básicas e sobreviver.

Neste contexto, será de referir que dados do Instituto Nacional de Estatística, publicados em maio de 2017, indicam que a pobreza atinge particularmente as crianças e jovens (22,4%), assim como as famílias com crianças dependentes (21%). É incontestável que a pobreza infantil em Portugal atinge uma grande proporção.

A criança poderá ver-se, assim, pressionada a trabalhar devido às condições económicas, a que se pode somar a perda de interesse na educação.

Desta forma, a abolição do trabalho infantil exige políticas transversais e integradas, a nível de educação, de proteção social, de saúde e de trabalho, que permitam melhorar a situação das famílias, sendo fundamental combater a pobreza, com especial destaque para a pobreza infantil, através da garantia de trabalho com direitos para os adultos, justamente remunerado para que seja possível fazer face aos custos de vida, combater a precariedade e reforçar os apoios sociais.

Neste contexto, também a garantia de uma educação universal, pública e gratuita assume especial importância, assim como assegurar que as escolas estão preparadas para detetar o absentismo, saber como são as crianças desviadas para o trabalho e para trabalhar a reinserção das crianças e jovens que se afastaram precocemente do percurso escolar.

Igualmente importante é garantir que as várias entidades e serviços envolvidos no combate ao trabalho infantil, por exemplo as Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ), a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) e os serviços da Segurança Social, estão dotados de todas as condições necessárias para cumprirem cabalmente a sua missão, uma vez que um dos problemas que se coloca é também a fiscalização.

Acresce a este facto, a existência de determinadas atividades que, não sendo diretamente consideradas trabalho infantil, devem merecer preocupação e atenção, podendo intensificar-se e agravar-se em contextos de crise.

De facto, a identificação de situações de trabalho infantil pode levantar algumas dificuldades, como por exemplo na definição da fronteira do que é o trabalho infantil, especialmente tendo em conta as suas diversas e novas formas na sociedade atual.

Assim, facilmente se conclui que, apesar da evolução positiva de Portugal em matéria de combate ao trabalho infantil, há ainda casos no país, que urge eliminar através da melhoria das condições de vida das famílias e da implementação de medidas eficazes, sendo necessário conhecer a realidade portuguesa relativamente a todas as formas de exploração do trabalho de crianças.

Portanto, a realização de um estudo permitiria uma intervenção estruturada e planificada de garantia dos direitos das crianças, impondo-se que o Estado cumpra a Constituição da República Portuguesa, no que diz respeito à proteção da infância, conforme consagrado no seu artigo 69º em que se determina que “As crianças têm direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições” e que “É proibido, nos termos da lei, o trabalho de menores em idade escolar”.

Face ao exposto, é da maior importância que o Governo tome medidas no sentido de quantificar e qualificar o problema do trabalho infantil, aprofundar o combate a esta forma de exploração e melhorar o dia-a-dia das crianças e das suas famílias.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, os deputados do Partido Ecologista Os Verdes apresentam o seguinte Projeto de Resolução propondo que a Assembleia da República recomende ao Governo que:

1. Realize um estudo rigoroso sobre a realidade e as dimensões do trabalho infantil em Portugal, no sentido de quantificar e qualificar este problema, para um devido acompanhamento da sua evolução com vista à sua total erradicação.

2. Aprofunde as medidas de combate e de prevenção do trabalho infantil, não ignorando as suas diversas e novas formas na sociedade atual.

3. Adote as medidas necessárias ao devido funcionamento das entidades e serviços com competências e intervenção em matéria de combate ao trabalho infantil, nomeadamente no que diz respeito a meios humanos e materiais.

Acompanhe a evolução do Projeto de Os Verdes.
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