I
A apresentação anual por parte do Governo, perante a Comissão Europeia, do Programa Nacional de Reformas e do Programa de Estabilidade constitui uma opção e um exercício que decorre da submissão ao Euro e da aplicação das suas regras. Trata-se, por via do chamado visto prévio da União Europeia, de um fator de condicionamento da soberania nacional e de ingerência nas opções macroeconómicas e orçamentais que cabem ao povo português e aos seus órgãos de soberania.
Os critérios e opções presentes no Programa Nacional de Reformas e no Programa de Estabilidade, designadamente em relação ao défice orçamental e à dívida pública, articulados com outras dimensões da política europeia, constituem um garrote ao desenvolvimento dos povos e um fator de aprofundamento das divergências entre os países da União Europeia. Em Portugal, a aceitação e submissão a estes critérios e opções, como têm feito ao longo dos anos PS, PSD e CDS, tem tido como consequência o agravamento das injustiças sociais e das desigualdades na sociedade e no território, a degradação dos serviços públicos, o recuo do aparelho produtivo, o aprofundamento da dependência externa e o aprofundamento da concentração monopolista.
Quer o Plano Nacional de Reformas, quer o Programa de Estabilidade são documentos da exclusiva responsabilidade do Governo que os assume perante a Comissão Europeia, mas que não decidem nem podem condicionar as decisões que cabem aos órgãos de soberania, incluindo aquelas relativas aos orçamentos do Estado.
II
Como o PCP sempre afirmou, são os interesses nacionais que devem prevalecer e não a submissão à moeda única e a outras imposições da União Europeia. Nos últimos 20 anos, com a adoção das regras do Euro – bem presentes nos documentos agora apresentados –, a dívida pública portuguesa disparou, o crescimento económico quase estagnou (com largos períodos de recessão), o investimento caiu, os serviços públicos degradaram-se, a precariedade, o desemprego e a exploração aumentaram. Insistir neste rumo, como defendem PS, PSD e CDS, não permitirá responder aos problemas do país.
Quer o Plano Nacional de Reformas, quer o Programa de Estabilidade, seja no cenário macroeconómico traçado, seja nos objetivos apresentados, constituem um exercício que revela opções que não dão a resposta necessária aos principais problemas do país. Destaca-se a trajetória que é desenhada para a redução do défice das contas públicas – que se tornará em excedente orçamental a partir do próximo ano –, mas também os valores inscritos para o pagamento dos juros da dívida pública, cerca de 35 mil milhões de euros até 2023, que constituem um autêntico sorvedouro de recursos do país.
Esta opção do Governo trava a resposta que é necessário dar a muitos dos problemas estruturais do país e limita o aprofundamento do caminho de reposição de direitos e rendimentos e de avanços entretanto alcançados. Avanços que, apesar de insuficientes e limitados, são inseparáveis da dinamização da atividade económica que se verificou nos últimos anos e que permite, entre outros aspetos, o aumento das receitas do Estado e a sua melhor capacitação na resolução dos problemas do país.
III
Para sustentar as suas opções, o Governo invoca ameaças ou desenvolvimentos futuros que possam colocar em causa o equilíbrio das contas públicas e o desenvolvimento do país, procurando desta forma legitimar a opção de travar a política de reposição de direitos e rendimentos, ao mesmo tempo que deixa intocáveis os privilégios do grande capital. Mas o que a realidade demonstra é que sempre que as imposições supranacionais se sobrepõem aos interesses do país, é o presente e o futuro que ficam comprometidos.
Para o PCP, o único caminho que abre uma perspetiva de desenvolvimento sustentado, capaz de resistir a ameaças e incertezas que se venham a colocar, é o caminho da reposição de direitos e rendimentos, é o reforço do investimento público dotando o país das infraestruturas de que necessita, é a dinamização do aparelho produtivo nacional, substituindo importações por produção nacional, é o reforço dos serviços públicos, é a libertação do país do domínio dos grupos monopolistas e a recuperação do controlo público dos sectores estratégicos.
É isso que se impõe fazer, mobilizando todos os recursos disponíveis para o aumento do investimento público, para a melhoria dos serviços públicos com mais trabalhadores e mais meios, para a defesa da produção nacional, para a defesa da floresta e do mundo rural, para a elevação da proteção social, para a melhoria dos salários, reformas e pensões, para a dotação dos meios necessários ao Serviço Nacional de Saúde e à Escola Pública, para a resolução dos problemas nos transportes públicos e nas infraestruturas, para o apoio à cultura, à ciência e à investigação.
O Orçamento do Estado que está em vigor não só não é um obstáculo a essa resposta como em nada impede que se adotem simultaneamente outras medidas que se revelem necessárias. Mais do que um problema de ritmo, argumento que o Governo procura esgrimir para travar a resposta necessária aos problemas, a questão de fundo são as opções políticas.
Dentro das regras do Euro, dentro dos critérios que norteiam o Programa de Estabilidade e o Plano Nacional de Reformas, Portugal não está preparado nem se preparará para desenvolvimentos na situação internacional que não controla. Responder aos problemas do presente e preparar o país para o futuro reclama outras opções e outra política:
A opção pela valorização dos direitos e salários dos trabalhadores como condição e objetivo de desenvolvimento económico e social, pela elevação da proteção social, por melhores reformas e pensões.
A opção pela renegociação da dívida pública, nos seus prazos, juros e montantes, articulada com a perspetiva de recuperação da soberania monetária, libertando recursos para o investimento e serviços públicos.
A opção pela defesa do aparelho produtivo nacional, substituindo importações pela produção nacional, criando emprego, diminuindo a dependência e exposição externas, dinamizando o tecido económico, em particular as micro, pequenas e médias empresas.
A opção pelo reforço dos serviços públicos, do Serviço Nacional de Saúde, da Escola Pública, dos transportes públicos, dos apoios sociais, da cultura, das estruturas para o desenvolvimento científico e tecnológico, e dos instrumentos para a coesão do território e para a defesa da floresta e do mundo rural.
A opção pela recuperação do controlo público das empresas e dos sectores estratégicos, os quais, em vez de instrumento de concentração e transferência de riqueza para fora do país, devem ser colocados ao serviço do desenvolvimento nacional.
Opções que colocam a necessidade de abrir as portas a uma política alternativa, patriótica e de esquerda, que rompa com as amarras e condicionamentos que impedem o desenvolvimento do país.
Nestes termos, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte resolução:
ResoluçãoA Assembleia da República resolve, nos termos n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recusar as opções assentes na submissão à União Europeia e ao Euro, bem como os instrumentos de condicionamento do país daí decorrentes, afirmando o direito soberano do Estado português a decidir do seu futuro e assumindo a necessidade de mobilizar os recursos necessários ao aumento dos salários e pensões, à melhoria dos serviços públicos, designadamente do Serviço Nacional de Saúde, da Escola Pública, da Segurança Social e dos transportes públicos, ao aumento dos apoios à cultura, à ciência e à investigação, ao incremento do investimento público e à defesa da produção nacional.
Assembleia da República, 17 de abril de 2019
Acompanhe aqui a evolução deste Projeto de Resolução (iniciativa conjunta com outros partidos).